Check
ISBN: 978-65-87289-23-6
MR22: Duzentos anos do Tribunal do Júri no Brasil: gênero, mídia e direitos em disputa

Coordenação: Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (USP)

Participantes: Rochele Fellini Fachinetto (UFRGS), Luiz Eduardo de Vasconcellos (UFRJ), Danni Sales (Ministério Público do Estado de Goiás)

Resumo:
Em 18/06/1822, um decreto de D. Pedro I instituiu o Tribunal do Júri no Brasil, prevendo a sua competência para julgar “causas de abuso da liberdade da imprensa” e determinando que “24 cidadãos escolhidos de entre os homens bons, honrados, intelligentes e patriotas” seriam os “Juizes de Facto”.
Desde então, sua persistência e as muitas reformas pelas quais passou expressam tensões centrais pertinentes a conceitos e direitos como cidadania e liberdade, dentre muitos outros.
Destacaremos questões especialmente relativas ao gênero de réus e vítimas, reportando-nos à recente lei que aprovou o feminicídio (13.104/2015) e tem levado aos plenários casos de violência doméstica e familiar, bem como debates sobre o que configura “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
A partir da análise do também recente e em andamento caso da ex-deputada federal Flordelis, acusada de mandar matar o marido, abordaremos a relação entre Júri e imprensa, ambos responsáveis pela (des)construção de sujeitos morais e de suas imagens públicas.
O tema do processo de tomada de decisão pelos jurados que, no Brasil, dentre outras peculiaridades, são submetidos ao princípio da incomunicabilidade, sendo-lhes vetado deliberar coletivamente, também será abordado.
Enfim, frente a outros modelos de Júri, o brasileiro tem certas características que merecem análises acuradas, pois o que se apresenta nas arenas jurídicas é o que também está em disputa no campo sociopolítico.

Palavras chave: Tribunal do Júri; gênero; mídia4
Resumos submetidos
Homicídios ou feminicídios? As disputas jurídicas e morais no Tribunal do Júri em casos de violência letal contra as mulheres
Autoria: Rochele Fellini Fachinetto
Autoria: A violência letal contra mulheres emerge como pauta no debate público no Brasil no final dos anos 70, a partir de um caso bastante emblemático da justiça brasileira que foi o assassinato da Ângela Diniz por seu então companheiro Raul Fernando do Amaral Street. O caso teve ampla repercussão na mídia e, em decorrência da absolvição do réu no primeiro julgamento, grupos feministas se mobilizaram e não apenas passaram a denunciar a violência contra as mulheres como se posicionaram contra o desfecho jurídico, problematizando a atuação da justiça nesses casos. Desde então, não apenas um conjunto de políticas públicas passaram a ser implementadas na sociedade brasileira visando o enfrentamento da violência contra a mulher, como também se constitui um campo de estudos muito profícuo, que analisa tanto os fenômenos de violência contra a mulher quanto a atuação do sistema de justiça criminal nestes casos. Entretanto, diante não apenas da permanência de altos índices de variadas formas de violência contra a mulher, mas sobretudo, pelo crescimento expressivo dos homicídios de mulheres no Brasil desde a década de 80, foi sancionada em 09 de março de 2015, pela então presidenta Dilma Rousseff, a Lei 13.104 que prevê o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e o inclui no rol de crimes hediondos. A lei estabelece que o feminicídio ocorre contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, que ocorre quando o crime envolve violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Essa alteração normativa tenciona mudanças nos procedimentos do sistema de justiça criminal, tanto do ponto de vista da investigação, quanto na instrução criminal e nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, a partir do momento em que a própria categoria do feminicídio torna-se um objeto de disputa jurídica - no sentido de sustentar pelas provas apresentadas e pela configuração do crime em quais situações se aplica a qualificadora de feminicídio. Nesse sentido, a proposta desta exposição consiste em refletir como a inclusão da categoria feminicídio vem sendo recepcionada no âmbito dos julgamentos pelo Tribunal do Júri. Buscando comparar julgamentos em casos de homicídio de mulheres com aqueles nos quais a qualificadora de feminicídio foi utilizada, tencionamos aprofundar a reflexão sobre como o marcador de gênero é mobilizado nestes casos, como são sustentadas as teses em torno do "menosprezo ou discriminação à condição de mulher" e quais as disputas jurídicas e morais que tomam espaço nesses julgamentos.
Entre verdades, moralidades e práticas discursivas: o Caso Flordelis e o tribunal do júri
Autoria: Luiz Eduardo de Vasconcellos
Autoria: A presente apresentação tem por objeto a descrição e análise das condições de produção discursiva e o lugar dos juízos morais (julgamentos morais) nos contextos das práticas institucionais da Imprensa e da Justiça Criminal (tribunal do júri), no que se refere ao caso criminal da pastora Flordelis, acusada de ser a mandante da morte do seu esposo, o pastor Anderson (caso de repercussão midiática). Partimos da posição analítica de que as verdades jurídica e jornalística são os produtos mais acabados das lógicas de funcionamento de certas instituições. Seguindo esta afirmação, podemos dizer que a verdade é um efeito de sentido. Por outro lado, buscamos compreender o lugar dos juízos morais nas práticas institucionais. As práticas discursivas que constituem os processos de construção da notícia (Imprensa) e de documentos judiciários (no Inquérito Policial e Processo Judicial) encontram-se atravessados por avaliações/julgamentos morais dos atores envolvidos nos eventos interpretados como crimes. Todo esse conjunto de práticas desagua no palco do plenário do tribunal do júri. O julgamento moral é elemento constitutivo das práticas judiciárias e jornalísticas e se encontra profundamente implicado no processo de produção da verdade.