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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT05: Antropologia da Economia

Arlei Damo, Gustavo Onto

A tematização da "economia", incluindo-se o debate sobre o significado do termo, tem adquirido notoriedade na antropologia contemporânea, com a realização de teses, grupos de pesquisa, eventos e publicações. Desde o nascimento da disciplina, os intercâmbios de objetos e riquezas, mediados ou não pelo dinheiro, bem como as formas de valoração e de provimento das condições materiais da vida, foram descritos pelas etnografias. Tais produções geraram debates acerca do lugar da economia nas sociedades, uma vez que as investigações antropológicas, realizadas junto a comunidades distantes, ofereciam novas questões e por vezes contrapontos às teorias econômicas produzidas na sociedade de origem da antropologia enquanto disciplina. Nas últimas décadas houve uma renovação deste debate, acompanhando a expansão capitalista dos intercâmbios de pessoas, mercadorias, ideias e infraestruturas. A Antropologia da Economia vem ganhando espaço no Brasil e a procura pelo GT nas RBAs de 2018 e 2020 são prova disso. O objetivo do GT é continuar o fomento do diálogo entre pesquisadores e explorar etnograficamente a multiplicidade de sentidos da economia, as diversas escalas de observação que ela permite, com suas ambiguidades e fluxos que colocam em questão as fronteiras e limites do econômico com outras esferas tais como: as práticas familiares, o meio ambiente, as religiões, as artes, a religião, as moralidades, o Estado e assim por diante.

Palavras chave: economia, dádiva, mercado
Resumos submetidos
E como fica o Bolsa Família na pandemia?
Autoria: Guilherme de Matos Floriano
Autoria: O principal objetivo desta pesquisa é seguir os atores envolvidos no Programa Bolsa Família (PBF) e delinear a rede que forma o programa. Assim, objetiva-se pensar o PBF a partir da etnografia. Na medida em que o PBF é dotado de agência, ele constitui um espaço social específico - uma rede sociotécnica - que mobiliza categorias e gera alterações e impactos na sociedade. Assim, cumpre seguir seus atores e mapear sua rede, portanto. É híbrido. É rede, conforme passa pela ciência, pela sociedade e pelo discurso - real, coletiva e discursiva. É social, portanto, nos termos de Latour. O que se coloca enquanto um possível entrave para a etnografia é o advento da pandemia da COVID-19. Então, percebe-se que o próprio Programa transformou-se, ficando praticamente congelado por quase dois anos. Tudo o que habitualmente separamos são, para Latour (2016) cosmogramas que devemos descrever - que é o que exatamente buscamos, mesmo que tendo que mudar um pouco o curso da pesquisa: à distância e tomando alguns discursos e reportagens jornalísticas como locus etnográficos (GIUMBELLI, 2002). Sendo a Secretaria Municipal de Assistência Social, o local em que as famílias entram em contato com os programas sociais do Estado - assim como os CRAS, mas na SMADS, está alocada a gerência do Cadastro Único e a gestão do PBF -, ela se constitui, juntamente dos CRAS, enquanto o local de referência da proteção social no Brasil e, por isso, espaço empírico crucial desta pesquisa. O que se coloca, portanto, é que tal visão permitirá perceber os fenômenos sociais, econômicos, culturais, etc. que o constituem em sua magnitude, bem como, perceber o PBF enquanto um encontro entre beneficiários e o Estado o que, por fim, permitirá compreender como se delineia a rede e o cosmograma do PBF durante o período de maior impacto da pandemia da COVID-19 (2020/2021).
O "Bolsa Família" nativo: monetarização, risco e distribuição de renda entre os Rikbaktsa da Amazônia brasileira
Autoria: Adriana Athila
Autoria: Há escassez de estudos sobre economias e monetarização entre povos indígenas amazônicos. As etnografias disponíveis, ao mesmo tempo em que assumem que o dinheiro tem esperados efeitos (deletérios) sobre a vida aldeã, pouco os enfatizam analiticamente. Tudo se passa como se o mercado e o dinheiro permanentemente ameaçassem corromper um universo harmônico, resultando em etiquetas sociais perturbadoras e desconhecidas até então. Os mecanismos relacionais protetivos próprios ao parentesco, contudo, obliterariam as esperadas tensões conflituosas, através do imperativo moral de partilha entre um coeso bloco de parentes próximos. Se as pesquisas investigam o modo pelo qual o dinheiro e o mercado interagem com as relações comunitárias e sociocosmologias indígenas, assumem também a incomunicabilidade das noções sobre, por um lado, o parentesco e, por outro, o mercado. Características do primeiro, relações fundadas na pessoalidade, operadas pela troca recíproca justa, harmônica e não conflituosa, contrastariam com o cálculo auto interessado e egoístico, característicos do segundo. Este trabalho dialoga com estas ideias, a partir do caso dos Rikbaktsa, povo com cerca de 1800 pessoas, habitantes do noroeste de Mato Grosso. A pesquisa é parte de um conjunto de estudos sobre os impactos de políticas de transferência de renda entre indígenas de diferentes regiões do país. Com o objetivo de avaliar a grandeza da participação do dinheiro na vida dos indígenas, pesquisadores com longeva experiência entre os povos participantes construíram questionários específicos, associados também a estudos etnográficos em campo. Entre os Rikbaktsa, o dinheiro era proveniente de fontes híbridas, estado presente nas diferentes classes de idade de entrevistados, a maior parte deles dividida entre dois perfis distantes de renda. As operações de compra e venda entre parentes eram abundantes e a renda estava desigualmente distribuída entre os domicílios. Etnograficamente, contudo, aquelas transações eram descritas como de ajuda, enquanto as casas tinham estrutura material e hábitos de consumo muito semelhantes. Uma etnografia da praxis das transações dentro e entre comunidades demonstrava, ainda, que elas nem sempre eram harmônicas ou justas, possivelmente, desde antes do contato com os brancos ou com o dinheiro. Sem terem sido introduzidas por ele, a ajuda e a generosidade vinham sendo estimuladas de maneira talvez inédita pela monetarização, intensificando também o risco das relações e a possibilidade de conflitos. O caso Rikbaktsa complexifica a compreensão da esfera econômica, como dos fatores que pesam à calculabilidade de transações, dentro dos diversos contextos socioculturais onde elas emergem e, em última análise, dentro do que chamamos de capitalismo.
O dilema do dinheiro da passagem: mobilidades, ganhar a vida e infraestruturas urbanas
Autoria: Marcos Vinicius Lopes Campos
Autoria: O artigo esboça uma etnografia sobre os modos de se fazer o dinheiro da passagem e seus efeitos na vida cotidiana e para o acesso à infraestrutura de transportes por moradores de favela e subúrbio no Rio de Janeiro. Partindo da passagem e da antropologia do dinheiro, proponho um encontro entre as discussões da antropologia da casa e das infraestruturas urbanas, com base em cenas das estratégias para a locomoção envolvidas em distintos planos da vida, como o trabalhar, se alimentar, acessar serviços públicos e manter a casa. Defendo que a categoria permite etnografar aspectos estruturantes da experiência fenomenológica da cidade entre os pobres urbanos. O artigo é parte de pesquisa mais ampla acerca das formas de se ganhar a vida com arte por jovens artistas e negros, moradores de favela e periferias no Rio de Janeiro. Se a antropologia da casa partiu da categoria nativa do dinheiro da casa para a compreensão de como as pessoas geram e fazem suas casas, planejam futuro, ganham e gastam dinheiro e cuidam da família, nesta pesquisa, parto do dinheiro da passagem como ponto de vista de onde etnografo o ganhar a vida. Isto significou que ao invés de partir das "pessoas e casas que cuidam" para analisar as configurações de casa, este trabalho partiu da locomoção de meus interlocutores e das infraestruturas de transportes. A etnografia desnaturaliza o dinheiro da passagem como algo dado no cotidiano entre os pobres e negros. Atravessar a catraca nos ônibus, trens ou metrôs (seja pagando, dando o calote ou pedindo carona) não é um evento desimportante, mas um "quase-evento". Fazer o dinheiro da passagem envolve diferentes conversões de relações de ajuda e obrigação mútua, transações mercantis, materialidades, moralidades e valorações monetárias e sobre pessoas, que viabilizam estrutural e conjunturalmente a locomoção. Este estrutura ritmos e espacialidades para manter a casa e a vida. A temporalidade do ganho de dinheiro é uma das chaves para a sua produção. Por outro lado, fazer a passagem remete a uma experiência situada e coletiva, onde o valor econômico "não conta", mas sim configurações de pessoas, casas e moralidades. A etnografia sugere que a tarifa e dinheiro da passagem não são categorias intercambiáveis, mas remetem à planos distintos da experiência da cidade.
Animais de corrida: uma discussão referente aos mercados voltados para a produção de cavalos e homens para o espetáculo do turfe.
Autoria: Rômulo Bulgarelli Labronici
Autoria: As corridas de cavalo, denominadas de turfe, se enquadram no aspecto de uma prática, apreendida como uma atividade esportiva sui generis, que demanda a necessidade de uma relação imanente entre homens e cavalos para a sua realização. Uma prática que se destacava pela sua organização de calendários de competição, formação de clubes, pelo desenvolvimento de um corpo técnico especializado e por sua adesão popular, fato este que gerou um enorme mercado ao seu redor. Assim, este trabalho tem como objetivo discutir algumas das percepções referentes aos sentidos dos cavalos tanto para o espetáculo quanto para o mercado de criação e produção de animais para a indústria das apostas, que são, em muitos casos, similares, tanto entre os que estão mais diretamente envolvidos com a produção efetivamente das corridas, quanto mais distante dela. Aqui, entende-se que para a produção de um cavalo de corrida uma série de atores humanos e não-humanos estão associados em distintas "redes sociotécnicas" (CALLON, 1989, 2006a, 2006b; CALLON e LATOUR, 1991, LATOUR, 2000) contendo agentes que compartilham técnicas específicas para a reprodução, criação, treino, cuidado, compra e venda de animais; e que transformarão o cavalo na mercadoria privilegiada de circulação. O cavalo é assim transferido por pontos da cadeia de produção de acordo com o período de maturação e de acordo com os planejamentos estipulados para a trajetória da carreira de cada animal. Enquanto alguns atores podem estar em quaisquer pontos dessa cadeia, outros se encontram em quase sua totalidade. Aqui, a noção de natureza, no mercado de produção de animais do turfe, não é considerada como uma condição universal (ou como uma categoria holística) sobre a qual estão estabelecidas descontinuidades culturais e não pode ser entendida, em geral, como um domínio ontológico externo que é distinto do mundo dos seres humanos (DESCOLA, 1986). Com isso, objetiva-se aqui explorar, a partir de pesquisas etnográficas prévias com apostadores e aficionados do turfe, alguns dos modos de produção (tanto material quanto simbólica), os sentidos e os usos desses equinos para a consolidação de um mercado voltado para o espetáculo apreciado por um público cada vez mais especializado.
Feira Cultural e do Afroempreendedorismo: Uma etnografia das relações entre economia feminina e resistência negra em Curitiba
Autoria: Suelen Karini Almeida de Matos
Autoria: A Feira Cultural e do Afroempreendedorismo acontece mensalmente em Curitiba desde 2017 e vêm ocupando espaço no cenário de eventos cuja finalidade é de fomentar a cultura afro-brasileira e africana em uma cidade que invisibiliza a população negra. A proposta deste artigo, que é um resumo de minha dissertação de mestrado concluído em 2021, é de trazer, brevemente a compreensão da luta e a importância deste evento que é organizado e ocupado por mulheres negras. Essas, que são militantes e atuantes na resistência local desde os anos oitenta, trabalham bravamente para abrir caminhos para outras mulheres de todas as gerações. Com apoio do Instituto Afro-Brasil do Paraná e ocupando a Praça Zumbi dos Palmares, localizada no bairro Pinherinho, o evento contribui para o fortalecimento do movimento black money através do ato de empreender e da construção da identidade política negra através das apresentações culturais. Neste trabalho, trago narrativas e vivências dessas mulheres que têm reescrito a história negra da cidade, lutando contra as burocracias estatais que fortalecem o racismo estrutural e institucional, construindo, assim, uma utopia quilombista que projeta um novo cenário de existência para esse coletivo.
"Movimento bom e movimento ruim": os tempos da pandemia a partir de um pequeno salão de beleza na Maré.
Autoria: Ananda da Silveira Viana
Autoria: A pandemia de Covid-19 trouxe inúmeros novos desafios e reacendeu outros antigos. A economia de pequenos negócios foi diretamente afetada por uma má gestão de governo em um período de crise, cujo ficar em casa era essencial para a manutenção e preservação da vida de milhares de pessoas. Neste trabalho, trarei alguns desafios enfrentados por minha interlocutora em uma pesquisa etnográfica desenvolvida no Complexo da Maré, conjunto de favelas situado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, tanto em seu pequeno negócio, quanto em sua motivação frente às crises e incertezas deste período. Jussara tem um pequeno salão de beleza na varanda de sua casa, vivendo há três anos de seu trabalho como autônoma após ter perdido seu emprego que, com o dinheiro da rescisão, pôde comprar sua casa própria e, assim, montar um pequeno negócio ali. A partir de nossas conversas, fui percebendo como Jussara descreve o fluxo de clientes e o movimento dentro de seu salão, destacando principais eventos como períodos festivos, o Auxílio Emergencial e seus momentos pessoais e o recente desemprego de seu marido. Nos primeiros meses da pandemia, manteve o salão fechado, ppois ficou com sintomas da doença, mas que, ainda assim, "o telefone não parava de tocar". Pouco tempo depois, voltou a atender, mas a partir daí apenas com hora marcada e pedindo que as clientes fossem sem acompanhantes. Quando o movimento volta a uma maior atividade, Jussara atribui este fenômeno ao Auxílio Emergencial. Apesar do desemprego de seu marido, o dinheiro do auxílio, do salão e o que ele conseguia com uns bicos de biscate foram suficientes para pagar as contas (que são poucas, já que a casa é própria e não pagam água e luz), fazer o mercado, comprar o que as crianças precisavam e ainda guardar um bocado. Ela também conseguiu cestas básicas através do Redes da Maré, o que "aliviou" as despesas, principalmente em virtude do aumento no preço dos insumos (uma questão constantemente levantada pelos interlocutores). Contudo, tal estabilidade não se manteve por muito tempo. O fim da primeira versão do Auxílio Emergencial prejudicou tanto a renda de Jussara e de seu marido, quanto o movimento no salão. Para ela, o fim do auxílio e a sua versão em um valor menos impactaram diretamente seu negócio. "Unha e cabelo acabam sendo supérfluos", me afirma, em um momento de forte queda no poder de compra. Nesta direção, este trabalho tem como objetivo descrever, a partir de minha interlocutora, os "movimentos" pelos quais seu salão foi passando a partir dos tempos da pandemia, as micro crises em sua vida e a dinâmica do fluxo de dinheiro do salão e da casa, bem como a gestão de uma economia da casa que tem no trabalho informal e na política de transferência de renda a sua centralidade.
Afroempreendedorismo em uma loja colaborativa, quilombismo e sentidos de economia
Autoria: Juliana Silva Chagas
Autoria: Esse texto nasce de reflexões feitas após a pesquisa de mestrado, na qual analisei as relações envolvidas na produção de pessoa negra desde um olhar sobre a moda afro na cidade de Fortaleza/CE. Partindo de uma rede de afroempreendedoras que reúnem suas produções de indumentárias (peças de roupas, como camisas, batas, vestidos, calças, etc.) e acessórios (bolsas, brincos, calçados, turbantes, etc.) afro elaborados por elas de maneira autoral na loja Cearafro, como também nas plataformas digitais, como Instagram e Facebook dessa loja, acompanhei como a afirmação da identidade negra perpassa noções de colaboração e de autoria, tanto no âmbito econômico, como nos âmbitos político e social, resultando na noção de afroempreendedorismo, engendrada pela produção da moda afro nesse recorte espacial. A CearAfro, situada no Centro, bairro predominantemente comercial da cidade, é única loja colaborativa de moda afro da capital cearense e reúne a produção das afroempreendedoras, bem como se institui como um espaço de afirmação das subjetividades negras, reveladas por meio da variedade de mercadorias ali produzidas, as quais mantêm um vínculo contínuo entre a produtora e seu produto. Dessa forma, me debruçando sobre os sentidos de economia que podem ser encontrados na noção de quilombismo cunhada por Abdias Nascimento (1980), partindo da experiência de afroeempreendedorismo engendrada pelas interlocutoras da pesquisa, viso analisar o quilombismo sob a perspectiva de um modelo econômico afrocentrado de produção, distribuição e consumo, orientador de modos de trocas econômicas horizontais, não exploratórias, que partem dos processos de subjetivação das pessoas negras e de organização de experiências coletivas que atualizam e reafirmam vínculos de negritude, não se limitando a estabelecer relações apenas entre pessoas negras, de modo que o afroempreendedorismo figura como um aspecto do quilombismo, como um eixo de mobilização de práticas econômicas dialeticamente presentes na contemporaneidade.
Territórios, mercados e casas: conexões a partir do futebol
Autoria: Bruno Guilhermano Fernandes
Autoria: O trabalho a ser apresentado é decorrente de uma pesquisa de mestrado, ainda em andamento, que tem como foco o estudo de práticas econômicas e a mutabilidade de casas, em um território situado. Trata-se de uma investigação etnográfica que valoriza fluxos ordinários e extraordinários em um contexto urbano, caracterizado pela presença de um estádio de futebol, projetado como uma arena multiuso. Empiricamente, almejo analisar dinâmicas e aspectos que singularizam o bairro Farrapos, onde se localiza a chamada Arena Porto-Alegrense (estádio do Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense), na zona norte de Porto Alegre/RS. Para fins analíticos, considero efeitos do processo de arenização do futebol profissional, não somente como uma mudança radical nas práticas clubísticas e nas formas de gestão esportiva e de fidelização de torcedores. Busco destacar as conexões territoriais, mobilidades e possibilidades de integração do estádio com seus arredores - suas conexões com o tecido urbano -, sugerindo que apropriações são feitas pelos torcedores e pelas populações que residem, ou frequentam, determinada localidade. No caso da Arena do Grêmio e em seus espaços adjacentes, localiza-se uma rede de casas com comércios e estabelecimentos variados, os quais compõem mercados locais. Essas casas, além de serem espacialmente definidas, nutrem ligações com as temporalidades do estádio e dos eventos. Um ponto de partida, à investigação, é de que a capacidade do grande empreendimento de gerar mudanças à população vinculada e aos usuários do estádio se torna um caminho possível para se estudar as práticas econômicas de casas, dinâmicas familiares e transformações residenciais. Diante do cenário pandêmico, ainda em curso, a suspensão da presença de público no estádio afetou de formas diferentes os comércios investigados (sobretudo de março de 2020 até dezembro de 2021). É possível apontar que o momento de crise sanitária restringiu e alterou atividades econômicas familiares atreladas aos eventos - fomentando incertezas e modificando projeções. Assim, identificando desdobramentos de um estádio de futebol para um contexto urbano, primordialmente, o trabalho elucidará conexões entre casas e práticas econômicas familiares em um bairro periférico, em constante modificação e marcado por grandes empreendimentos (públicos e privados). Palavras-chave: Práticas econômicas; Casas; Arena do Grêmio; Bairro Farrapos; Futebol.
TRABALHADORAS AMBULANTES E PANDEMIA: Uma atividade econômica atravessada por níveis diversos de vulnerabiidade.
Autoria: Vanusia M. S. Drumond
Autoria: O trabalho a ser apresentado busca compreender, através de método etnográfico, como a pandemia do COVID-19, expôs os níveis de vulnerabilidade vivenciados pelas trabalhadoras ambulantes da cidade de Niterói- RJ. Pretendo com isso, contribuir para o debate acerca do comércio ambulante , onde me proponho a discorrer sobre algumas questões relacionadas às vulnerabilidades vivenciadas por trabalhadoras ambulantes dessa cidade. Proponho ainda reflexões sobre os processos institucionais e sociais de estigmatização (GOFFMAN, 1998) que recaem sobre a atividade laboral dos vendedores ambulantes, bem como, os conflitos decorrentes dessa prática na cidade, que versam desde o direito à cidade à direito ao trabalho e condições dignas de sobrevivência. Nesse panorama pretendo abordar o impacto causado especificamente nas trabalhadoras ambulantes, que além de enfrentarem questões conflituosas diárias inerentes á desigualdade de gênero, se veem diante de um novo desafio, advindo das dificuldades ocasionadas pela pandemia do COVID-19, acentuando os conflitos no ambito laboral e dificultando sua busca pela subsistência e condições dignas de trabalho. Outra questão importante de se considerar, é como a economia do cuidado pode impactar na vida dessas trabalhadoras, associada à divisão social e sexual do trabalho, onde, mulheres sem rede de apoio durante a pandemia tiveram que lidar com o cuidado com os filhos e ente queridos com algum nível de vulnerabilidade. Escolas e creches fechadas significaram em alguma medida um fator de desgaste para essas trabalhadoras, onde muitas não puderam contar com ajuda companheiros, seja financeira ou no ambito doméstico. Palavras chave : Trabalhadoras ambulantes; conflito; pandemia; economia informal.
Linguagem e "espírito" do capitalismo. Uma etnografia sobre as narrativas de transformação do capitalismo a partir de um evento sobre empreendedorismo e inovação
Autoria: Nicolás de Arriba
Autoria: Esta etnografia entrelaça conteúdo, performance e linguagem do "espírito" do capitalismo a partir de duas edições do Hacktown, festival de inovação, empreendedorismo e criatividade que se realiza em Santa Rita de Sapucaí, cidade localizada ao sul de Minas Gerais. Com a intenção de debater questões relativas ao "espírito" do capitalismo manifestadas no evento, empreendi um registro etnográfico imagético e textual que envolve a experiência com o festival e entrevistas com organizadores, público e santa-ritenses de modo geral. O trabalho foi realizado visando a conclusão do curso de Ciências Sociais pela UFRGS e o desenvolvimento do projeto de mestrado. Seu enfoque se direciona especialmente para a linguagem enquanto fenômeno, e a análise é colocada em diálogo com estudos de Luc Boltanski e Ève Chiapello sobre "o novo espírito do capitalismo", provocações de Nicole Aschoff acerca dos "novos profetas" do capital e a categoria de economias espirituais, de Daromir Rudnyckyj. Mesmo priorizando métodos e técnicas qualitativas, incluindo diário de campo, observação participante e conversas informais, empreguei outras competências apreendidas em minha formação acadêmica e profissional, inclusive recursos quantitativos e softwares, para desenvolver o argumento de que, tratando-se de narrativas de transformações de negócios, pessoas e instituições públicas e privadas presentes no festival, introduzir a linguagem como um elemento que constitui o processo de disseminação do "espírito" do capitalismo se faz necessário, pois é parte do que caracteriza o festival, e não apenas um meio de diálogo.
Terceirização nos Sistemas Plataformizados do trabalho em Campo Grande - MS
Autoria: Ranielly Silva Leite, Amanda Yumi Miyazato, Ricardo Luiz Cruz
Autoria: A Plataformização do Trabalho materializa a racionalidade neoliberal do on-demand e as alterações da morfologia do trabalho. A plataformização, isto é, o trabalho mediado pela tecnologia, o qual tem a Uber e o Ifood como formas paradigmáticas, caminham junto com as transformações nas relações de trabalho, apresentando um contexto autônomo via trabalhador em contraponto ao controle e gerenciamento da empresa-aplicativo mediadora. Uma dimensão importante dentro desse contexto, é destacar conceitos como a precarização, flexibilidade e vulnerabilidade que constituem esses desdobramentos de modo a questionar em que medida são entendidos e/ou negados nesse meio. O presente artigo tem por objetivo trazer reflexões sobre a terceirização do trabalho plataformizado, no contexto das empresas-aplicativos simultâneamente à agudização das mudanças tecnológicas no capitalismo contemporâneo, partindo de análises acerca de entrevistas realizadas com motoristas e entregadores de aplicativos em Campo Grande-MS.
Territorialidades das Feiras Populares Norte Mineiras
Autoria: Letícia Aparecida Rocha, Luzinete Aparecida Alves Rocha, Alenice Moreira da Silva
Autoria: A história nos expõe, a possibilidade dos primórdios do comércio a partir de processos de trocas na antiguidade, quando coletividades trocavam suas produções por outras. E sendo a troca, ideologia basilar do comércio, essa foi aprimorada pelo sistema capitalista de modo a garantir o objetivo principal deste sistema, o lucro. Contudo, as relações de troca ultrapassam a dimensão do capital, e outras motivações podem ser observadas. Nesta perspectiva, algumas inferências antropológicas, abstraídas de observações participantes no cotidiano das feiras populares no sertão Norte Mineiro em diálogo com o referencial teórico no texto apresentado, entrevistas semiestruturadas realizadas junto a alguns protagonistas da ação semanal de feiras populares podem subsidiar uma análise qualitativa de discussões, que possibilitam o evidenciamento de singularidades das territorialidades das feiras populares no Norte do Estado de Minas Gerais. Em plena modernidade coexistem, se relacionam com as instituições capitalistas modernas, assumindo um processo híbrido, ambíguo e em constante transformação, são identidades, territorialidades ressignificadas em meio a sociedade envolvente. As feiras livres ou populares, como espaço de compras, vendas e trocas de mercadorias diversas, reúnem tradicionalmente, diversidades de classes, identidades tradicionais e suas resiliências, bem como ruralidades em meio aos espaços globalizados. Elas constituem espaços de diversas teias de relações que vão desde a dimensão comercial à cultura. Nas territorialidades dos feirantes nos espaços populares das feiras encontramos a resiliência reconstrutiva e ressignificativa de culturas populares. Estas relações, nos interstícios econômicos da sociedade envolvente, possibilitam observamos a luta cotidiana por sobrevivência permeadas por relações sociais de reciprocidade, cabendo à dádiva um papel importante na formação de confiança entre os feirantes e consumidores. Os resultados desta inferência antropológica refletem sobre como no cotidiano, os feirantes no Norte de Minas buscam, através das feiras populares, formas de geração de renda coletivas ou individuais para sobreviverem e se reproduzirem socialmente, preservando características camponesas, como a produção de subsistência, e neste caminho de busca por sobrevivência, desempenham um metamorfosear-se para se adequarem às regras do mercado, e consequentemente fazer a manutenção de seus modos de vidas, ressignificando os espaços urbanos do Sertão Norte Mineiro. Palavras-chave: Feirantes; Tradicionalidade; Reciprocidade; Norte de Minas
Bolsa família e auxílio brasil, usos do dinheiro no contexto da casa, expectativas e incertezas.
Autoria: Thais Lopes Silva
Autoria: O bolsa família por 18 anos foi o principal projeto de redistribuição de renda do país, com seu último pagamento realizado no dia 29 de outubro de 2021, o programa contemplou cerca de 14,6 milhões de família ao longo do tempo. O bolsa família, através da medida provisória (MPV 1061/2021) que tinha como objetivo ampliar o valor pago, foi então substituído pelo programa auxílio brasil, que segundo a definição encontrada na página oficial do Ministério da Cidadania é como um braço social do Governo Federal, programa de transferência direta e indireta de renda destinado a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza (Mistério da Cidadania, 2021), a medida provisória garante aos beneficiários o recebimento mensal de um valor mínimo de 400 reais até dezembro de 2022. Por se tratar de um projeto que até então possui um "prazo de validade" muitas questões foram levantadas pelos beneficiários, como vai ficar em 2023, porque encerraram o bolsa família e o que fazer depois. A partir dessas questões pretendo nesse trabalho apresentar e discutir os usos do dinheiro no contexto da casa de duas famílias beneficiárias do Auxílio Brasil, como se planejam, manejam e utilizam o dinheiro. As expectativas e incertezas que possuem em relação ao futuro do programa, como a ausência dele pode impactar suas vidas e como esses sentimentos norteiam a forma como as famílias lidam com o dinheiro no cotidiano.
Casas, dinheiro e parentesco entre famílias não assalariadas
Autoria: Daniela Ramos Petti
Autoria: O presente trabalho aborda a coprodução da casa e do parentesco (Carsten, 2018) a partir da análise das relações entre as obrigações sociais e financeiras (James, 2014) entre famílias não assalariadas. As qualidades sociais do dinheiro, bem como suas temporalidades tornam-se objeto privilegiado da reflexão. Esse tema será tratado a partir do ponto de vista de Clara, minha principal interlocutora de pesquisa, com quem coabito há 8 meses com vistas à realização de trabalho de campo. Nesse texto, realizo um primeiro esforço de análise de uma pequena parte de minhas notas de campo, a fim de investigar as formas de solidariedade que constituem as casas (Douglas, 1991) não assalariadas, bem como as tensões e conflitos que atravessam a vivência do parentesco. Esses processos de produção de relacionalidades são, fortemente, marcados por fluxos monetários que revestem as casas e as pessoas de moralidades e significados sociais simbolicamente densos. Para grupos sociais não assalariados, o dinheiro se torna um elemento central que estrutura as relações, tanto na família, como na vizinhança. Assim como em outros contextos e territórios, quanto mais a falta de dinheiro se apresenta como um problema social, maior relevância ele ganha nas narrativas, práticas e modos de circulação locais (Neiburg, 2019). O dinheiro, enquanto elemento central da vida social no capitalismo, intermedia diferentes tipos de relações de proximidade em comunidades. É protagonista nas dinâmicas de parentesco, ao estar no cerne dos conflitos familiares, por um lado, e das ajudas entre parentes que coabitam ou habitam casas em configuração. Assim como costura relações, o dinheiro também as desgasta e deteriora. As relações de vicinalidade fazem circular não apenas serviços e objetos, como também quantias em dinheiro. O dinheiro é uma infraestrutura da existência coletiva (Hart, 2007. p.15) que, ao interconectar casas e pessoas, produz relações sociais marcadas por papéis de gênero e outras relações de poder estruturadas por diferenças (Zelizer, 1999). À medida em que o dinheiro circula, essas relações são atualizadas. Como as obrigações relativas ao parentesco se traduzem em obrigações financeiras? Como o dinheiro participa dos processos de produção das relacionalidades? Como o parentesco é vivido nas dinâmicas de configuração de casas (Marcelin, 1999; Motta, 2014)? O objetivo do texto é refletir sobre as relações entre casas, dinheiro e parentesco de um ponto de vista etnográfico. Além de suas temporalidades serem objeto de técnicas de gestão doméstica, o dinheiro aparece como mediador da coprodução da casa e do parentesco e, ao mesmo tempo, como um fator da produção das tensões, suspeições e desconfianças que se incorporam à experiência cotidiana doas relações de proximidade.
Dinâmicas econômicas no âmbito da casa : uma análise das estratégias de vida de uma família na Maré
Autoria: Brauner Geraldo Cruz Junior
Autoria: O presente artigo tem como objetivo analisar as estratégias de vida da família de Simone, residente de uma favela do complexo da Maré, onde desenvolvo, há cerca de um ano, uma pesquisa sobre dinâmicas econômicas das famílias em meio à pandemia. Busco mobilizar as práticas circunscritas a um terreno "econômico" e que envolvem a gestão dinheiro da casa: as priorizações daquilo que deve ser pago primeiramente, a rede de ajudas formada em torno da família de Simone, as formas de ingresso de renda dos diferentes membros da casa e as estratégias utilizadas para gerir as dívidas e cobrar credores. Essa abordagem se insere nos estudos sobre a importância da casa para analisar a reprodução social das famílias. Como ressalta Motta (2020), "casas são espaços de cuidado, construções materiais, mercadorias, espaços de negócios, lugares imaginados, espaços de construção de familiaridades. Não apenas podem ser, como frequentemente são isso tudo, ao mesmo tempo." (p. 778). Assim, convém explorar uma antropologia da casa como forma de entender as dinâmicas econômicas familiares de Simone. Valho-me também dos estudos de Machado da Silva (2018) sobre as estratégias de vida traçadas por indivíduos e suas escolhas de formas de trabalho e organização do tempo e espaço individual e familiar. Numa perspectiva sobre a rede de ajudas formada em torno de Simone, é útil a ideia de Marcelin (1991) sobre "configuração de casas", também mobilizada por Motta (2014). Já L"Estoile (2020) nos permite compreender o papel desempenhado por relações de amizade na sua fronteira com as relações econômicas. E Fernandes (2018) elucida pontos importantes sobre o endividamento, um tema bastante recorrente no cotidiano de Simone. Assim, ao trazer os relatos de campo que estou colhendo junto de Simone - até aqui foram cinco entrevistas via WhatsApp e uma visita presencial na Maré - busco articular os achados e observações junto à literatura relacionada, para identificar pertinências e novos pontos de encontro. É, portanto, um trabalho ainda em construção, mas que está intimamente ligado ao propósito deste GT de explorar a multiplicidade de sentidos da economia, em especial, aqui, a sua vinculação às práticas familiares e o âmbito da casa como lócus privilegiado de análise.
Reflexões sobre as condições e motivações que levam mulheres ao empreendedorismo
Autoria: Ana Carolina Machado Fernandes
Autoria: Virginia Woolf (2014) em "Um teto todo seu" faz um questionamento sobre porque as mulheres não escreviam ficção tanto quanto os homens. E destacava se haveria entraves encontrados por elas que teriam tornado esse ofício tão difícil. Ela se faz uma pergunta constante: "Qual é o estado de espírito mais propício para o trabalho criativo?". Teriam as mulheres condições para criar? E quais condições seriam essas? Esse trabalho tem como objetivo refletir sobre a experiência de algumas mulheres com o "empreendedorismo". Digo algumas levando em consideração que as experiências são múltiplas e distintas, mas que também apresentam similaridades e padrões em alguns tópicos. Ser uma empreendedora no âmbito dessa pesquisa envolve liderar um negócio próprio. A partir de entrevistas em profundidade com mulheres que tinham negócios próprios busquei compreender algumas questões: Quais são os desafios que elas encontram? Quais são as suas motivações? Quais entraves atravessam suas trajetórias? E como elas constroem suas próprias noções sobre empreender? Lima (2008) em "Sujeitos e objetos do sucesso: antropologia do Brasil emergente", diz que só os homens eram vistos na mídia como batalhadores, mas essas empreendedoras muitas vezes se auto nomeiam dessa forma. Mas como Denise disse durante a nossa conversa, muitas vezes são batalhas diferentes, que partem de realidades e contextos muito distintos. O número de mulheres empreendedoras no Brasil é alto, mas não necessariamente porque elas optam por esse caminho como uma escolha pessoal livre de pressões. Muitas empreendem por não terem muitas oportunidades em empregos formais e com carteira assinada. Outras porque precisam estar com os filhos, não podem se ausentar da criação deles, pois não tem como custear que sejam cuidados por outras pessoas. Nem sempre é uma escolha por ideal de vida, mas sim por necessidade e falta de outras oportunidades. Mas mesmo as que têm mais condições de escolha encaram muitos dilemas na caminhada "empreendedora".