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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT21: Antropologia(s) Contemporânea(s) e Sofrimento Psíquico

Anaxsuell Fernando, Esmael Alves de Oliveira

Nossa proposta de Grupo de Trabalho parte do pressuposto de que a Antropologia, de longa data, tem contribuído significativamente para a compreensão dos fenômenos associados aos processos de saúde e adoecimento. Apesar da diversidade de perspectivas no interior da disciplina, é possível vislumbrar certo consenso no entendimento de que mudanças ocorridas nas últimas décadas ocasionadas sobretudo por questões de ordem social, política, econômica e tecnológica, e mais recentemente acentuadas pelo complexo cenário político-pandêmico, têm impactado diferentes âmbitos da vida social, de modo geral, e subjetiva, de modo particular. Nesse escopo, desejamos constituir um espaço de diálogo vinculadas/os/es a diferentes áreas disciplinares interessadas/os na compreensão e desnaturalização dos mecanismos de opressão contemporâneos produtores de sofrimento psíquico, cujas causas e efeitos estão longe se esgotarem em um debate biologizante e/ou medicalizante. A premissa aqui adotada é de que a saúde mental é um campo pluridisciplinar e de caráter psicossocial, e, portanto, não circunscrita apenas aos campos psis (psicologia, psiquiatria e/ou psicanálise) e/ou biomédico. Deste modo, serão bem-vindas investigações etnográficas e reflexões teórico-analíticas que estejam interessadas no diálogo entre as Antropologias contemporâneas e o campo psi, comprometidas com uma concepção de saúde mental e sofrimento psíquico como um fenômeno complexo, multifatorial e histórica e culturalmente situados.

Palavras chave: Antropologia da Saúde; Etnografia; Sofrimento
Resumos submetidos
ESCUTANDO OS MORTOS COM OS OLHOS: interfaces entre saúde indígena, colonização religiosa e produção de sofrimento mental entre povos originários da ilha do Amapa"ú
Autoria: Ramiro Esdras Carneiro Batista, Daniel da Silva Miranda, Peti Mama Gomes
Autoria: Desde meados do século XX que uma modalidade de sofrimento psíquico vem sendo identificada entre diferentes comunidades pertencentes aos povos Karipuna e Galibi-Marworno, territorializados na fronteira franco-brasileira do Baixo rio Oiapoque, em município homônimo (Amapá/Brasil). Como atestam estudos acadêmicos realizados junto a Secretaria de Saúde Indígena do Amapá (SESAI/AP), a terapêutica ocidentalizada que trata da saúde mental de pessoas indígenas pelo viés medicalizante tem sido pouco produtiva. (Rosalen, 2017) É assim que partindo de uma etnografia de papéis intentamos estabelecer um diálogo que nos permita contemplar outras explicações e possibilidades para o entendimento desta identificada modalidade de sofrimento psíquico entre pessoas indígenas no Oiapoque. Para tanto, lançamos mão do diário pessoal de um falecido agente de saúde Marworno, que nos legou uma memória da "entrada dos brancos" no território indígena, bem como dos impactos inaugurados pelo indigenismo militarizado do estado brasileiro a exemplo da modalidade de sofrimento psíquico que passou a vitimizar especialmente as jovens-mulheres a partir do que foi descrito como uma nova "doença" de fundo "nervoso", fenômeno também nominado como "crise" ou "acesso", dependendo da comunidade consultada. Os manuscritos em diálogo com os relatos sobre a suposta anomalia apontam para as interfaces entre saúde, práticas culturais e colonização religiosa, uma vez que a conversão religiosa dos indígenas engendra explicações para o estado das pessoas mentalmente adoecidas. Uma leitura fanoniana nos sugere que o distúrbio psicossomático pode ser entendido como uma adaptação fisiológica do sujeito colonizado a uma situação histórica particular e, nesse caso, a hipótese de que se trata de uma "doença de brancos" ganha forma, a partir de interpretações que se pretendem autóctones. É sabido que a colonização racista da subjetividade das pessoas produzem patologias, que podem ser tomadas como loucura ou insanidade, de uma perspectiva ocidental. Nesse sentido, faz-se necessário dialogar sobre as múltiplas causas para as "crises" ou "acessos" que afligem comunidades inteiras, uma vez que urge encontrar soluções no âmbito de políticas públicas de saúde que ultrapassem as simples ilações sobre possíveis agressões xamãnicas, ou a conhecida medicalização. Entre "doença de branco" e "doença de índio" o paradoxo da colonização epistêmica e religiosa seguem com as possibilidades de análise em aberto, para que finalmente se possa propor itinerários terapêuticos interculturais que viabilizem a vida das pessoas atingidas pela ausência de saúde física e mental.
Tornar-se negro/a: recentes acionamentos da obra de Neusa Santos Souza (1983) e sua pertinência para se pensar o racismo e seus efeitos psicossociais no presente
Autoria: Luiza Freire Nasciutti
Autoria: Este trabalho parte da pesquisa de doutorado que analisa os atuais acionamentos da obra da psicanalista negra Neusa Santos Souza (1948-2008), Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social (1983), em relação à sua atualidade e relevância para os campos acadêmico e político no presente. Tornar-se negro tematiza o racismo brasileiro a partir do ponto de vista da vida psíquica de pessoas negras em processo de ascensão social, assinala os efeitos emocionais da violência racial, que institui a introjeção do ideal de brancura, produzindo o desamparo e o sofrimento psíquico (SOUZA, 1983). A pesquisa reflete sobre como a mais conhecida obra de Neusa Souza vem sendo revisitada e incorporada no presente e de que forma seus usos e atualizações informam sobre as relações raciais no Brasil no contexto atual e sobre os debates fomentados em torno da relação entre raça e subjetividade e das dimensões psicossociais implícitas na reprodução do racismo. O racismo, entendido não apenas como fenômeno social, mas como um processo relativo também ao inconsciente e a impasses do desejo humano (MBEMBE, 2018), como um processo defensivo narcísico do Ego (KILOMBA, 2019), ou como a sintomática que caracteriza a nossa neurose brasileira (GONZALEZ, 1984), produz efeitos sociais devastadores, como a necropolítica (MBEMBE, 2018), mas também mais sutis e menos perceptíveis, como o adoecimento emocional. Busco, assim, introduzir perspectivas psicanalíticas recentes (BRAGA, 2015; SOUZA, 2020; DIAS E SILVA, 2018; GUERRA, 2020; BRAGA & ROSA, 2018), que compreendem que as esferas do singular/indivíduo e coletivo/social não traduzem universos impermeáveis, mas contaminados, e que, em respeito à clínica psicanalítica, interpretam a possibilidade de dimensionar o singular sem que se abandone uma escuta ao social. Ainda que uma discussão que provém do campo da psicanálise, podemos extrair dela significativas contribuições para a Antropologia, na medida em que este campo, ao pensar a raça, muitas vezes alocou as questões da subjetividade, singularidade e sofrimento psíquico a posições pouco relevantes para a análise das relações raciais e dos efeitos do racismo. O olhar contemporâneo para o livro Tornar-se negro (1983) nos permite reconhecer que as saídas para o problema social do racismo podem partir das esferas política e social, mas que há inúmeros movimentos, menos visíveis, operados no plano da subjetividade. Estas releituras possibilitam compreender que as respostas a um sofrimento que é coletivo e de origem social serão também respostas singulares, discutindo os limites (e as potencialidades) de se pensar em uma “psicopatologia do negro brasileiro em ascensão social” na forma como aparece formulada em Tornar-se negro (1983).
Do adoecimento psíquico à cadeira da recuperação: uma etnografia dos grupos familiares Al-anon em tempos de pandemia e retomada.
Autoria: Victoria Puntriano Zuniga de Melo
Autoria: O alcoolismo apesar de ser considerada uma doença de cunho orgânico e mental os indivíduos afetados ainda precisam lidar com o estigma social que que repercute na família. Os grupos familiares Al-anon enquanto associação de parentes e amigos de alcoólicos segue os mesmos princípios dos Alcoólicos Anônimos (12 passos, tradições e lemas) considerando o alcoolismo como "doença da família" se mostrando como alternativa terapêutica para trabalhar a recuperação dos seus membros independente da trajetória do/a alcoólico/a estando sóbrio ou na ativa, partindo do reconhecimento que está doente em sofrimento psíquico e as vezes sofrendo abusos. A pandemia provocada pela disseminação do SARS- Cov2, ou novo coronavírus responsável pela doença Covid-19 foi decretada pela Organização Mundial de Saúde em março de 2020. As medidas adotadas para conter a propagação do vírus como: distanciamento e isolamento social , uso de máscaras e de álcool gel para higienização de mãos e superfícies se torno a nova realidade que provoca uma reorganização nas diversas esferas da vida ocasionando sofrimento psíquico na sociedade e ainda mais naqueles sujeitos que já tinham alguma doença, transtorno ou contexto sociocultural desfavorável a saúde mental. O Al-anon enquanto grupo organizado em nível mundial recomendou que procurassem outras formas de continuar com as reuniões do grupo como as plataformas virtuais. O grupo Al-anon de pesquisado está localizado em uma cidade da região nordeste do Brasil e precisou se reinventar diante dos desafios impostos pela pandemia utilizando inicialmente o Whatsapp e posteriormente o google meet. Diante do exposto o objetivo deste artigo é compreender como os membros dos grupos familiares Al-anon realizam a sua recuperação em formato virtual e presencial e os impactos que tiveram na pandemia.prosseguir com a sua recuperação.....Quanto a metodologia foi realizada observação participante nas reuniões do grupo e de área (nível estadual), grupo focal em plataformas virtuais durante o período de pandemia de oito meses, bem como a análise da literatura produzida exclusivamente pelo Al-anon (boletins, folhetos e livros) com perspectiva de análise etnográfica. Após o retorno das reuniões presenciais continuou a pesquisa por três meses. Os resultados apontam para o anonimato como principio que possibilita o compartilhar de suas experiências que funcionam como terapia que possibilita a recuperação a partir da (re)construção da identidade do membro do grupo, do autocuidado em uma reconfiguração do individualismo contemporâneo. A adoção da plataforma virtual requereu uma adaptação dos rituais e princípios como o do anonimato utilizados no processo de recuperação e a estranheza do retorno presencial à sala e seus espaços como a cadeira da recuperação.
Saúde Mental e Militância: Os mortos e os alimentos como linguagens de saúde mental no Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) no estado do Ceara
Autoria: Rafael de Mesquita Oliveira Ferreira Freitas
Autoria: Pretendo trazer para este GT algumas hipóteses de uma pesquisa em andamento. Neste trabalho trato da saúde mental de militantes engajados no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Partindo de uma pesquisa realizada junto a militantes deste movimento no estado do Ceará, busco investigar quais são os idiomas para falar de saúde mental e de cuidado dentro deste grupo. Considero a pergunta de pesquisa relevante devido a se tratar de pessoas que vivem sob o constante diálogo com símbolos e práticas de "luta" e "sacrifício". O que mantém estas pessoas dentro deste movimento social? O que as afasta? De que formas os militantes dotam de sentido suas ações e quais os mecanismos de cuidado tecidos em suas práticas? A partir de uma pesquisa que se iniciou em setembro de 2020 busco debater algumas hipóteses para responder as perguntas apresentadas. Apresento dois eixos de aproximação ao tema. O primeiro é a constituição das figuras e memórias dos militantes que faleceram "na luta". Intento compreender qual o peso que essas mortes têm sobre os militantes que se mantém engajados, considerando que o potencial para prejudicar ou para fortalecer a integridade física e mental é objeto de intervenções diversas. O segundo eixo de análise é a investigação dos alimentos como forma de falar sobre saúde mental. Muitas das apresentações do movimento dizem respeito a importância da alimentação como uma condição de luta contra a precariedade. Proponho, portanto, verificar a possibilidade de falar dos alimentos como agentes de saúde mental também.
Sou vista, logo existo: a visibilidade enquanto condição de realização do sujeito contemporâneo
Autoria: Júlia Fleury Ferreira
Autoria: Este trabalho trata da condição ambígua de visibilidade e invisibilidade de pessoas que faleceram e que perderam entes queridos para novo coronavírus. Assume-se a urgência contemporânea de ser visto e falar de si enquanto partes estruturantes da subjetividade. Estas se constituem circunstancias necessárias para a posse da plena condição de sujeito e, quando não atendidas, produzem sofrimento. No caso da Covid-19, percebe-se que, ao mesmo tempo que o vírus causador da doença e as suas consequências tem mobilizado notícias, conversas, pesquisas científicas e diversas nações ao redor do globo, as pessoas que ficam à beira da morte, que morrem e que perdem familiares e amigos pelo vírus não são enxergadas. Elas se transformam em estatísticas (como número de recuperados ou de mortos), ou sofrem pela própria dinâmica de isolamento do doente. Propõe-se olhar para a dimensão do sofrimento psíquico de pessoas que se sentiram invisibilizadas pelos números. A análise é focada no poder dos números e quantificações em geral de mostrar e esconder, apresentando sua forte presença produtiva da realidade pandêmica, bem como no estudo de se 3 projetos de memoriais virtuais nos quais pessoas relatam sobre seus entes queridos, perdidos em decorrência da covid-19. Nessas plataformas advoga-se por uma eternidade "em prosa", complexidade e densidade; o apagamento subjetivo das pessoas em números redondos e gráficos mostra-se motivo de indignação e sofrimento.
Reforma Psiquiátrica no Brasil: os desafios dos cuidados em saúde mental na Atenção Básica em Campinas-SP e São Paulo-SP
Autoria: Maycon Leandro da Conceição, Nathália Gonçalves Zaparolli
Autoria: Esta pesquisa tem como objetivo analisar os desafios contemporâneos da Reforma Psiquiátrica no Brasil, visando compreender os sentidos, os signos e percepções do cuidado em saúde mental por meio de diálogos entre desinstitucionalização e os múltiplos conflitos socioculturais das experiências do sofrimento psíquico. Nesta seara, a pesquisa propõe reflexões e debates das disputas da liberdade no que cerne as transformações do fechamento das "instituições totais" e a autogestão e cuidado nos serviços de base comunitária, sendo pressupostos cruciais para a garantia dos direitos fundamentais e impactando as subjetividades e coletividades. Para fazê-lo, empregou-se um estudo etnográfico, incluindo observação participação e aplicação de entrevistas semiestruturada com usuários, trabalhadores, familiares e gestores nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), nos municípios de São Paulo-SP e Campinas-SP. No Brasil, o protagonismo do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial desde os anos 1980 constituiu-se por mudanças vinculadas à luta antiproibicionista, transformações das instituições psiquiátricas, da proteção social e da assistência do campo da saúde mental, ocasionando significativos desdobramentos na vida subjetiva e práticas de poder. Descarte, os dados sistematizados a partir dos discursos e das experiências dos interlocutores, evidenciam um movimento de contrarreforma psiquiátrica, vinculadas pelas novas diretrizes das ações do Estado desde 2016, viabilizando mudanças na Política Nacional de Saúde Mental, responsável por implementação e agenciamentos no âmbito da política de saúde mental e de álcool e outras drogas. Nesse sentido, acompanhadas também do acirramento do enfrentamento à pandemia de Covid-19, do sucateamento e desmonte do Sistema Único de Saúde e, especialmente, os investimentos e da expansão dos dispositivos de lógica manicomial, mediante do retorno das instituições de privação de liberdade, com reabertura de leitos em hospitais psiquiátricos, avanços das Comunidades Terapêuticas, extinção de programas de desinstitucionalização e sob interesses hegemônicos do neoliberalismo. Para tanto, serão trazidos primeiramente os dados de uma etnografia multilocal em interface com as necessidades cotidianas reais dos sujeitos e dos serviços, as singularidades do sofrimento, os mecanismos de resistências, articulações da ressignificação à loucura contemporâneas e da construção de possibilidades dos conflitos do direito à cidade, vigilância e controle. Posteriormente, apresentaremos as continuidades, rupturas e desafios das políticas públicas de saúde mental. Nesta parte, serão ponderados os documentos oficiais a partir de um olhar interdisciplinar do campo psicossocial.
A racionalidade neoliberal como gestora e geradora do sofrimento psíquico universitário: uma análise interseccional do sofrimento psíquico na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP)
Autoria: Felipe Paes Piva
Autoria: Esta proposta trata do sofrimento psíquico no meio universitário. Com pesquisa empírica junto aos alunos de graduação e pós-graduação da FFLCH-USP, a pesquisa visa entender: por um lado, em que medida há uma interação específica entre saúde mental e a experiência de discriminação associada aos marcadores sociais da diferença (raça, classe, gênero, sexualidade, dentro outros). Deseja-se apreender o caráter relacional desses sofrimentos que ocorrem no ambiente universitário e as formas complexas como os marcadores sociais se entrelaçam nessas narrativas; por outro, as consequências das mudanças estruturais da USP e do ensino superior brasileiro e global nas últimas décadas diante do neoliberalismo, pelas transformações do trabalho acadêmico, as consequências da "cultura da avaliação" (Strathern, 1999), do "produtivismo acadêmico" (Sguissardi, 2010), nos controles feitos por agências de fomento, dentre outros. Como a neoliberalização da academia gerou sujeitos que precisam se automonitorar, ser flexíveis, criativos e internalizar novas formas de auditoria e cálculo (Gill, 2009). Procurando os elos entre as mudanças políticas, econômicas e estruturais locais e globais advindas do neoliberalismo no meio acadêmico e como tudo isso se faz presente na vivência e na saúde mental de discentes da FFLCH. Em 2017, a Faculdade de Medicina da USP registrou ao menos seis tentativas de suicídio. Naquele mesmo ano foram registrados dois suicídios consumados em outras unidades da universidade, um deles foi de um aluno de doutorado se suicidou no laboratório no qual trabalhava, deixando, numa lousa que havia no local, uma mensagem em que relatava estar cansado de tentar, de ter esperança, de viver. A mensagem terminava com a expressão em inglês "I'm just done". Entre os meses de maio e junho de 2018, mais quatro casos de suicídio de alunos foram registrados. No primeiro semestre de 2021, cinco estudantes de graduação da FFLCH tiraram suas próprias vidas. Um deles foi o caso emblemático de Ricardo, um aluno negro da Geografia que se jogou do alto da moradia estudantil, onde era morador. Parte-se do entendimento de que o sofrimento não se estabelece de forma homogênea entre os alunos. As junções de determinados marcadores apontam uma maior suscetibilidade de sofrimento psíquico derivado de condições precárias (Butler, 2015) de determinados grupos sociais em contraposição a outros no contexto universitário e da precariedade nas estruturas de inclusão e permanência. Por mais que todo aluno possa estar condicionado a sofrer em decorrência das relações dentro e fora da universidade, tal sofrimento não é vivido ou reconhecido da mesma maneira. O neoliberalismo nos leva a sofrer de uma forma que retira dele a consciência potencial da violência a qual estamos submetidos.
"O certo era o psiquiatra ouvir mais os seus pacientes": Reflexões entre a Antropologia e Saúde Mental
Autoria: Milenna Jordana de Sousa Andrade, Gilliard de Oliveira Justino
Autoria: As noções do que vem sendo considerado de "saúde" e "doença" nas práticas sociais, estão inseridas em uma dimensão social e histórica, através de um modelo biomédico que foi atribuindo noções de "normalidade" e "patologias" no que se refere aos comportamentos sociais, a partir de representações produzidas e reproduzidas ao longo da história, seguindo os mesmos sistemas de valores e significados da sociedade de uma determinada época. Entendemos que, conforme as mudanças dessa relação ter aberto as portas para outros diálogos, estamos diante de duas realidades distintas, uma que lida com a objetividade empírica de pesquisas realizadas "em" seres humanos (com saber biomédico), por outro lado, a dimensão simbólica de pesquisas realizadas "com" os sujeitos num campo de negociação e a construção do saber (com o viés antropológico) (ANDRADE, 2020). No que se refere aos desafios nos estudos que envolvem os contextos das vidas de sujeitos que constroem as suas experiências nesse campo de pesquisa, em particular, na saúde mental, se apresenta para as ciências sociais e, em particular, para a antropologia, um campo de estudos e reflexões que nos apresentam possibilidades no contexto em que essa expansão, proporciona novos diálogos entre os saberes sobre o campo da Saúde nas interfaces das Ciências Humanas e Sociais. Autores como, Maluf (2010), Sarti (2010), Velho (2003), ressaltam a importância da interdiciplinaridade nas interfaces entre a antropologia e a psiquiatria, assim como, os próprios desafios encontrados durante a realização do trabalho do antropólogo nesse cenário de pesquisa. As reflexões que compõem este trabalho, retoma esse debate sobre os apontamentos históricos em relação às experiências sociais que, receberam respostas de tratamento por uma ciência que delineia o adoecimento do indivíduo, como também nos direciona ao contexto atual e emergente, a partir das mudanças sociais ocorridas no sistema terapêutico na contemporaneidade, e de como foram-se legitimando novas práticas de atenção e cuidado para com os sujeitos e as suas singularizações de adoecimento. A partir dessas considerações, poderemos construir um espaço de debate, partindo sobre as investigações etnográficas que nortearam esta pesquisa, ressaltando a importância do papel do trabalho do antropólogo que, está inserido no contexto de um espaço institucional do campo de pesquisa da saúde, nos possibilitando pensar sobre a relação dos diversos olhares presentes sobre o mesmo fenômeno social, como também, nos perguntarmos, qual é o nosso lugar, em particular, da saúde mental e das ciências sociais nesse debate.
Trajetória, risco e resiliência: situando o sofrimento na experiência acadêmica entre estudantes de graduação
Autoria: Igor Holanda Vaz Arcoverde
Autoria: A partir dos dados etnográficos coletados entre 2019-2020 com estudantes de graduação em uma universidade federal brasileira (Holanda, 2021), pretendo analisar como a experiência do sofrimento psíquico e adoecimento mental são marcadas por trajetórias onde o risco e a resiliência se tornam aspectos fundamentais da vida acadêmica, essa que se percebe constantemente atravessada pelas interseccionalidade entre classe, raça, gênero e geração (Crenshaw, 1989). Busco nesse artigo reconhecer a experiência acadêmica a partir dos conceitos de saúde e doença mental como uma forma de produção do conhecimento científico em contextos sócio-históricos situados (Haraway, 1988; Toren, 2014), enfatizando o conhecimento subjetivo sobre o corpo, mente e Pessoa como determinantes muitas vezes negligenciados pelo modelo biomédico hegemônico vigente, esse que de tradição positivista se sobrepõe à uma compreensão (e resolução) holística dos fenômenos psíquicos. Essa discussão contribui para pensar os dualismos dicotômicos presentes no cerne das discussões de teoria antropológica e metodológica, especificamente a divisão entre individualismo e holismo (Duarte, 1986; Dumont, 1997), onde compreendemos o surgimento dos conhecimentos psi como entrelaçado ao modelo biomédico, e ao advento do individualismo contemporâneo nas sociedades ocidentais. A trajetória na graduação apresenta um horizonte distante, difícil e custoso para grande parte dos indivíduos que buscam a carreira acadêmica. Tendo realizado trabalho de campo com estudantes em um curso de ciências humanas recém saídos do colegial, esses temas eram constantes nas queixas e dificuldades que eles percebiam em sua área profissional, com poucas oportunidades a longo prazo e menos ainda no curto prazo, diante de uma competitividade acirrada entre colegas de classes abastadas, sem falar nas frustrações e angústias que derivam da ideologia do mérito implementada na vida acadêmica, frustando até mesmo estudantes abastados, que ao longo da pesquisa se consideravam menos merecedores que suas contra-partes das classes populares. Nesse sentido, busco problematizar a saúde mental a partir dos temas da branquitude, diversidade de gênero e a transição da juventude para a vida adulta, reconhecendo os fatores que atravessaram a categoria de classe nas narrativas biográficas coletadas no trabalho de campo, demonstrando a multiplicidade de contextos que promovem o sofrimento acadêmico, e em última instância, o adoecimento mental clínico, onde pretendo analisar outra matriz de problemas de caráter biomédico, notadamente o acesso ao tratamento psicológico e a variedade de usos que os psicofármacos possuem na vida desses interlocutores (Geest et al., 1996; Davies, 2013).