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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT63: Pesquisas sociais no mundo dos psicoativos

Roca Alencar, Regina de Paula Medeiros

Nos últimos anos, o campo do estudo do uso de substâncias psicoativas, até recentemente apanágio quase exclusivo dos estudos em saúde ou direito, vem também se desenvolvendo de forma muito rápida na antropologia. A nova, mas não inédita, atenção dada aos seus aspectos culturais traz uma série de implicações teóricas, metodológicas, políticas e éticas. Destacam-se aí conflitos entre abordagens teóricas baseadas no interacionismo simbólico e as norteadas pela teoria ator-rede e as questões metodológicas relacionadas a uma maior ou menor participação nas práticas pesquisadas e na militância de diferentes movimentos sociais. Surgem diversas indagações. Pode/deve o pesquisador usar substâncias psicoativas em campo junto com seus interlocutores? Qual o lugar da autoetnografia? Tampouco podem ser deixadas de fora questões éticas relacionadas ao estudo de populações com práticas ilícitas ou socialmente estigmatizadas. Que proteção se oferece aos sujeitos da pesquisa? E aos pesquisadores? Pensando nestas, propõe-se um grupo de trabalho para refletir sobre instrumentos metodológicos-teóricos- éticos que possibilitam a compreensão dos contextos sociais onde pesquisadores investigam distintas práticas de uso de psicoativos, sejam eles lúdicos, espirituais ou terapêuticos possam trazer à discussão os vários dilemas encontrados em seus estudos.

Palavras chave: substâncias psicoativas; metodologia qualitativa; ética
Resumos submetidos
Os "parceiros" e o uso de crack no velho centro de Belém-PA: cenas de uso, trajetos e pessoas em situação de desfiliação social
Autoria: Alan Pereira Dias
Autoria: O presente artigo tem por objetivo relatar a experiência etnográfica com pessoas que integram cenas abertas de uso de crack e/ou similares no velho centro de Belém, interações estabelecidas no segundo semestre de 2019 até meados de março de 2020, onde foi possível identificar as formas de sociabilidade (SIMMEL, 1983) e tipificações (SCHUTZ, 1979) empregadas por indivíduos que integram as cenas de uso da droga, em situação de rua ou que passam boa parte do tempo em espaços públicos, em contextos de precariedade e desfiliação social (CASTEL, 1997). Resultados que compõe a dissertação "A experiência espacial de pessoas que usam crack e/ou similares no Centro Histórico de Belém-PA: territorialidade e lugaridade no espaço público" (DIAS, 2021). A partir disso, intento enfocar os modos de abordagem dos interlocutores, o cotidiano para além do uso de crack e esboçar o posicionamento ético-político fornecido pela fenomenologia existencial (SIPAHI; VIANNA, 2001) atrelada à redução de danos (SODELLI, 2010), na pesquisa em contextos de uso problemático de drogas e vulnerabilidade social.
Experiências na tenda do suor
Autoria: Karina Rachel Guerra Braga
Autoria: Palavras chaves: antropologia da técnica, rituais, espiritualidade No mestrado em Antropologia Social investiguei as atividades de alguns dos atores que fazem parte do circuito neo-xamânico na Améria Latina, redes globais que ligam nativos das aldeias de diferentes etnias, e interessados que vivem em centros urbanos intercambiando saberes práticos e simbólicos. Participei de cerimônias de lua cheia e tendas do suor focalizadas por neo-xamãs, em Pium/RN, João Pessoa, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, até o vale sagrado dos Incas no Peru. Uma das práticas mais presente nos eventos é a tenda do suor, sauna sagrada ou Temascal, feita de varas flexionadas unidas em formato de iglu e revestida de cobertores, tendo em seu interior um espaço cavado onde eram colocadas, de forma cerimonial, pedras incandescentes recebidas como avozinhas pelos participantes em seu interior. Os encontros são realizados com o objetivo de proporcionar ao participante vivenciar a "cosmologia indígena" através de saunas sagradas, buscas da visão, ou cerimônias com bebidas sagradas tornando global o local. Nos eventos o uso de psicoativos como ayahuasca era recorrente, principalmente durante a busca da visão e em rituais de lua oferecidos com ou sem tenda do suor. Participando do evento integralmente optei por fazer uso dos psicoativos, pela possibilidade de uma experiência mais completa do campo. O uso da ayahuasca e a participação na tenda do suor além de intensificar a vivência no campo me levaram a refletir sobre memórias pessoais que emergiam a cada experiência. Algumas reflexões surgiram durante e a pesquisa: Além de não poder gravar e estar afetada com a vivência, como distinguir o que era meu e o que era do outro? No contexto, minha posição era de cliente e pesquisadora, enquanto cliente eu tinha meu estado psicológico e fisiológico sensível com reações como vomitar e ter visões, além da atuação do xamã, suas palavras suas observações a respeito do meu estado naquele momento. Enquanto pesquisadora buscava discernimento poder observar além de mim mesma e o dilema de estar ou não na situação de ser afetado e quanto poderia confiar nas minhas observações? e o quanto eu estaria dando conta do como estava afetada ou não naquele momento? considerando o contexto terapêutico o quê poderia ser descrito que não comprometesse a minha privacidade e a dos participantes,? Questões metodológicas sobre o que deveria estar ou não descritas, e como e onde deveriam estar no texto acadêmico permearam o trabalho.
Narrativas sobre a "maconha medicinal": experiências a partir de um coletivo canábico
Autoria: Rebeca Sophia Lima Azeredo
Autoria: Este trabalho tem como objetivo principal descrever o papel desempenhado pela sociedade civil no Brasil com relação à utilização da maconha para fins terapêuticos. Através da observação das atividades realizadas por um coletivo canábico, proponho demonstrar como se dá o auxílio a pacientes e familiares/responsáveis para acessarem esse tipo de tratamento. O grupo em questão conta com uma rede de apoio médica, jurídica e técnica de cultivo que tem como finalidade amparar pessoas que buscam esse tipo de tratamento para diversas doenças e patologias, como Parkinson, autismo, Alzheimer, câncer, ansiedade, depressão, entre outras. A metodologia utilizada nesta pesquisa é baseada na observação participante que venho realizando junto ao coletivo. Participo voluntariamente enquanto colaboradora na organização e no suporte das atividades de atendimento e acompanhamento médico do coletivo e consequentemente no auxílio às demandas burocráticas e jurídicas que surgem a partir disso para utilização da canabis. A participação ativa enquanto colaboradora me permite estabelecer interlocução tanto com a equipe, como com os próprios pacientes e familiares/responsáveis, construindo relações afetivas e de confiança com os atores do campo. Isso me garante a circulação por espaços de construção de saberes médicos, jurídicos e populares, campos de disputa, interação e acolhimento. Dessa maneira, tenho como objetivo principal observar a busca pelo acesso à maconha como via de tratamento, através de um coletivo pautado no apoio a pacientes e familiares. Durante a minha pesquisa, procuro colocar em primeiro plano esses indivíduos e suas estratégias de acesso, explicitando a relação entre questões morais, de saúde e de justiça, além de categorias acionadas durantes este percurso.
"Vou abrir minha Jurema": Vivências Terapêuticas em Sergipe
Autoria: Aparecida Santana de Jesus
Autoria: Este trabalho tem como tema central o uso da Jurema em contextos terapêuticos. Com este trabalho, busquei compreender as práticas e sentidos associados ao uso da Jurema no contexto dos rituais neoxamânicos urbanos, tomando como referência um espaço terapêutico localizado em Sergipe. Para isso, realizei a pesquisa no período de 2019 a 2021, utilizando diversas estratégias metodológicas. Em um primeiro momento, fiz trabalho de campo, observação participante, e tive a oportunidade de estabelecer diálogo direto com alguns interlocutores. Para isso, utilizei também parte de minhas experiências enquanto participante deste universo e das redes de contato que estabeleci ao longo de minha própria caminhada, bem como interações. No início de 2020, no entanto, em razão das medidas preconizadas pelas autoridades sanitárias para distanciamento social frente à Pandemia da Covid19, passei a realizar a pesquisa utilizando o meio virtual. Com isto, realizei entrevistas de forma on-line com alguns informantes chave, participei do grupo de WhatsApp dos integrantes, acompanhei lives, vídeos e outras atividades ligadas ao centro terapêutico. Percebi que o elo central dessas vivências terapêuticas gira em torno da Jurema. Os integrantes buscam superar as atribulações diárias da vida por meio do uso desta planta de poder. Para eles, a Jurema parece trazer clareza e entendimento para o que cada um necessita, mas também mostra o que se precisa melhorar, resolver.
Desenhos produzidos durante cerimônia transreligiosa na Arca da Montanha Azul: intersecções em arte e o processo de cura
Autoria: Frederico Romanoff do Vale
Autoria: Este trabalho objetiva apresentar ao GT os avanços obtidos nos últimos anos através da pesquisa de mestrado que teve como objeto de estudo os desenhos produzidos durante cerimônia transreligiosa na Arca da Montanha Azul. Uma casa autointitulada "círculo holístico", que faz uso de plantas medicinais durante as suas cerimônias, notadamente a ayahuasca e o rapé. O trabalho objetiva então observar a relação entre a produção desses desenhos e o chamado "processo de cura". Considerando essa categoria tanto do ponto de vista nativo quanto do ponto de vista da bibliografia que informa o campo da antropologia da saúde e da arte. Será apresentada também a posição do investigador enquanto praticante da casa em estudos. Quais as possibilidades de estudar os "outros" em processo de cura, quando, em verdade, o pesquisador também pode ser considerado o outro? Quais mecanismos são possíveis aqui para estranhar o familiar e assim produzir uma antropologia da alteridade?