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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT53: Mercados culturais e trabalho: desafios e fazeres etnográfico

Marina Frydberg, Victoria Irisarri

Nas últimas décadas a relação entre mercado cultural e trabalho têm mudado significativamente. A divisão moderna entre trabalho e lazer foi se desfazendo enquanto que a esfera do trabalho e a "vida por projetos" se expandiu. As noções de mercado e de trabalho se transformam, adquirindo novos sentidos que vão além dos debates clássicos da indústria cultural. Os mercados culturais emergem a partir de novas relações entre os produtores culturais e os diversos circuitos alternativos de produção e consumo de bens culturais. As relações de trabalho também se alteram e discursos que valorizam a lógica empreendedora, as novas formas de contratação e a centralidade das redes profissionais ganham espaço e passam a impactar a subjetividade e as identidades laborais dos trabalhadores culturais. Este GT propõe debater as relações entre mercados culturais e trabalho, sem apegar-se a uma definição, mas a partir de trabalhos etnográficos que explorem os diversos sentidos emergentes. Interessa em particular o aporte de trabalhos que se focam na vida cotidiana, nas subjetividades e nos processos de construção de mercados culturais e trabalho, problematizando algum dos seguintes eixos: - Mercados culturais e formas coletivas de produção da arte; - Novas práticas de trabalho na cultura e suas organizações laborais; - Dimensão do projeto e do sonho na construção de carreiras na cultura; - Mercados culturais e as relações com o poder público; - Mercados culturais e usos das mídias sociais.

Palavras chave: mercados culturais; trabalho; vida cotidiana
Resumos submetidos
Cultura como direito: práticas de Estado, sentimentos e políticas de reconhecimento na região metropolitana do RJ.
Autoria:
Autoria: Nesta comunicação, proponho analisar os modos de regulação social do trabalho na "cultura", a partir da experiência de elaboração e desenvolvimento de propostas em conjunto aos moradores de um quilombo urbano, situado na região metropolitana do RJ, no âmbito das nomeadas políticas culturais. Se considerarmos o acesso a auxílios e editais emergenciais de fomento, é possível dizer que tais políticas ganharam contornos específicos no contexto da pandemia do COVID-19. Nesse sentido, cabe destacar os efeitos da atuação do Estado no reconhecimento das atividades musicais ligadas ao samba, mas também a outras práticas locais como o artesanato, jongo, capoeira e percussão, quando elas passam a ser lidas e reconhecidas como objeto de "políticas culturais", o que inclui a destinação de recursos públicos para a sua realização. Por um lado, nota-se o peso de certas práticas de Estado, com suas respectivas rotinas e saberes administrativos e, por outro lado, a relevância de narrativas que giram em torno da ideia da "cultura como direito" ou da concepção de "cidadania cultural". Ao longo do trabalho de campo, principalmente no contexto da pandemia, entre 2020 e 2021, passei a lidar com dinâmicas de financiamento, mas também com uma linguagem e práticas de governo inscritas nesse universo semântico e de atuação. Ainda que a gestão do atual governo federal na área da cultura seja caracterizada pelo desmantelamento de mecanismos e estruturas administrativas - as quais consolidaram um campo fértil de atuação do Estado nos últimos vinte anos - foi possível observar articulações políticas e dinâmicas participativas, tais como fóruns e conselhos de cultura. Ao participar de reuniões e atividades online, interagi com gestores públicos, parlamentares e aqueles que se apresentavam e eram reconhecidos como "trabalhadores" e "fazedores" da cultura, ao mesmo tempo que observei performances, discursos e a expressão de sentimentos em torno da noção da "cultura como direito". Busca-se, então, descrever e analisar como práticas de Estado imprimem ritmos e sentidos ao trabalho artístico e cultural e, de modo correlato, como os diferentes atores lidam com tais aparatos administrativos e simbólicos, considerando os processos e as políticas de reconhecimento que tem a "cultura" como campo privilegiado de atuação.
Mercado, Políticas Públicas e Teatro de Grupo na Cidade de São Paulo
Autoria:
Autoria: Este trabalho tem como objetivo investigar as políticas públicas para classe teatral e seus impactos no teatro de grupo na cidade de São Paulo. As políticas públicas ao mercado das artes do palco ocorrem majoritariamente via editais públicos com orçamento direto ou com necessidade de captação de recursos. Tal fato impõe a esta pesquisa etnográfica desafios de examinar as políticas culturais em tempos em que o neoliberalismo toma a cultura como um alvo de sua racionalidade. O neoliberalismo enquanto tecnologia móvel (ONG,2007) se dissemina e opera por meio da redefinição das práticas entre mercado, Estado e sociedade civil, o que afeta as relações entre os artistas e estas instâncias. Pretende-se investigar como os sujeitos lidam com essas esferas em seu cotidiano, em particular com os editais, no dia-a-dia do trabalho cênico, considerando as condições atuais de produção teatral, caracterizadas pela informalidade, instabilidade, precariedade e competitividade, dentro e em conflito com uma governamentalidade (FOUCAULT, 2008) alinhada aos anseios neoliberais. Três dimensões, separadas aqui apenas heuristicamente, são centrais na proposta analítica deste artigo: as influências das políticas públicas na produção do teatro de grupo e do artista, os impactos na produção estético-político teatral e as capturas e fugas envolvidas nas tecnologias de condução da conduta estatais e neoliberais.
Retalhando o que nos fere - Discurso de resistência das mulheres no Poetry Slam
Autoria:
Autoria: Este trabalho se propõe a analisar a narrativa das mulheres presente em versos de poesias das competições de poetry slam que apresentam uma realidade de dor, sofrimento que não lhes gera um silenciamento, no entanto se torna uma munição para resistir e prosseguir. A partir da contribuição dos pensadores Walter Benjamin, Gilberto Velho, Conceição Evaristo e Chimamanda Ngozi apresentaremos como a dor e a sobrevivência estão presentes nos versos bem como na vida cotidiana de cada uma dessas poetas. No ano de 2018 houve um grande destaque para essa competição no Brasil, e apesar desse "boom" acontecer em 2018, o poetry slam já acontece desde os anos 1980 na cidade de Chicago nos Estados Unidos. Embora seja conhecida como uma competição, esse encontro poético surgiu com uma proposta subversiva de ter um espaço para os poetas que escreviam, mas não tinha um público para compartilhar os textos. Marc Kelly Smith era um trabalhador da construção civil e foi o idealizador da competição, apesar de não ter uma experiência acadêmica em relação à literatura, encontrou nesse evento a possibilidade de romper as normas acadêmicas e fazer circular aqueles versos. Além disso, o título slam é muito utilizado para se referir a vitória de um mesmo atleta durante torneios de baseball e tênis. Ao chegar no Brasil o slam é acolhido pela juventude pobre, preta e periférica. Acontecendo em ruas e praças públicas por meio da ocupação desses espaços, os encontros poéticos têm circulado em todo o país acontecendo de norte a sul, por meio de uma arte unida ao desejo de transformar a sociedade. Essa juventude tem produzido riscos poéticos de sobrevivência por meio de suas narrativas, dentre estes destacamos as narrativas das mulheres que expressam suas vivências por meio de poesias na competição. Nos últimos cinco anos da competição nacional de slam, o Slam BR encaminhou pelo menos quatro representantes do país para a competição mundial de poesia que acontece na França anualmente. As representantes foram Bell Puã no ano de 2017, Kimani em 2019, Jessica Campos em 2020 e no ano de 2021 a poeta Joice Zau. Diante dessa participação das mulheres na competição desejamos aprofundar a discussão sobre essas narrativas e suas lutas pelo direito de estarem vivas e ser ouvidas. BIBLIOGRAFIA ADICHIE, Chimamanda N. 2019. O perigo da história única. São Paulo: Companhia das Letras. BENJAMIN, Walter. 1993. Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense. EVARISTO, Conceição. 2017. Becos da Memória. 200p. Rio de Janeiro: Pallas. SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, UFMG, 2010. VELHO, Gilberto. Projeto, emoção e orientação nas sociedades complexas. In: Individualismo e Cultura - notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Zahar,1981
Fazer cultura dá trabalho - breve estudo de caso sobre o Clube do Violeiro Caipira
Autoria:
Autoria: O Clube do Violeiro Caipira é uma entidade criada em 1993 com o intuito de oferecer um espaço de convivência para artistas profissionais, amadores e admiradores em geral da música caipira no Distrito Federal. Nos quase 30 anos de existência, a entidade vem atualizando suas formas de atuar, em um constante agenciamento de capital, seja financeiro ou simbólico. São cerca de 80 associados, capitaneados por Volmi Batista, um dos fundadores da entidade e presidente emérito, com maioria dos associados sendo do sexo masculino, entre 30 e 60 anos, moradores de cidades satélites do DF e que possuem alguma atividade laboral pouco especializada. Alguns iniciaram a vida artística no próprio Clube e hoje são atrações importantes nos eventos promovidos pela entidade. A partir de pequenos eventos realizados com fundos próprios enquanto momentos de lazer e convivência, iniciou-se uma relação com artistas, produtores e políticos da cidade, no que foi-se ampliando aos poucos o alcance e o porte das atividades. Nos anos 2000 inicia-se a "era dos projetos", com tímida captação de recursos e o surgimento de uma dimensão técnico-burocrática ainda mal compreendida. Entre 2010 e 2022, amplia-se significativamente a captação de recursos, em especial pelo Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal e por emendas parlamentares. Tais modalidades de financiamento, por aprofundarem a dimensão técnico-burocrática e administrativa, exigem estrutura de gestão, monitoramento e relatoria, criando novas áreas de atuação. Dada a crescente competitividade em editais de financiamento cultural, as atividades do Clube são ampliadas, também, para um campo político, com crescente relação com a Câmara Legislativa do DF e com o Congresso Nacional, seja pleiteando emendas parlamentares para os projetos, seja como "lobistas" da viola caipira, como exemplo, a instituição do Dia Nacional da Viola Caipira, no dia 13 de julho, atualmente em tramitação no Senado. Como dito acima, Volmi Batista é o principal interlocutor com a arena do poder político formal, sendo o capitalizador e capitaneador da força coletiva e tradicional que o Clube possui. Transitando em espaços privilegiados, se destaca no papel de fazer política e fazer cultura. Nem sempre as relações são bem fadadas, havendo sempre a possibilidade de uma "dívida" política ser trazida à tona, especialmente em época de eleição. Todo este processo é fonte de êxitos e possui uma dimensão de sonhos concretizados, porém, não deixa de pesar aos participantes mais antigos do Clube o rumo institucional e, de alguma maneira, corporativista que os processos sociopolíticos coordenados pelo Estado vão exigindo da entidade. Para além de um campo de lazer e identificação coletiva, torna-se também um lugar de trabalho - com suas virtudes e vicissitudes.
Feiras livres cariocas: uma etnografia situada entre o trabalho e o lazer
Autoria:
Autoria: O presente artigo discorre sobre as práticas de espaço (CERTEAU, 2014) possibilitadas pelo ato de "fazer a feira" (SATO, 2012, VEDANA, 2013) inscrito no contexto da metrópole carioca. A feira livre, no contexto do presente artigo, se situa como um potente espaço público para o trabalho e o lazer, tendo o comércio como mediação entre as modalidades descritas, possibilitando a produção de subjetividades e sociabilidades. A partir da observação participante, entrevistas, registros fotográficos e acompanhamento de páginas em redes sociais de duas das três feiras analisadas entre os anos de 2021 e 2022, a saber, a Feira Livre do Grajaú, a Feira da Glória e a Feira do Lavradio, analiso como se dão essas relações e suas significações para a construção de relações sociais nos espaços públicos da cidade do Rio de Janeiro, inscrevendo ainda essa análise no contexto da pandemia do Covid-19 e no que ela impactou nas formas de ser e estar nas feiras livres da cidade.
As políticas culturais, a burocratização e a profissionalização do popular: Refletindo "Mercados culturais" e as relações com o poder público na formação do profissional da cultura.
Autoria:
Autoria: Por cultura popular, de um modo geral, se faz possível compreender as práticas, costumes e tradições dos sujeitos que fazem parte da classe trabalhadora em oposição à classe mais abastada dentro da organização social. Dito isto, a cultura popular se caracteriza por sua diversidade e dentro desse universo, existem vários grupos, conhecidos também como brinquedos populares, cada um com sua história e razão de existir. Na maioria das vezes essas manifestações tiveram origem no trabalho, na lida pelo sustento e se caracterizavam enquanto tradição, sendo passadas de uma geração para outra através da oralidade e da prática dentro de determinados locais e organizações socioculturais. Nesse sentido, a partir da hipótese de que o capitalismo e o sistema burocrático influencia o modo como se organizam os grupos de cultura popular, a presente proposta busca refletir a categoria trabalho levando em consideração que os trabalhadores da cultura, estão se profissionalizando cada vez mais para lidar com as políticas públicas de cultura disponibilizadas pelo Estado, bem como passando a se dedicar de forma exclusiva a cuidar do processo gerencial e burocrático em relação ao desenvolvimento dos grupos. Buscando identificar no fazedor de cultura, um trabalhador que depende dos eventos públicos (por meio de editais e convocatórias) e privados para a garantia de seu sustento.