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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR10: As emoções em processos judiciais e seus rendimentos analíticos

Coordenação: Claudia Barcellos Rezende (UERJ)

Participantes: Waleska Aureliano (UERJ), Sílvia Bofill-Poch (Universitat Barcelona), Ceres Gomes Víctora (UFRGS)

Resumo: 
Esta proposta de mesa-redonda surge da interlocução iniciada com o Grupo de Trabalho Antropologia das Emoções da Associação Latinoamericana de Antropologia, formalizado em 2021. Neste grupo, exploramos, por meio de diversas atividades, os rendimentos de construção das emoções como objeto da investigação antropológica. Na presente proposta de mesa-redonda, buscamos examinar o trabalho político das emoções em fenômenos da chamada “esfera pública”, em particular em processos judiciais em torno da reparação, de direitos à saúde e das relações de trabalho. Distanciando-nos da visão dos sentimentos como experiências individuais e privadas, pretendemos realçar o potencial das emoções como meio de análise das dinâmicas de relações e estratégias mobilizadas na judicialização de arenas diversas. Interessa-nos compreender como a concepção sobre o que é “justo” é produzida na articulação com moralidades e afetos, diante de relações assimétricas entre sujeitos e/ou instituições envolvidos em processos judiciais, com exemplos do Brasil e da Espanha. Com isso, queremos enfatizar a capacidade das emoções de dramatizar, fortalecer e/ou modificar relações de poder e hierarquia.

Palavras chave: emoções; judicialização; moralidades
Resumos submetidos
Direito, justiça e moralidades: as emoções na judicialização da saúde no Brasil
Autoria: Waleska Aureliano
Autoria: Reflito nessa apresentação como as emoções (esperança, medo, raiva e indignação) são mobilizadas no debate sobre a judicialização da saúde no Brasil, por diferente atores, em articulação com as ideias de "escassez" e "direito à saúde" que orientam historicamente a construção do nosso sistema público de saúde. Em nosso passado recente, as ações judiciais passaram a se constituir como pretensa forma de acesso aos direitos em saúde, especialmente para pacientes com doenças que demandam tratamentos considerados de alto custo ou ainda não aprovados no país, como é o caso das pessoas vivendo com algumas doenças raras, foco deste trabalho. Governo, sociedade civil e indústria farmacêutica têm se articulado em torno do poder judiciário em disputas que envolvem o direito constitucional à saúde, os limites orçamentários do Estado e os interesses comerciais do mercado. Nesse cenário, pacientes com doenças raras e suas famílias afirmam suas demandas em termos de acesso à saude e direito à vida, buscando sensibilizar gestores e sociedade para suas espeficidades. No entanto, se por um lado vêem suas pautas sendo bem acolhidas e dando visibilidade ao tema das doenças raras, por outro consideram que são moralmente criminalizados nas disputas discursivas que marcam o debate sobre a judicialização da saúde no Brasil, principalmente entre 2016-2017 quando duas ações sobre o fornecimento de medicamentos de alto custo chegaram ao STF. A análise ancora-se em pesquisa etnográfica realizada ao longo de quase seis anos, envolvendo trabalho de campo em hospitais, associações de pacientes, participação em eventos científicos e entrevistas realizadas com pacientes, familiares, profissionais de saúde e agentes do governo federal. Também foram utilizados materiais de internet/documentos, pricipalmente matérias jornalísticas publicadas em 2016-2017 sobre o tema.
"Vamos lembrar que os responsáveis também têm família": o recurso das cartas psicografadas no julgamento dos réus da boate Kiss
Autoria: Ceres Gomes Víctora, Monalisa Dias de Siqueira
Autoria: Nesta comunicação pretendo apresentar uma análise sobre os recursos emocionais mobilizados pelas equipes de advogados de acusação e defesa durante o julgamento dos réus do incêndio da boate Kiss, nove anos após a tragédia ocorrida na cidade de Santa Maria em 2013. Baseada em pesquisa etnográfica de longa duração junto a familiares de vítimas e em análise específica do julgamento ocorrido em dezembro de 2021, tomo como foco a tentativa da advogada de defesa de comprovar a inocência de um dos réus, o então proprietário da boate, através do uso de uma carta psicografada recebida pela família de um dos jovens falecidos no incêndio que consta de um livro coletivo publicado por uma comunidade Kardecista. Sentimentos de justiça dos homens e justiça de Deus entram em conflito e mobilizam de formas diferentes familiares, jurados, advogados e público em geral em torno não apenas do emprego por parte da defesa da carta não autorizado pelos familiares, como também da narração performática do texto durante o julgamento. Embora não seja inédito na história jurídica do Brasil o recurso a cartas psicografadas em tribunais de júri, trata-se de um recurso bastante controverso do ponto de vista institucional. No caso do júri da boate Kiss, a gravação da leitura da carta realizada por narrador profissional com uma voz que evocava o sobrenatural e o misterioso na última sessão do júri, colocou em jogo moralidades e afetos que se dividiram entre o reconhecimento da legitimidade do uso "depoimentos póstumos" e a ilegitimidade do uso de uma "carta consoladora", como são conhecidas no meio espírita, produzida originalmente para outros fins.
Direito, emoções e moralidades: experiências judiciais de empregadas domésticas migrantes na Espanha
Autoria: Sílvia Bofill-Poch
Autoria: Esta comunicação faz parte de um estudo mais amplo sobre o acesso à justiça para mulheres imigrantes na Espanha que trabalham no setor do emprego doméstico. Analisamos como a falta de proteção jurídica sofrida pelas trabalhadoras em termos de emprego se estende à esfera judicial, violando o direito fundamental de acesso à justiça. Na linha dos recentes trabalhos antropológicos sobre litígios judiciais que analisam a articulação entre as dimensões jurídica e moral da lei, mostramos os pressupostos morais que estão subjacentes às narrativas judiciais, bem como os antecedentes socioculturais (preconceitos, estereótipos...) que influenciam a práxis judicial. Aqui a linguagem das emoções mostra-se muito relevante para iluminar a dinâmica de exclusão a que as trabalhadoras estão sujeitas, bem como as estruturas desiguais que sustentam o sistema de cuidados.