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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT48: Infraestruturas na antropologia: perspectivas teóricas, etnográficas e políticas

Alex Giuliano Vailati, Maria Raquel Passos Lima

Desde que a noção de infraestrutura adentrou a discussão antropológica, passando a ser progressivamente submetida à perspectiva etnográfica, muitos debates se abriram num processo continuamente renovado. Geralmente pensadas como interligadas ao mundo urbano, as infraestruturas mediam fluxos e escalas translocais e transnacionais colocando pessoas, objetos e práticas em espaços de contato sob os quais sistemas políticos, econômicos e sociais operam. Há uma multiplicidade de agentes que produzem infraestruturas e mostram o caráter cotidiano de suas relações com o Estado, agentes corporativos privados, comunidades e outros grupos. Além disso, infraestruturas podem ser consideradas artefatos com formas específicas, que a análise antropológica pode explorar não só como representações do mundo, mas também como uma costura material na qual a dimensão estética está intimamente ligada à política. A discussão antropológica sobre infraestruturas traz o debate para a chave teórico-metodológica, ressaltando como sua definição depende de escolhas, de um foco e de recortes, configurando um processo reflexivo que pressupõe uma análise cultural, perspectivas econômicas, compromissos epistemológicos e políticos. O objetivo deste GT é mapear este campo em expansão, destacando e refletindo sobre etnografias e contribuições teóricas que, a partir de epistemologias e posicionamentos que remetem ao sul global, dialoguem com a mais ampla literatura antropológica produzida sobre infraestruturas.

Palavras chave: Infraestrutura; teoria; etnografia.
Resumos submetidos
Do cano de fuzil ao cano d'água: uma análise generificada da violência infraestrutural na Palestina
Autoria: Giovanna Lucio Monteiro
Autoria: Pensar a Palestina, tradicionalmente, significa pensar em guerra e terrorismo. De forma interdisciplinar, a questão Palestina tem sido analisada a partir de suas irrupções de violência e da forma como estas produzem a guerra. Ainda, são pautados os efeitos disso na política e na sociabilidade israelense e palestina ao longo de quase oito décadas, tendo como temas centrais a militarização e o fluxo de refugiados produzidos. Já pensar mulheres na Palestina se traduz usualmente em pensar resistências e os atravessamentos que o conflito produz. Os principais trabalhos de campo são centrados na análise da vida de mulheres refugiadas, na forma como o medo afeta a vida cotidiana e nas resistências, armadas ou não, destas mulheres. Na literatura de guerra há uma lacuna em pensar a forma como esta se traduz no cotidiano e na construção de políticas públicas e das cidades palestinas. Sendo um conflito de décadas se entremeou na vida e se confundiu com a própria constituição do Estado palestino, que teve a sua infraestrutura construida em uma imbricação da colonização de Israel e auxílios de instituições internacionais, como o Banco Mundial. Nesse sentido, a guerra na Palestina é analisada a partir da sua forma enquanto estado de excessão, não de seu cotidiano. Os outros trabalhos que tratam sobre mulheres, gênero e a questão Palestina fazem uma importante análise dos impactos do conflito sobre a vida das mulheres, mas possuem pouco diálogo com os estudos citados anteriormente. Considerando essa lacuna de pesquisa proponho analisar a violência infraestrutural em uma perspectiva generificada, observando o conflito a partir da sua tradução nas infraestruturas de guerra que afetam diretamente a vida de mulheres. Partindo de uma análise sobre a vida cotidiana de três mulheres em Ramallah, Palestina, e produzindo um diálogo entre o debate sobre infraestrutura (Anand, 2017; Larkin, 2020; Von Schnitzler, 2016; Pierobon, 2021) e violência (Das, 2007; 2004; Das & Poole, 2004; Cavalcanti, 2008) observo que o conflito diluiu a sua situação de excessão em infraestruturas, que só poderiam ser observadas como algo central na questão palestina a partir da fala de mulheres. Isso porque essa forma de violência tem a sua invisibilidade como um princípio, ela é escondida, entremeada em canos, redes de esgoto, elétrica, rodovias e postos de controle. Em sua grande maioria, essa violência faz parte do ambiente doméstico, não é espetacular, não chama atenção da mídia e é muitas vezes percebida como um problema relacionado à pobreza e não necessariamente à guerra. Nesse sentido, a partir de uma perspectiva generificada das infraestruturas é possível observar violências que são construídas para não serem vistas e para desmobilizar todo um grupo social.
Aplicativo de corrida, Instagram e WhatsApp: As infraestruturas que mobilizam antropólogo/as e motoristas
Autoria: Álvaro Prado Aguiar Tavares
Autoria: Neste trabalho pretendo oferecer reflexões a partir de algumas de minhas experiências etnográficas com motoristas de Uber que circulam pela região metropolitana de Recife, bem como com as infraestruturas que (n)os interpelam. Assim, além daquelas que mediam os movimentos desses motoristas através do espaço urbano, de modo a conduzi-los aos bairros nobres ao mesmo tempo que os mantém afastados dos mais violentos e/ou de difícil acesso, são também fundamentais aquelas infraestruturas que permitem ao antropólogo ter interlocução com um grupo de trabalhadores que tem poucos momentos a se dedicar aos interesses de um pesquisador/a. Nesse sentido, somados aos requisitos de distanciamento social impostos pela pandemia de Covid-19, infraestruturas como WhatsApp e Instagram permitem que antropólogas e antropólogos possam ter acesso às racionalidades sociais, as lógicas de movimentação e as precariedades que constituem o ir e vir desses sujeitos, mesmo que condicionadas às quedas operacionais típicas de tais infraestruturas de comunicação. De fato, a maneira como estas possibilitam a movimentação do pesquisador por uma série de ambientes (sejam eles virtuais ou não) acabam por influenciar na própria forma com a qual o motorista elabora narrativas sobre seu próprio processo de movimentação urbana e das simbologias que as dão corpo. Desse modo, demonstro, por exemplo, que a necessidade de um áudio de WhatsApp ser gravado mais de uma vez por um motorista que tinha colocado suas mãos no microfone de captção de som de seu smarthphone, acaba por levar à alterações na forma com a qual ele mesmo descreve seu cotidiano. Às vezes fornecendo informações antes omitidas, às vezes revelando perspectivas contraditórias àquelas expostas nos áudios iniciais, tais defeitos operacioinais parecem induzir a repetições que se traduzem em mudanças discursivas ou até mesmo em uma maior (ou menor) capacidade do interlocutor em descrever as minúcias de seu cotidiano. Por fim, sugiro que, a partir de uma abordagem como essa, é possível fornecer uma perspectiva sobre o fenômeno da uberização que não parta da cisão moderna entre, de um lado, o mundo da corporeidade física e de suas materialidades e, de outro, o das ideologias, dos símbolos e dos discursos. Assim, os/as motoristas de Uber são compreendidos através da forma com a qual se associam com aplicativos, asfaltos, ideologias, discursos, sinais de transito, subjetividades, regiões de dificil acesso e redes sociais. Aqui, são as infraestruturas que parecem conduzir a circulação desse conjunto híbrido de actantes.
Relações entre cotidiano e infraestruturas urbanas antes, durante e após o "apagão" no Amapá
Autoria: Newan Acacio Oliveira de Souza, Alicia N.G.de Castells
Autoria: Em novembro de 2020, o estado do Amapá passou pela maior crise de distribuição de energia elétrica de sua história. O "apagão" se desenrolou em diferentes vertentes da vida cotidiana da população. Desse momento em diante, muitas outras crises instalaram-se no estado, a de falta de água, falta de comida e de comunicação, por exemplo. Momentos sufocantes e desesperadores definem muitos dos relatos. Passados quase dois anos, vejo-me dentro desse "acontecimento" ao produzir uma etnografia sobre uma região de ressaca na cidade de Santana, no Amapá, e perceber que se instalou uma verdadeira cisão na relação (já calejada) entre sujeitos e infraestruturas ligadas a energia elétrica. Este trabalho tem como intuito pensar as dinâmicas produzidas pelo "apagão" na vida das pessoas, trazendo à tona temporalidades que auxiliem a construir um cenário antes, durante e pós apagão. Com esse objetivo apresento uma análise sobre os dados e informações produzidas sobre o "apagão" durante 2020 na rede social Twitter, a partir de minha inserção e trocas na plataforma. Além disso, as narrativas sobre o advento de infraestruturas urbanas (fornecimento de água, eletricidade e esgoto) na área de ressaca aterrada que compõem parte das minhas reflexões atuais sobre urbanização e cidade. Assim, as infraestruturas são interpretadas aqui como materializações da vida na cidade - que são geridas e constituídas a partir de aparatos do Estado ou da iniciativa privada - e que no seu processo de surgimento e interrupção provocam mudanças no cotidiano de diversas famílias, bairros e de uma cidade inteira.
Gestão de resíduos sólidos no Recife: relações entre antropoceno, políticas públicas e práticas inovadoras
Autoria: Caroline Soares de Almeida
Autoria: Tendo em vista o desafio global de se estabelecer diretrizes que possibilitem o desenvolvimento sustentável, a Organização das Nações Unidas criou, em setembro de 2015, uma agenda socioambiental que instituiu metas - Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS/ONU) - para que cada país pudesse desfrutar "de um crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável e de trabalho decente para todos". Todos os países-membros da ONU foram signatários, incluído o Brasil. Os resíduos sólidos, ou que comumente chamamos de "lixo", consistem em um problema ambiental que implica na poluição dos solos e das águas, no risco de proliferação de doenças, também no agravamento das mudanças climáticas devido às emissões de CO2 provenientes da deposição indevida nos aterros sanitários. Seguindo diretrizes nacionais alinhadas aos ODS e estabelecidas, por exemplo, no Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o estado de Pernambuco e a Prefeitura do Recife têm criado políticas públicas e convênios com o setor privado a fim de mitigar esses efeitos tão característicos do que tem sido chamado de antropoceno. Tais políticas incluem a construção de centros de reciclagem de materiais sólidos, seja através do retorno à produção industrial ou mesmo no incentivo à construção de usinas de biogás. Existem também ações comunitárias que atuam na gestão local de resíduos, autônomas e em parceria com outros órgãos, que procuram minimizar essa problemática, além de gerar renda local. Esta proposta apresenta um panorama de narrativas e concepções engendradas por diferentes atores sociais - catadores, agentes comunitários, moradores e poder público - sobre gestão de resíduos sólidos e sustentabilidade na cidade do Recife. Cabe ressaltar que a cidade é considerada área altamente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas com base nos relatórios produzidos pelo Intergovernmental Panel on Climate Change, além de estar na 378º posição no ranking do desenvolvimento sustentável, produzido pelo Instituto Cidades Sustentáveis entre 770 municípios brasileiros.
Gestão de resíduos sólidos no Recife: relações entre antropoceno, políticas públicas e práticas inovadoras
Autoria: Caroline Soares de Almeida
Autoria: Tendo em vista o desafio global de se estabelecer diretrizes que possibilitem o desenvolvimento sustentável, a Organização das Nações Unidas criou, em setembro de 2015, uma agenda socioambiental que instituiu metas - Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS/ONU) - para que cada país pudesse desfrutar "de um crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável e de trabalho decente para todos". Todos os países-membros da ONU foram signatários, incluído o Brasil. Os resíduos sólidos, ou que comumente chamamos de "lixo", consistem em um problema ambiental que implica na poluição dos solos e das águas, no risco de proliferação de doenças, também no agravamento das mudanças climáticas devido às emissões de CO2 provenientes da deposição indevida nos aterros sanitários. Seguindo diretrizes nacionais alinhadas aos ODS e estabelecidas, por exemplo, no Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o estado de Pernambuco e a Prefeitura do Recife têm criado políticas públicas e convênios com o setor privado a fim de mitigar esses efeitos tão característicos do que tem sido chamado de antropoceno. Tais políticas incluem a construção de centros de reciclagem de materiais sólidos, seja através do retorno à produção industrial ou mesmo no incentivo à construção de usinas de biogás. Existem também ações comunitárias que atuam na gestão local de resíduos, autônomas e em parceria com outros órgãos, que procuram minimizar essa problemática, além de gerar renda local. Esta proposta apresenta um panorama de narrativas e concepções engendradas por diferentes atores sociais - catadores, agentes comunitários, moradores e poder público - sobre gestão de resíduos sólidos e sustentabilidade na cidade do Recife. Cabe ressaltar que a cidade é considerada área altamente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas com base nos relatórios produzidos pelo Intergovernmental Panel on Climate Change, além de estar na 378º posição no ranking do desenvolvimento sustentável, produzido pelo Instituto Cidades Sustentáveis entre 770 municípios brasileiros.
Refletindo sobre a Rota Perimetral 102 ¿Eixo estruturante urbana do nordeste de Montevidéu?
Autoria: Lucía Abbadie
Autoria: Propomos esta apresentação ao GT pra discutir, a partir do caso da rota perimetral 102, em que medida as infraestruturas são suportes e meios para fluxos nas escalas local, nacional e transnacional, colocando em contato e em tensão pessoas, objetos e práticas de o mundo do trabalho, o capital e o mercado, bem como as práticas da vida cotidiana (Lefebvre, 1979; Delgado, 2004). Partindo do pressuposto de que essas infraestruturas são produto e resultado dos sistemas políticos, econômicos e sociais que nelas se articulam e operam, abordaremos e refletiremos sobre o caso da Rota Perimetral 102, localizada no nordeste de Montevidéu, Uruguai. Fazendo uma análise em torno da sua projeção e construção, pretendemos poder refletir em que medida a construção da rota gerou a base para o crescimento populacional na área. Embora sua construção seja recente, em 2008 foi inaugurado o primeiro trecho da Rota 8 a 101, e foram iniciadas as obras do segundo trecho, que é denominado Rota do Perímetro, também conhecido como Anel Perimetral, já havia uma proposta desenhada na década de 1950. Sua função atual é unir diferentes rotas nacionais, que ligam Montevidéu com diferentes áreas do norte e nordeste do Uruguai, bem como bairros periféricos da cidade e sua região metropolitana. A Rota 102 liga o aeroporto ao porto de Montevidéu, possibilitando o transporte de mercadorias por áreas de baixa densidade urbana e ainda relativamente baixa intensidade de transporte, mas também reduziram o tempo de transporte de pessoas entre áreas distantes da cidade. Esta proposta se baseia em uma análise maior, que faz parte de minha tese de doutorado, e que tem como foco a expansão da cidade de Montevidéu em direção ao nordeste metropolitano. Poder trocar com outro/as antropólogo/as em torno do papel da rota perimetral como infraestrutura que pode estar permeando tanto do ponto de vista material, como artefato, quanto do ponto de vista simbólico, como gerador de diferentes valores: valor de uso, valor de troca , valor semântico (significado) e deôntico (moralidade) (Kockelman, 2016), me ajudam na enunciação de algumas perguntas. Que impacto teve a rota perimetral no crescimento da cidade de Montevidéu em direção ao nordeste metropolitano? Existe uma inter-relação entre as infra-estruturas da rota 102 enquanto artefacto, com os efeitos de valorização da terra que esta produz, produzidos tanto pelo Estado, quanto pelas demandas das comunidades de bairros organizadas, que lutam pelo seu direito a uma cidade digna? Essas perguntas ajudam a pensar a instalação de uma infraestrutura material, e sua contrapartida na valorização (Kockelman, 2013; Graeber, 2001; Narotzky e Bresnier, 2020) (tanto no sentido econômico quanto simbólico) gerada a partir da construção de uma infraestrutura.
Condução algorítmica de condutas: notas sobre as tecnologias empresariais privadas de governo
Autoria: Renan Giménez Azevedo
Autoria: Neste texto, proponho pensar as modalidades de tecnologia de governo em plataformas de prestação de serviços, a partir da minha experiência de campo em Porto Alegre, RS, enquanto ciclo-entregador por uma plataforma de entrega alimentos. Ao recuperar esta literatura que propõe pensar no Estado como o resultado de uma série de relações, quero refletir quais os processos que permitem o funcionamento e a existência de empresas cujo principal ativo é uma mescla de coleta de dados e logística. Proponho, assim, pensar nestas empresas como detentoras de formas privadas de condução das condutas de seus colaboradores. Devo apontar que estas plataformas se fazem mais ou menos presentes no cotidiano, conforme seus serviços, sempre ofertados por meio de seus aplicativos; são, então, demandados. Por serem empresas, as tomadas de decisão dos usuários e dos algoritmos seguem uma lógica que busca a maximização dos lucros. Sugiro a que há um modelo de gestão das ofertas de trabalho e de remunerações, delegada aos algoritmos codificados em aplicativos. Ao delegar as correções das taxas de entregas aos algoritmos embebidos no aplicativo, estas empresas conseguem articular uma forma de "keynesianismo privado" (Morozov e Bria, 2020), um modelo de urbanidade pautado em decisões automatizadas pelo gigantesco volume de dados fornecidos pelos cidadãos para agentes privados capazes de coletar e tratar estas informações. Analisar os dados produziria uma realidade informacional que os usuários acreditam ter autonomia. Entretanto, observa-se uma assimetria no fluxo de informações. Do leque de dados coletados, aqueles sobre remunerações de todas as partes envolvidas são profundamente desconhecidas (Woodcock, 2020), o que reiterando certas posturas mercadológicas. Noutros termos, tais cálculos seriam infraestruturantes destas relações sociais, produzindo os modos de organização social, naturalizando-os (Akrich, 2014).
Do cano de fuzil ao cano d’água: uma análise generificada da violência infraestrutural na Palestina
Autoria: Giovanna Lucio Monteiro
Autoria: Resumo: Pensar a Palestina, tradicionalmente, significa pensar em guerra e terrorismo. De forma interdisciplinar, a questão Palestina tem sido analisada a partir de suas irrupções de violência e da forma como estas produzem a guerra. Ainda, são pautados os efeitos disso na política e na sociabilidade israelense e palestina ao longo de quase oito décadas, tendo como temas centrais a militarização e o fluxo de refugiados produzidos. Já pensar mulheres na Palestina se traduz usualmente em pensar resistências e os atravessamentos que o conflito produz. Os principais trabalhos de campo são centrados na análise da vida de mulheres refugiadas, na forma como o medo afeta a vida cotidiana e nas resistências, armadas ou não, destas mulheres. Na literatura de guerra há uma lacuna em pensar a forma como esta se traduz no cotidiano e na construção de políticas públicas e das cidades palestinas. Sendo um conflito de décadas se entremeou na vida e se confundiu com a própria constituição do Estado palestino, que teve a sua infraestrutura construida em uma imbricação da colonização de Israel e auxílios de instituições internacionais, como o Banco Mundial. Nesse sentido, a guerra na Palestina é analisada a partir da sua forma enquanto estado de excessão, não de seu cotidiano. Os outros trabalhos que tratam sobre mulheres, gênero e a questão Palestina fazem uma importante análise dos impactos do conflito sobre a vida das mulheres, mas possuem pouco diálogo com os estudos citados anteriormente. Considerando essa lacuna de pesquisa proponho analisar a violência infraestrutural em uma perspectiva generificada, observando o conflito a partir da sua tradução nas infraestruturas de guerra que afetam diretamente a vida de mulheres. Partindo de uma análise sobre a vida cotidiana de três mulheres em Ramallah, Palestina, e produzindo um diálogo entre o debate sobre infraestrutura (Anand, 2017; Larkin, 2020; Von Schnitzler, 2016; Pierobon, 2021) e violência (Das, 2007; 2004; Das & Poole, 2004; Cavalcanti, 2008) observo que o conflito diluiu a sua situação de excessão em infraestruturas, que só poderiam ser observadas como algo central na questão palestina a partir da fala de mulheres. Isso porque essa forma de violência tem a sua invisibilidade como um princípio, ela é escondida, entremeada em canos, redes de esgoto, elétrica, rodovias e postos de controle. Em sua grande maioria, essa violência faz parte do ambiente doméstico, não é espetacular, não chama atenção da mídia e é muitas vezes percebida como um problema relacionado à pobreza e não necessariamente à guerra. Nesse sentido, a partir de uma perspectiva generificada das infraestruturas é possível observar violências que são construídas para não serem vistas e para desmobilizar todo um grupo social.
Aplicativo de corrida, Instagram e WhatsApp: As infraestruturas que mobilizam antropólogo/as e motoristas
Autoria: Álvaro Prado Aguiar Tavares
Autoria: Neste trabalho pretendo oferecer reflexões a partir de algumas de minhas experiências etnográficas com motoristas de Uber que circulam pela região metropolitana de Recife, bem como com as infraestruturas que (n)os interpelam. Assim, além daquelas que mediam os movimentos desses motoristas através do espaço urbano, de modo a conduzi-los aos bairros nobres ao mesmo tempo que os mantém afastados dos mais violentos e/ou de difícil acesso, são também fundamentais aquelas infraestruturas que permitem ao antropólogo ter interlocução com um grupo de trabalhadores que tem poucos momentos a se dedicar aos interesses de um pesquisador/a. Nesse sentido, somados aos requisitos de distanciamento social impostos pela pandemia de Covid-19, infraestruturas como WhatsApp e Instagram permitem que antropólogas e antropólogos possam ter acesso às racionalidades sociais, as lógicas de movimentação e as precariedades que constituem o ir e vir desses sujeitos, mesmo que condicionadas às quedas operacionais típicas de tais infraestruturas de comunicação. De fato, a maneira como estas possibilitam a movimentação do pesquisador por uma série de ambientes (sejam eles virtuais ou não) acabam por influenciar na própria forma com a qual o motorista elabora narrativas sobre seu próprio processo de movimentação urbana e das simbologias que as dão corpo. Desse modo, demonstro, por exemplo, que a necessidade de um áudio de WhatsApp ser gravado mais de uma vez por um motorista que tinha colocado suas mãos no microfone de captção de som de seu smarthphone, acaba por levar à alterações na forma com a qual ele mesmo descreve seu cotidiano. Às vezes fornecendo informações antes omitidas, às vezes revelando perspectivas contraditórias àquelas expostas nos áudios iniciais, tais defeitos operacioinais parecem induzir a repetições que se traduzem em mudanças discursivas ou até mesmo em uma maior (ou menor) capacidade do interlocutor em descrever as minúcias de seu cotidiano. Por fim, sugiro que, a partir de uma abordagem como essa, é possível fornecer uma perspectiva sobre o fenômeno da uberização que não parta da cisão moderna entre, de um lado, o mundo da corporeidade física e de suas materialidades e, de outro, o das ideologias, dos símbolos e dos discursos. Assim, os/as motoristas de Uber são compreendidos através da forma com a qual se associam com aplicativos, asfaltos, ideologias, discursos, sinais de transito, subjetividades, regiões de dificil acesso e redes sociais. Aqui, são as infraestruturas que parecem conduzir a circulação desse conjunto híbrido de actantes.
Infraestruturas em ruínas: megaprojetos e destruição como projetos no Sul Global
Autoria: Ana Clara Chequetti da Rocha Duarte
Autoria: No topo de uma favela da Zona Norte do Rio de Janeiro repousa uma gigantesca cisterna que abasteceria de água o morro inteiro, porém nunca foi ativada. Ela está interligada a canos que não se conectam, formando uma rede de encanamentos completamente funcional por onde nunca circulou água. Ano após ano essas estruturas se degradam contando com os vãos esforços dos moradores que tentam repara-la para um dia ser utilizada. O morro conta com uma subestação da empresa de água, porém no topo da favela diversas famílias sofrem com a cotidiana falta de água. Nesse local, "o cara da água", um morador que é também trabalhador da empresa, é o único responsável por fazer a água chegar na torneira dessas famílias. O manobreiro todos os dias tem que redirecionar água para esse local, onde portanto só há abastecimento em determinadas horas do dia, as vezes só em alguns dias da semana, ou simplesmente quando o "cara da água" pode. O topo do morro também sofre com a falta de coleta de lixo e constantes deslizamentos de casas quando chove muito, e seus moradores são frequentemente responsabilizados pelo Estado pela sua situação e instigados a deixarem a área, considerada "de risco". A aparente ilógica de propor projetos de urbanização, porém permitir que em determinados locais estruturas e serviços possam ser inativos, cortados ou abandonados pode ser compreendida a partir de determinadas racionalidades de governo em que materialidades são ao mesmo tempo produto e produtoras destes regimes. A proposta deste trabalho é refletir a partir de etnografias realizadas em processos de urbanização e renovação urbana no Rio de Janeiro em diálogo com a abordagem da antropologia das infraestruturas para compreender especificidades locais e regionais dos processos do fazer e desfazer cidade no Sul Global. Nas favelas, periferias e ocupações do Rio de Janeiro parece haver um continuum em que práticas de governo perpetuadas através da violência policial se estendem também pela violência infraestrutural, onde um regime de exclusão social é mantido sobre e através das infraestruturas. Propõe-se pensar como megaprojetos de urbanização andam lado a lado a processos de abandono e degradação na cidade e se é possível entender a própria destruição infraestrutural como um projeto e modo de urbanização no Sul Global.
Do Joá pra lá: Túneis, pontes e infraestruturas construindo o(s) futuro(s) do Rio de Janeiro
Autoria: Rodrigo Agueda
Autoria: O Elevado do Joá, um complexo infraestrutural composto por quatro túneis e pontes de dois níveis, se estende por 1,25 km entre os bairros de São Conrado e Barra da Tijuca. Construído em 1971, o porte e a complexidade técnica da então mais cara obra urbana do Estado do Rio de Janeiro foi sem precedentes. Encurralada entre uma montanha de 844 metros de altura e o vasto Oceano Atlântico, essa infraestrutura ligava não só a Zona Sul da cidade à sua Zona Oeste, mas também conectou ideias de progresso e modernidade com imaginários de natureza, bucolismo e um "passado a-histórico". Essas conexões contraditórias moldaram a recente expansão e circulação urbana do Rio de Janeiro, bem como as promessas de futuro que circulavam ao lado dos carros, pessoas e infraestruturas rumo ao "sertão carioca" da Barra da Tijuca. Através da construção do Elevado do Joá, podemos investigar as várias circulações, promessas e imaginários contraditórios que ajudaram a criar o futuro da expansão da cidade. Da perspectiva da "virada infraestrutural" da antropologia, analisar historicamente a construção do complexo infraestrutural do Joá nos ajuda a compreender a construção das promessas de futuro que estavam sendo criadas no bairro em construção da Barra da Tijuca, e, assim, a expansão urbana recente do Rio de Janeiro e de seu mercado imobiliário. As tantas infraestruturas - como água, cimento, eletricidade e linhas telefónicas -, cuja circulação se tornou possível com a construção do Joá, atravessaram a ponte e os túneis por entre as muitas promessas e imaginários que foram essenciais para a expansão do mercado imobiliário. Entre pessoas, carros e caminhões, ideias contraditórias se entrelaçaram para vender o bairro recém-nascido. A valorização de um isolamento da cidade aliada a promessa de conexão e proximidade com a mesma, ideais de modernidade e de futuro associados à imaginários nostálgicos e bucólicos, são algumas das contradições que as composições sócio-técnicas das pontes e dos túneis possibilitaram coexistir. Como "materialidade que possibilita o movimento de outras materialidades", o Joá representa o entrelaçamento entre natureza e técnica, onde o moderno se estende em meio a uma exuberante natureza "intocada". Por meio de uma pesquisa histórica em artigos de jornal, este trabalho investiga as construções entrelaçadas do Joá, da Barra da Tijuca, e de promessas de futuro. Anunciado nos jornais como "a estrada mais bela" ao mesmo tempo que era comparada com o túnel Yerba Buena, na Califórnia, o Joá aparece como uma grande infraestrutura que é também essencial para a provisão de tantas outras infraestruturas, possibilitando movimentos visíveis e invisíveis e sendo uma peça fundamental para compreender as transformações urbanas das décadas de 1960 a 1980 na cidade.
Fazendo infraestruturas: uma etnografia das práticas cotidianas e negociações em torno dos manejos e dos acessos à água em Florianópolis
Autoria: Priscila dos Anjos
Autoria: Florianópolis é composta pela Ilha de Santa Catarina e uma região continental. A cidade possui 508 mil habitantes e cerca de 75% deles residem na ilha. Os dois principais mananciais para o abastecimento de água em Florianópolis estão situados em Santo Amaro da Imperatriz (Município a 38 km de Florianópolis). São eles: o Rio Cubatão e o Rio Vargem do Braço. A água é levada até a ilha catarinense por meio de canos instalados nas Pontes Pedro Ivo e Colombo Salles. Na ilha também há outros mananciais, de menor vazão, onde é captada água para distribuição. Há em Florianópolis dezenas de sistemas independentes de água, ou seja, de formas de abastecimento de água que não são administrados pela CASAN, empresa pública de economia mista e de capital aberto, que atua como concessionária do setor de saneamento em Santa Catarina. Estão entre eles o sistema da Costa de Dentro, um bairro localizado no extremo-sul da ilha. O Sistema Independente de Água da Costa de Dentro atende 196 residências. Os sistemas independentes de água não são regulamentados, ou seja, são vistos pelo estado como sistemas irregulares. No Plano Municipal de Saneamento Básico (um instrumento de planejamento que estabelece diretrizes para a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e saneamento em Florianópolis), fica evidente que essas infraestruturas independentes de água estão em disputa na cidade. Em 2000, a CASAN ampliou a capacidade de distribuição de água a fim de possibilitar o fornecimento do recurso para os moradores da Costa de Dentro. Até então o sistema independente era a única forma de abastecimento de água da localidade. Todavia, os moradores decidiram por não migrar para o sistema. Desde então, a CASAN reivindica o fornecimento do serviço na região, com a premissa de que há a necessidade de controle público nos sistemas independentes. É neste cenário que busco descrever as práticas cotidianas e comunitárias que fazem o sistema independente de água da Costa de Dentro distribuir água para 196 famílias do extremo-sul de Florianópolis. O trabalho de campo que venho realizando na comunidade desde 2021, vem mostrando uma diversidade de abordagens possíveis e necessárias para a pesquisa que estou desenvolvendo, desde as técnicas cotidianas na gestão da água, como a captação e tratamento da água, a produção de cobranças para os usuários até os conhecimentos desenvolvidos pelos moradores sobre a paisagem que habitam, a sazonalidade e a atuação política necessária para barrar construção de grandes empreendimentos no bairro. Neste sentido, buscarei compartilhar neste grupo de trabalho o que venho compreendendo e refletindo sobre a construção e manutenção comunitária de uma infraestrutura de água, durante o trabalho de campo que realizo na comunidade.
Infraestruturas em ruínas: megaprojetos e destruição como projetos no Sul Global
Autoria: Ana Clara Chequetti da Rocha Duarte
Autoria: No topo de uma favela da Zona Norte do Rio de Janeiro repousa uma gigantesca cisterna que abasteceria de água o morro inteiro, porém nunca foi ativada. Ela está interligada a canos que não se conectam, formando uma rede de encanamentos completamente funcional por onde nunca circulou água. Ano após ano essas estruturas se degradam contando com os vãos esforços dos moradores que tentam repara-la para um dia ser utilizada. O morro conta com uma subestação da empresa de água, porém no topo da favela diversas famílias sofrem com a cotidiana falta de água. Nesse local, "o cara da água", um morador que é também trabalhador da empresa, é o único responsável por fazer a água chegar na torneira dessas famílias. O manobreiro todos os dias tem que redirecionar água para esse local, onde portanto só há abastecimento em determinadas horas do dia, as vezes só em alguns dias da semana, ou simplesmente quando o "cara da água" pode. O topo do morro também sofre com a falta de coleta de lixo e constantes deslizamentos de casas quando chove muito, e seus moradores são frequentemente responsabilizados pelo Estado pela sua situação e instigados a deixarem a área, considerada "de risco". A aparente ilógica de propor projetos de urbanização, porém permitir que em determinados locais estruturas e serviços possam ser inativos, cortados ou abandonados pode ser compreendida a partir de determinadas racionalidades de governo em que materialidades são ao mesmo tempo produto e produtoras destes regimes. A proposta deste trabalho é refletir a partir de etnografias realizadas em processos de urbanização e renovação urbana no Rio de Janeiro em diálogo com a abordagem da antropologia das infraestruturas para compreender especificidades locais e regionais dos processos do fazer e desfazer cidade no Sul Global. Nas favelas, periferias e ocupações do Rio de Janeiro parece haver um continuum em que práticas de governo perpetuadas através da violência policial se estendem também pela violência infraestrutural, onde um regime de exclusão social é mantido sobre e através das infraestruturas. Propõe-se pensar como megaprojetos de urbanização andam lado a lado a processos de abandono e degradação na cidade e se é possível entender a própria destruição infraestrutural como um projeto e modo de urbanização no Sul Global.
Habitando o tempo das infraestruturas urbanas: promessas e imaginários de futuro nas obras de esgotamento sanitário na Barra Olímpica (1980-2020).
Autoria: Júlia Kovac Machado
Autoria: Este trabalho trata da relação entre tempo e infraestruturas urbanas a partir de uma etnografia com artigos de jornal sobre o caso das obras de esgotamento sanitário na região hoje conhecida como "Barra Olímpica". A região é um entroncamento entre os bairros de Curicica, Camorim e Jacarepaguá e localiza-se na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Meu objetivo é analisar como a partir das promessas das obras de esgotamento sanitário podemos acessar representações, imaginários e projetos de futuro sobre esta região, que versam sobre modernidade, progresso e preservação ambiental. Ou seja, a partir da análise do que é prometido quando se promete o acesso a essa infraestrutura, analiso que tipos de projetos e imaginários de futuro estão em jogo na região, além de representações sociais sobre este território. Parto da concepção de infraestrutura como projeto espaço-temporal (APPEL, ANAND e GUPTA, 2018), isto é, conceitualizo a infraestrutura não só em termos dos espaços que ela conecta, mas também dos diferentes tempos que são conectados em sua rede. A escolha pelas promessas como categoria central de análise justifica-se não só em termos empíricos, por aparecer como uma categoria nativa entre meus interlocutores, mas também pela capacidade da categoria de unir passado, presente e futuro, sendo elas instâncias concretas de visões de futuro (GUPTA, 2018) e permitindo uma análise processual e histórica. Como resultados preliminares do trabalho, destaco a ideia de preservação ambiental como um imaginário chave para compreender o que significa modernização e progresso na Barra da Tijuca. Além disso, a identificação de uma forma específica de experienciar e habitar o tempo na região, a partir da produção e não produção das obras de esgotamento sanitário. Em termos metodológicos, este trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento para a minha dissertação de mestrado. Ele é um primeiro esforço de análise do material que reuni quando era bolsista de iniciação científica do projeto "Para ver a Barra de outro ângulo: Um projeto de pesquisa sobre mercados imobiliários, mercados de serviços e sociabilidades urbanas na "Barra Olímpica"". O projeto é coordenado pelas professoras Julia O"Donnell (DAC/IFCS) e Marcella Araujo (DS/IFCS) no âmbito do Urbano - Laboratório de Estudos da Cidade. Nesta pesquisa, reuni mais de 800 artigos de jornal do acervo digital do jornal O Globo, a partir da palavra-chave "Região Autódromo" (uma forma de denominação anterior à alcunha de "Barra Olímpica"), em um recorte temporal que vai dos anos de 1980 até 2020. Para a pesquisa de mestrado, estou utilizando uma parte dele, em uma aposta na etnografia com artigos de jornal como metodologia para a análise de processos de transformação urbana (O"DONNELL, 2013; TEIXEIRA ALVES, 2020).
Condução algorítmica de condutas: notas sobre as tecnologias empresariais privadas de governo
Autoria: Renan Giménez Azevedo
Autoria: Neste texto, proponho pensar as modalidades de tecnologia de governo em plataformas de prestação de serviços, a partir da minha experiência de campo em Porto Alegre, RS, enquanto ciclo-entregador por uma plataforma de entrega alimentos. Ao recuperar esta literatura que propõe pensar no Estado como o resultado de uma série de relações, quero refletir quais os processos que permitem o funcionamento e a existência de empresas cujo principal ativo é uma mescla de coleta de dados e logística. Proponho, assim, pensar nestas empresas como detentoras de formas privadas de condução das condutas de seus colaboradores. Devo apontar que estas plataformas se fazem mais ou menos presentes no cotidiano, conforme seus serviços, sempre ofertados por meio de seus aplicativos; são, então, demandados. Por serem empresas, as tomadas de decisão dos usuários e dos algoritmos seguem uma lógica que busca a maximização dos lucros. Sugiro a que há um modelo de gestão das ofertas de trabalho e de remunerações, delegada aos algoritmos codificados em aplicativos. Ao delegar as correções das taxas de entregas aos algoritmos embebidos no aplicativo, estas empresas conseguem articular uma forma de "keynesianismo privado" (Morozov e Bria, 2020), um modelo de urbanidade pautado em decisões automatizadas pelo gigantesco volume de dados fornecidos pelos cidadãos para agentes privados capazes de coletar e tratar estas informações. Analisar os dados produziria uma realidade informacional que os usuários acreditam ter autonomia. Entretanto, observa-se uma assimetria no fluxo de informações. Do leque de dados coletados, aqueles sobre remunerações de todas as partes envolvidas são profundamente desconhecidas (Woodcock, 2020), o que reiterando certas posturas mercadológicas. Noutros termos, tais cálculos seriam infraestruturantes destas relações sociais, produzindo os modos de organização social, naturalizando-os (Akrich, 2014).
Fazendo infraestruturas: uma etnografia das práticas cotidianas e negociações em torno dos manejos e dos acessos à água em Florianópolis
Autoria: Priscila dos Anjos
Autoria: Florianópolis é composta pela Ilha de Santa Catarina e uma região continental. A cidade possui 508 mil habitantes e cerca de 75% deles residem na ilha. Os dois principais mananciais para o abastecimento de água em Florianópolis estão situados em Santo Amaro da Imperatriz (Município a 38 km de Florianópolis). São eles: o Rio Cubatão e o Rio Vargem do Braço. A água é levada até a ilha catarinense por meio de canos instalados nas Pontes Pedro Ivo e Colombo Salles. Na ilha também há outros mananciais, de menor vazão, onde é captada água para distribuição. Há em Florianópolis dezenas de sistemas independentes de água, ou seja, de formas de abastecimento de água que não são administrados pela CASAN, empresa pública de economia mista e de capital aberto, que atua como concessionária do setor de saneamento em Santa Catarina. Estão entre eles o sistema da Costa de Dentro, um bairro localizado no extremo-sul da ilha. O Sistema Independente de Água da Costa de Dentro atende 196 residências. Os sistemas independentes de água não são regulamentados, ou seja, são vistos pelo estado como sistemas irregulares. No Plano Municipal de Saneamento Básico (um instrumento de planejamento que estabelece diretrizes para a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e saneamento em Florianópolis), fica evidente que essas infraestruturas independentes de água estão em disputa na cidade. Em 2000, a CASAN ampliou a capacidade de distribuição de água a fim de possibilitar o fornecimento do recurso para os moradores da Costa de Dentro. Até então o sistema independente era a única forma de abastecimento de água da localidade. Todavia, os moradores decidiram por não migrar para o sistema. Desde então, a CASAN reivindica o fornecimento do serviço na região, com a premissa de que há a necessidade de controle público nos sistemas independentes. É neste cenário que busco descrever as práticas cotidianas e comunitárias que fazem o sistema independente de água da Costa de Dentro distribuir água para 196 famílias do extremo-sul de Florianópolis. O trabalho de campo que venho realizando na comunidade desde 2021, vem mostrando uma diversidade de abordagens possíveis e necessárias para a pesquisa que estou desenvolvendo, desde as técnicas cotidianas na gestão da água, como a captação e tratamento da água, a produção de cobranças para os usuários até os conhecimentos desenvolvidos pelos moradores sobre a paisagem que habitam, a sazonalidade e a atuação política necessária para barrar construção de grandes empreendimentos no bairro. Neste sentido, buscarei compartilhar neste grupo de trabalho o que venho compreendendo e refletindo sobre a construção e manutenção comunitária de uma infraestrutura de água, durante o trabalho de campo que realizo na comunidade.
Relações entre cotidiano e infraestruturas urbanas antes, durante e após o "apagão" no Amapá
Autoria: Newan Acacio Oliveira de Souza, Alicia N.G.de Castells
Autoria: Em novembro de 2020, o estado do Amapá passou pela maior crise de distribuição de energia elétrica de sua história. O "apagão" se desenrolou em diferentes vertentes da vida cotidiana da população. Desse momento em diante, muitas outras crises instalaram-se no estado, a de falta de água, falta de comida e de comunicação, por exemplo. Momentos sufocantes e desesperadores definem muitos dos relatos. Passados quase dois anos, vejo-me dentro desse "acontecimento" ao produzir uma etnografia sobre uma região de ressaca na cidade de Santana, no Amapá, e perceber que se instalou uma verdadeira cisão na relação (já calejada) entre sujeitos e infraestruturas ligadas a energia elétrica. Este trabalho tem como intuito pensar as dinâmicas produzidas pelo "apagão" na vida das pessoas, trazendo à tona temporalidades que auxiliem a construir um cenário antes, durante e pós apagão. Com esse objetivo apresento uma análise sobre os dados e informações produzidas sobre o "apagão" durante 2020 na rede social Twitter, a partir de minha inserção e trocas na plataforma. Além disso, as narrativas sobre o advento de infraestruturas urbanas (fornecimento de água, eletricidade e esgoto) na área de ressaca aterrada que compõem parte das minhas reflexões atuais sobre urbanização e cidade. Assim, as infraestruturas são interpretadas aqui como materializações da vida na cidade - que são geridas e constituídas a partir de aparatos do Estado ou da iniciativa privada - e que no seu processo de surgimento e interrupção provocam mudanças no cotidiano de diversas famílias, bairros e de uma cidade inteira.
Refletindo sobre a Rota Perimetral 102 ¿Eixo estruturante urbana do nordeste de Montevidéu?
Autoria: Lucía Abbadie
Autoria: Propomos esta apresentação ao GT pra discutir, a partir do caso da rota perimetral 102, em que medida as infraestruturas são suportes e meios para fluxos nas escalas local, nacional e transnacional, colocando em contato e em tensão pessoas, objetos e práticas de o mundo do trabalho, o capital e o mercado, bem como as práticas da vida cotidiana (Lefebvre, 1979; Delgado, 2004). Partindo do pressuposto de que essas infraestruturas são produto e resultado dos sistemas políticos, econômicos e sociais que nelas se articulam e operam, abordaremos e refletiremos sobre o caso da Rota Perimetral 102, localizada no nordeste de Montevidéu, Uruguai. Fazendo uma análise em torno da sua projeção e construção, pretendemos poder refletir em que medida a construção da rota gerou a base para o crescimento populacional na área. Embora sua construção seja recente, em 2008 foi inaugurado o primeiro trecho da Rota 8 a 101, e foram iniciadas as obras do segundo trecho, que é denominado Rota do Perímetro, também conhecido como Anel Perimetral, já havia uma proposta desenhada na década de 1950. Sua função atual é unir diferentes rotas nacionais, que ligam Montevidéu com diferentes áreas do norte e nordeste do Uruguai, bem como bairros periféricos da cidade e sua região metropolitana. A Rota 102 liga o aeroporto ao porto de Montevidéu, possibilitando o transporte de mercadorias por áreas de baixa densidade urbana e ainda relativamente baixa intensidade de transporte, mas também reduziram o tempo de transporte de pessoas entre áreas distantes da cidade. Esta proposta se baseia em uma análise maior, que faz parte de minha tese de doutorado, e que tem como foco a expansão da cidade de Montevidéu em direção ao nordeste metropolitano. Poder trocar com outro/as antropólogo/as em torno do papel da rota perimetral como infraestrutura que pode estar permeando tanto do ponto de vista material, como artefato, quanto do ponto de vista simbólico, como gerador de diferentes valores: valor de uso, valor de troca , valor semântico (significado) e deôntico (moralidade) (Kockelman, 2016), me ajudam na enunciação de algumas perguntas. Que impacto teve a rota perimetral no crescimento da cidade de Montevidéu em direção ao nordeste metropolitano? Existe uma inter-relação entre as infra-estruturas da rota 102 enquanto artefacto, com os efeitos de valorização da terra que esta produz, produzidos tanto pelo Estado, quanto pelas demandas das comunidades de bairros organizadas, que lutam pelo seu direito a uma cidade digna? Essas perguntas ajudam a pensar a instalação de uma infraestrutura material, e sua contrapartida na valorização (Kockelman, 2013; Graeber, 2001; Narotzky e Bresnier, 2020) (tanto no sentido econômico quanto simbólico) gerada a partir da construção de uma infraestrutura.
Habitando o tempo das infraestruturas urbanas: promessas e imaginários de futuro nas obras de esgotamento sanitário na Barra Olímpica (1980-2020).
Autoria: Júlia Kovac Machado
Autoria: Este trabalho trata da relação entre tempo e infraestruturas urbanas a partir de uma etnografia com artigos de jornal sobre o caso das obras de esgotamento sanitário na região hoje conhecida como "Barra Olímpica". A região é um entroncamento entre os bairros de Curicica, Camorim e Jacarepaguá e localiza-se na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Meu objetivo é analisar como a partir das promessas das obras de esgotamento sanitário podemos acessar representações, imaginários e projetos de futuro sobre esta região, que versam sobre modernidade, progresso e preservação ambiental. Ou seja, a partir da análise do que é prometido quando se promete o acesso a essa infraestrutura, analiso que tipos de projetos e imaginários de futuro estão em jogo na região, além de representações sociais sobre este território. Parto da concepção de infraestrutura como projeto espaço-temporal (APPEL, ANAND e GUPTA, 2018), isto é, conceitualizo a infraestrutura não só em termos dos espaços que ela conecta, mas também dos diferentes tempos que são conectados em sua rede. A escolha pelas promessas como categoria central de análise justifica-se não só em termos empíricos, por aparecer como uma categoria nativa entre meus interlocutores, mas também pela capacidade da categoria de unir passado, presente e futuro, sendo elas instâncias concretas de visões de futuro (GUPTA, 2018) e permitindo uma análise processual e histórica. Como resultados preliminares do trabalho, destaco a ideia de preservação ambiental como um imaginário chave para compreender o que significa modernização e progresso na Barra da Tijuca. Além disso, a identificação de uma forma específica de experienciar e habitar o tempo na região, a partir da produção e não produção das obras de esgotamento sanitário. Em termos metodológicos, este trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento para a minha dissertação de mestrado. Ele é um primeiro esforço de análise do material que reuni quando era bolsista de iniciação científica do projeto "Para ver a Barra de outro ângulo: Um projeto de pesquisa sobre mercados imobiliários, mercados de serviços e sociabilidades urbanas na "Barra Olímpica"". O projeto é coordenado pelas professoras Julia O"Donnell (DAC/IFCS) e Marcella Araujo (DS/IFCS) no âmbito do Urbano - Laboratório de Estudos da Cidade. Nesta pesquisa, reuni mais de 800 artigos de jornal do acervo digital do jornal O Globo, a partir da palavra-chave "Região Autódromo" (uma forma de denominação anterior à alcunha de "Barra Olímpica"), em um recorte temporal que vai dos anos de 1980 até 2020. Para a pesquisa de mestrado, estou utilizando uma parte dele, em uma aposta na etnografia com artigos de jornal como metodologia para a análise de processos de transformação urbana (O"DONNELL, 2013; TEIXEIRA ALVES, 2020).
Do Joá pra lá: Túneis, pontes e infraestruturas construindo o(s) futuro(s) do Rio de Janeiro
Autoria: Rodrigo Agueda
Autoria: O Elevado do Joá, um complexo infraestrutural composto por quatro túneis e pontes de dois níveis, se estende por 1,25 km entre os bairros de São Conrado e Barra da Tijuca. Construído em 1971, o porte e a complexidade técnica da então mais cara obra urbana do Estado do Rio de Janeiro foi sem precedentes. Encurralada entre uma montanha de 844 metros de altura e o vasto Oceano Atlântico, essa infraestrutura ligava não só a Zona Sul da cidade à sua Zona Oeste, mas também conectou ideias de progresso e modernidade com imaginários de natureza, bucolismo e um "passado a-histórico". Essas conexões contraditórias moldaram a recente expansão e circulação urbana do Rio de Janeiro, bem como as promessas de futuro que circulavam ao lado dos carros, pessoas e infraestruturas rumo ao "sertão carioca" da Barra da Tijuca. Através da construção do Elevado do Joá, podemos investigar as várias circulações, promessas e imaginários contraditórios que ajudaram a criar o futuro da expansão da cidade. Da perspectiva da "virada infraestrutural" da antropologia, analisar historicamente a construção do complexo infraestrutural do Joá nos ajuda a compreender a construção das promessas de futuro que estavam sendo criadas no bairro em construção da Barra da Tijuca, e, assim, a expansão urbana recente do Rio de Janeiro e de seu mercado imobiliário. As tantas infraestruturas - como água, cimento, eletricidade e linhas telefónicas -, cuja circulação se tornou possível com a construção do Joá, atravessaram a ponte e os túneis por entre as muitas promessas e imaginários que foram essenciais para a expansão do mercado imobiliário. Entre pessoas, carros e caminhões, ideias contraditórias se entrelaçaram para vender o bairro recém-nascido. A valorização de um isolamento da cidade aliada a promessa de conexão e proximidade com a mesma, ideais de modernidade e de futuro associados à imaginários nostálgicos e bucólicos, são algumas das contradições que as composições sócio-técnicas das pontes e dos túneis possibilitaram coexistir. Como "materialidade que possibilita o movimento de outras materialidades", o Joá representa o entrelaçamento entre natureza e técnica, onde o moderno se estende em meio a uma exuberante natureza "intocada". Por meio de uma pesquisa histórica em artigos de jornal, este trabalho investiga as construções entrelaçadas do Joá, da Barra da Tijuca, e de promessas de futuro. Anunciado nos jornais como "a estrada mais bela" ao mesmo tempo que era comparada com o túnel Yerba Buena, na Califórnia, o Joá aparece como uma grande infraestrutura que é também essencial para a provisão de tantas outras infraestruturas, possibilitando movimentos visíveis e invisíveis e sendo uma peça fundamental para compreender as transformações urbanas das décadas de 1960 a 1980 na cidade.