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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR06: Agenciamentos coletivos e pluralismo terapêutico nas redes de cuidado

Coordenação: Octavio Bonet (UFRJ)

Debatedor/a: Octavio Bonet (UFRJ)
Participantes: Fátima Tavares (UFBA), Natália Fazzioni (Fiocruz), Eugenia Brage (Centro de Estudos da Metrópole, USP, CEBRAP)

Resumo:
A Estratégia Saúde da Família (ESF) enquanto territorialização das redes de cuidado biomédicas, no âmbito do SUS, precisa "conviver" com redes de cuidados intersticiais que tensionam, complementam e transformam o trabalho das equipes de saúde. Esta Mesa Redonda busca lidar com alguns desses desafios no agenciamento cotidiano da ESF por meio da apresentação de contextos etnográficos diferenciados, como periferias urbanas e quilombos, e temáticas diferenciadas, saúde mental, violência, trauma, cuidado e migrações. Nosso ponto de partida é suspeitar de clivagens que separam os cuidados médicos dos cuidados "tradicionais" - populares, religiosos e/ou etnicamente situados - para investir em novas formas de conceituar a pluralidade contemporânea do cuidado. Para isso, precisamos de: 1- reconhecer a capilaridade do processo de medicalização da sociedade contemporânea, mas suspeitar que seus resultados sejam os esperados pelos setores envolvidos com essas políticas; 2- não estabilizar as relações entre biomedicina e outras formas de cura não biomédica e 3- suspeitar da diversidade terapêutica como um dado autoevidente e, assim, fazê-la "emergir" enquanto resultado de processos de uma configuração do social. Esta perspectiva permitirá explicitar e visualizar as controvérsias, diálogos e agenciamentos coletivos nos quais estão implicados mediadores muitos diversos como o Estado, a ciência biomédica, as políticas públicas, os movimentos sociais e os grupos religiosos.

Palavras chave: pluralismo terâpeutico; redes de cuidado; controversias
Resumos submetidos
"É assim que a covid se cura": Pragmatismo terapêutico e "saber-fazer" popular durante a pandemia da Covid-19 entre imigrantes bolivianxs em São Paulo.
Autoria: Eugenia Brage
Autoria: Neste trabalho apresento reflexões que emergem de uma etnografia desenvolvida no contexto da pandemia da COVID-19 com mulheres (cis) bolivianas no Bairro de Bom Retiro, na região central de São Paulo, no período de agosto de 2020 e dezembro de 2021. A etnografia teve como principais cenários uma Unidade Básica de Saúde, uma cooperativa têxtil criada durante a pandemia e integrada por mulheres bolivianas e, por último, as casas particulares destas mulheres, as quais tive acesso nas visitas domiciliárias realizadas junto a uma agente comunitária de saúde, também boliviana. O objetivo é refletir sobre o que aqui chamo de "pragmatismo terapêutico" e "saber-fazer popular", duas categorias que extrapoladas ao campo da saúde, me permitem mostrar que as ações cotidianas desenvolvidas para resolver problemas específicos em contexto de crise estão ancoradas à uma memória longa de sobrevivência e resistência. Levando em consideração estas questões, assim como o papel central da estratégia saúde da família no acesso à saúde destas populações, cabe a pergunta sobre quais articulações se entretecem no cotidiano, quais tensões emergem e quais soluções as pessoas encontram diante de diversos problemas que percebem afetando à saúde.
A experiência de estudantes de medicina na Atenção Primária à Saúde em áreas de favela no Rio de Janeiro: saberes e agenciamentos em reflexão
Autoria: Natália Fazzioni
Autoria: O trabalho busca refletir sobre a experiência de estudantes de medicina durante o internato em Atenção Primária à Saúde, realizado em áreas de favelas no Rio de Janeiro. Como supervisora destes alunos durante este período, também busco refletir sobre os lugares possíveis do conhecimento antropológico na formação de profissionais na área da saúde. Tenho como ponto de partida a relativa democratização do acesso aos cursos de medicina nos últimos anos - a partir de políticas de ações afirmativas e de um período de maior estabilidade econômica no Brasil - que diversificaram em termos de classe, raça, religião e outros marcadores, o perfil predominante de alunos em universidades públicas. Considerando este cenário, analiso um conjunto de discussões feitas com alunos que revelam de que maneira estes mobilizam em sua prática formativa elementos que derivam de suas origens, crenças e experiências de vida, conferindo novos sentidos e agenciamentos às práticas terapêuticas que realizam. O pluralismo terapêutico aqui então emerge não enquanto uma espécie de atributo médico, tal como a "competência cultural" (categoria própria da Medicina de Família e Comunidade), mas no entendimento de que os marcadores sociais da diferença são também elementos mediadores da relação que estabelecem com o espaço e as pessoas que atendem. Finalizo, refletindo sobre os desafios da participação de antropólogos na formação profissional médica, onde mesmo nos campos que se contrapõe ao determinismo biomédico, há uma difícil entrada de reflexões que buscam desconstruir a hegemonia do privilégio epistêmico.
Racismo terapêutico em contextos quilombolas
Autoria: Fátima Tavares
Autoria: O trabalho toma como ponto de partida a crescente visibilização da diversidade terapêutica contemporânea como um problema conceitual (antropológico), isto é, não como um ponto de partida (a diversidade como fato), mas para transformá-la naquilo que se pretende compreender (a diversidade como cosmopolítica). O foco recai nos limites na "formatação" universalizante das políticas públicas de saúde, que atravessam o cotidiano das demandas diferenciadas, tendo como contexto etnográfico a diversidade terapêutica em comunidades quilombolas no município de Cachoeira, Bahia, atravessadas por demandas universalizantes da Estratégia Saúde da Família (ESF) e por movimentos moleculares que desestabilizam as orientações medicalizantes. Por meio da conceituação do racismo terapêutico pretendo situar as assimetrias em torno da "especificidade" quilombola no contexto das políticas universalizantes em saúde, que restringem seu reconhecimento à dimensão "cultural" daqueles agenciamentos.