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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR42: O trabalho animal e o trabalho com animais: possíveis leituras nas Ciências Sociais brasileiras

Coordenação: Felipe Vander Velden (UFSCar)

Debatedor/a: Ana Paula Perrota (UFRRJ)
Participantes: Edi Alves de Oliveira Neto (IFMT), Luisa Amador Fanaro (UFSCar), Marília Floôr Kosby (UNIPAMPA)

Resumo:
Propomo-nos nesta mesa a discutir sobre as contribuições teórico-metodológicas e etnográficas produzidas no Brasil que se preocupam em refletir sobre o que é o trabalho animal e o trabalho com animais, em cenários brasileiros e latino-americanos, e o que ele pode nos ensinar sobre o próprio trabalho humano. A temática do trabalho animal, apesar de já constituir objeto relativamente consagrado nas Ciências Sociais em outras regiões, reclama maior consideração em terras sul-americanas. A ideia deste debate surgiu justamente por conta dessa carência, que parece apontar para um não reconhecimento, nas Ciências Sociais latino-americanas, de que os animais também podem ser trabalhadores, adentrar o mundo do trabalho e mesmo, talvez, compor com a classe trabalhadora - constituindo com ela relações que podem ser tanto de antagonismo quanto de cooperação. À parte as discussões que convergem principalmente para o direito e a proteção animal, os estudos antropológicos e sociológicos a respeito das relações entre humanos e animais na América Latina, seja na etnologia, seja em contextos urbanos ou rurais, nada ou quase nada dizem sobre o trabalho que esses não humanos eventualmente executam, produzem, podem vir a produzir ou lhes é extraído. Para além de abuso, exploração e controle, trabalhar com animais também envolve comprometimento de ambas as partes e uma negociação constante, às vezes difícil, plena de múltiplos tensionamentos, mas seguramente caracterizada pela mútua afetação.

Palavras chave: Animais; Trabalho; Direitos
Resumos submetidos
Sobre Cães Policiais e seus parceiros humanos: trabalho animal e sociologia interespécie
Autoria: Edi Alves de Oliveira Neto
Autoria: Esta exposição vai tratar de algumas questões que desenvolvi em minha tese de doutorado, que teve como objeto de estudo a relação entre humanos e cães no contexto do trabalho de polícias e bombeiros militares do Distrito Federal. O objetivo geral foi avançar na compreensão dessas instituições, de seus agentes e da relação entre eles e a sociedade, a partir da análise sociológica da relação humano-cão. Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram observação e entrevistas semiestruturadas. A análise e a interpretação dos dados foram amparadas metodologicamente pela Teoria das Representações Sociais. Pelo discurso dos atores, denominados cachorreiros, busquei os núcleos de sentido que compõem suas representações sobre sua identidade, sobre seu trabalho, e, principalmente, sobre sua relação com os cães. A análise dos dados revelou que a relação cachorreiro-cão coloca os cães em posições que extrapolam sua representação como ferramenta do trabalho policial, revelou, ainda, que essa relação é permeada por ambiguidades que expressam seu contexto social. O cão policial transita entre diferentes dicotomias - como objeto-sujeito, ferramenta-trabalhador, agente ativo-agente passivo, animal de trabalho-pet, dentre outras - produzindo e reproduzindo as ambiguidades que estruturam a realidade social compartilhada por eles e seus condutores humanos, revelando -se um achado significativo para o avanço da relações polícia- sociedade. Para este momento, destacarei a formação do cão policial, como uma forma de domesticar os próprios policiais, em processos de intersubjetividade que possuem como característica convergente serem singulares para cada binômio humano-cão. Além deste, considero achados importantes da pesquisa: a)a constatação de que o cão tende a se destacar como um ator social pleno, servindo como lubrificante social na relação entre polícia, bombeiros e sociedade, integrando a identidade profissional individual e coletiva dos cachorreiros; b) a atuação do cão como mediador social das relações entre atores e entre instituições, permitindo a construção de redes de relações entre cachorreiros; c) o fato de que o trabalho desenvolvido pelos policiais cachorreiros parece caminhar para uma redução da violência resultante do uso da força, na contramão do que é verificado no restante da atividade policial.
Cães de trabalho na América do Sul: reflexões sobre treinamento e genética a partir de dois contextos distintos
Autoria: Luisa Amador Fanaro
Autoria: Nesta apresentação, minhas intenções são refletir a respeito dos distintos modos de se fazer cães de trabalho em dois contextos na América do Sul: o primeiro diz respeito à prática turística do trenó puxado por cães em Ushuaia, Argentina; o segundo, ao cultivo e à caça de trufas no Chile central. Em Ushuaia, fazer um cão de trenó se refere, principalmente, à manutenção dos genes "ancestrais" e do instinto dos animais. Se, por um lado, ensinar um cão a tracionar um trenó é, de certa forma, constituir com ele uma relação de codomesticação, produzida pela convivência, por outro, esses cães são geneticamente "programados" para o trabalho em questão. Para os mushers - os humanos que conduzem os trenós -, correr e tracionar são práticas que remetem os cães a um "passado ancestral", no qual, aparentemente, já eram animais domesticados e já trabalhavam com e para os humanos. Esses cães, nas suas origens, parecem já ser animais de trabalho. No Chile, por sua vez, ensinar aos cães o trabalho de buscar trufas consiste, principalmente, em ensiná-los a perseguir um aroma que "naturalmente" não perseguiriam - em outras palavras, consiste em modificar sua "natureza". Para isso, esses cães são ensinados, desde o nascimento, a caçar trufas; aprendem a associar o aroma, a rastreá-lo e, por fim, a marcar sua localização com as patas. Em todas as etapas do aprendizado, os animais devem ser premiados com petiscos quando fazem corretamente o que lhes é demandado, de forma que sejam estimulados e motivados a continuar. Para eles, a aprendizagem deve ser um jogo. Não obstante, a seleção genética também faz parte do processo do "fazer" um cão trufeiro; apesar de estes não serem cães que "nasceram" caçadores de trufas, certas características, como resistência, inteligência e capacidade olfativa, são muito valorizadas na escolha dos cruzamentos. Treinar cães de trenó com genética significa, afinal, "aperfeiçoar a natureza" desses cães, traçar um "plano", de maneira a lograr animais que são "naturalmente" puxadores de trenós; no Chile, ensinar cães a caçar trufas tem que ver, principalmente, com ensiná-los a perseguir um aroma que lhes é "antinatural", a "ir contra" sua natureza - um Terrier Chileno trufeiro, por exemplo, não deve, nunca, ser estimulado a caçar coelhos, pois isso "ativaria seu instinto". Nesse sentido, o que pretendo apresentar aqui são algumas reflexões a respeito dos modos de se fazer um cão de trenó na prática turística em Ushuaia e um cão trufeiro no contexto da truficultura no Chile, levando em conta a centralidade da genética e do processo de aprendizagem em ambos os contextos, e como estes fazeres estão relacionados aos trabalhos dos cães. Ao que tudo indica, fazer cães de trabalho tem a ver com diferentes formas de se articular treinamento e genética.