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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT39: Espiritualidade na Cidade

José G Magnani, Carlos Steil

Há algum tempo, os cientistas sociais da religião têm chamado a atenção para o fato de que o campo religioso está se tornando cada vez menos o campo das religiões. Tornou-se recorrente, nos meios escolarizados urbanos, a afirmação de pessoas que se reconhecem como espiritualizadas, mas não religiosas. Neste mesmo sentido, a interpretação dos dados do Censo/2010, relativos aos 8% dos que se declaram sem religião, tem destacado que esta porcentagem pode abrigar muitas pessoas que têm práticas espirituais fora do enquadramento institucional das religiões estabelecidas. A experiência que temos nos campos da antropologia urbana e da religião mostra que têm sido recorrentes pesquisas etnográficas sobre práticas espirituais e rituais de indivíduos e grupos que se definem em oposição às formas institucionalizadas de presença da religião na sociedade ou que se reproduzem, incorporando o mínimo de organização institucional. Reunir e pôr em diálogo algumas destas pesquisas e estimular o debate sobre a incidência e implicação destas experiências na reconfiguração do campo religioso na cidade, é o objetivo deste GT.

Palavras chave: Espiritualidade; antropologia urbana; religião
Resumos submetidos
Movimentações em torno de um feminino sagrado: os Círculos de Mulheres em Fortaleza (Ceará) e as novas espiritualidades
Autoria: Raquel Guimarães Mesquita, Cristian S. Paiva
Autoria: Na cidade de Fortaleza, no nordeste brasileiro, observa-se a partir da década de 2010, uma movimentação em torno de uma espiritualidade feminina que busca resgatar a "força" de um feminino ancestral, ocultado pelo estilo de vida moderno. As mulheres participantes, no geral, brancas, escolarizadas e da classe média, reúnem-se em "Círculos de Mulheres", espaços de fala e escuta que podem se estruturar de modo mais vivencial e ritualístico, com cânticos e danças ou mais "mentais", funcionando como uma espécie de grupo de leitura e estudo. Independente do formato, a noção de que o feminino moderno está ferido e precisa ser curado se repete, marcando esses espaços com a noção de "cura". Além disso, essa espiritualidade também gira em torno das noções de autoconhecimento, expansão da consciência e práticas terapêuticas (esotéricas e tradicionais). No ano de 2019, acompanhou-se seis círculos de mulheres, além de eventos, cursos e workshops relacionados à temática, notando-se que nesses espaços a "religião" é eclipsada pela noção de "espiritualidade", deslocando o sagrado de espaços institucionais para uma vivência mais fluida e extremamente individualizada. Para Guerriero (2006), é notório que as religiões estão em um processo de transformação e um novo campo religioso vem se configurando de modo muito distinto da visão tradicional da religião, ligada à noção de Igreja. Esse novo campo religioso é mais amplo, agrupando expressões e práticas que buscam uma expansão da consciência e uma elevação espiritual, podendo ser identificado como "religiosidade", "espiritualidade", "nova era", "religiões alternativas" ou mesmo "Novos Movimentos Religiosos", como o autor defende. As modificações por que a religião passa não se configura como um movimento organizado e único, mas antes se remete à ideia de mudança como fluidez e contínuo movimento. Na medida que o número de religiões cresce, o sujeito "livre" tem a possibilidade de escolher qual experiência religiosa vivenciar, quais valores aderir, podendo -ele mesmo- fazer múltiplas colagens de crenças e práticas, de modo que dê conta de suas inquietações pessoais. É nesse amplo espectro religioso que situamos as atividades em torno de uma Espiritualidade Feminina que reivindica uma retomada do poder pessoal através do autoconhecimento, do acolhimento da sua natureza sagrada e da cura de um feminino ferido por uma cultura linear e masculina.
Corporalidades e socialidades nas experiências e práticas de Yoga em espaços públicos
Autoria: Camila Sissa Antunes
Autoria: Este trabalho procura analisar as articulações entre saúde, espaços públicos e espiritualidade, a partir de um olhar sobre as práticas de yoga no contexto urbano, descrevendo as socialidades e mútuas construções de corpos e de lugares em eventos nos quais dezenas ou centenas de praticantes se reúnem para compartilhar e expressar sua corporalidade, suas crenças e modos de ser e estar no mundo a partir de práticas coletivas de yoga. O espaço público é eleito como lugar privilegiado para estas expressões justamente por ser este cenário de visibilidade e significados, mas que pode, ao mesmo tempo, ser concebido como um espaço inconsistente, instável, fluido, com a característica de estar sempre se estruturando (Delgado, 1999; 2007). Enquanto prática "globalizada" o Yoga vem passando por um processo de patrimonialização, com sua inclusão nos espaços políticos globais e institucionalizados que a reconhecem e a celebram como expressão e ferramenta transcendental para a busca da paz mundial e da sustentabilidade. O Yoga foi incluído na lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO em 2016 e desde 2015 vem sendo celebrado no dia 21 de junho o Dia Internacional do Yoga. No mundo inteiro, e incluindo o Brasil, este dia é marcado por eventos em espaços públicos, geralmente reunindo muitos praticantes para aulas de Yoga em locais de destaque nos centros urbanos, repercutindo com seu impacto visual e que destoa da rotina destes locais, criando um evento/situação que traz não apenas novas perspectivas sobre este próprio espaço como engendra dinâmicas relacionais, sensoriais e cognitivas que nos interessam analisar. Os corpos dos praticantes sincronizados em posturas e movimentos, os silêncios, os sons, a organização do ambiente, são alguns dos elementos que são analisados. Apesar de sua ampla definição como uma atitude, um sistema filosófico, um conjunto de práticas, um modo de estar no mundo, cada experiência em Yoga se define em especificidades, localizadas dentro contextos históricos particulares, atravessados e adjetivadas por outros marcadores sociais relevantes. Nossa intenção assim é apresentar uma leitura desses eventos em espaços públicos como contextos que produzem corpos, subjetividades, socialidades e agências, através de práticas, sentidos e discursos (orais, visuais, corporais) dos sujeitos, e para tal são analisados os significados e os circuitos (Magnani, 2014) estabelecidas na experiência da prática de Yoga em espaços públicos. Serão analisados os eventos realizados no dia Dia Internacional do Yoga (no período de 2018 a 2022), propondo olhar para as interações entre humanos, não humanos, objetos, sons, meio ambiente, emoções, sentidos, corpos, que ocupam as cidades de maneira transitória, e ao mesmo tempo potente e significativa.
"WitchTok": reflexões sobre bruxaria e práticas ocultistas virtuais na pandemia
Autoria: Raisa Sagredo
Autoria: O contexto pandêmico inaugurou um tempo de desafios, novas experiências e crises materiais e psicológicas que abalaram os seres humanos em escala global. Essa nova crise foi fenômeno sanitário e também da subjetividade humana, uma crise que pode ser interpretada como um momento de expansão da "consciência de totalidade global" (Robertson, 2000). Para alguns, nessas experiências de redescoberta do voltar-se para si e para a natureza, a busca por experiências de espiritualidade ganhou destaque. Práticas ocultistas e bruxaria ressurgiram com força e com uma nova roupagem: virtualmente, através do popular aplicativo de vídeos curtos TikTok. O boom dos temas bruxólicos e ocultistas na plataforma popularizou-se a partir do uso da #WitchTok, onde feitiços, rituais, ensinamentos, oráculos e outros conhecimentos de diferentes tradições neopagãs e ocultistas são compartilhados em poucos segundos ou minutos. Logo, o trabalho objetiva primeiramente se debruçar sobre a #WitchTok buscando definir e delimitar este novo fenômeno de espiritualidade urbana e virtual, para em seguida trazer reflexões sobre o porquê da emergência dessas manifestações de espiritualidade, indagando como se configuram essas práticas e quais os desdobramentos desse fenômeno internacional no Brasil, localidade em que o chamado fenômeno da WitchTok explodiu, a partir dos Estados Unidos, ganhando cada vez mais popularidade. As reflexões são feitas à luz das contribuições de Roland Robertson, Edgar Morin, Mircea Eliade e Sabina Magliocco. A metodologia proposta consiste em analisar a hashtag como uma fonte histórica, e na ausência de material acadêmico específico até o momento sobre seu uso no Brasil, analisar com base em dados observacionais, como a #WitchTtok é utilizada em alguns dos perfis populares do segmento, bem como analisar também as notícias recentes vinculadas ao termo, em busca de responder os seguintes questionamentos: no Brasil, como se configura a fronteira entre as tradições neopagãs e outras religiosidades que se identificam com esse marcador? Como os temas do tarô, bruxaria, magia e astrologia são trabalhados nesse novo segmento de experiência espiritual? A final, o fenômeno é parte de um processo de "mediatização do Neopaganismo" (RENSER; TIIDENBERG, 2020), mas parece ir para além dele, englobando reflexões acerca do tempo na produção desse conteúdo virtual e principalmente do sincretismo religioso que se apresenta sob essa hashtag em nosso país, tão diverso e plural em termos de religiosidades.
Observar o sagrado entre mulheres na cidade
Autoria: Hannah L. A. de Vasconcellos
Autoria: Há um movimento crescente entre mulheres jovens e urbanas. Elas se reúnem em torno de práticas naturais de autocuidado, especialmente com o útero, a vagina e a vulva. Pensando este grupo, o presente trabalho é fruto de uma pesquisa que venho desenvolvendo em torno de jovens no contexto urbanizado que estão reelaborando essas práticas, organizando-se nas redes sociais e promovendo encontros pagos para compartilhar e ensinar. Elas usam o que chamam de medicina ancestral para cuidarem de si em rituais em grupo ou sozinhas em seus apartamentos na cidade, território que exige adaptações como a substituição de quintais por vasos e da colheita pela compra de insumos em erveiros. Dessas práticas, surgem cruzamentos com a espiritualidade: é possível observar que elas frequentemente evocam ideias que transcendem o tangível, como sagrado, cura e bruxaria. Com a crescente desses grupos, alguns tensionamentos estão surgindo: críticas à "espiritualidade fast food" e às dinâmicas raciais estabelecidas estão cada vez mais no centro da observação. Uso a netnografia como ferramenta metodológica para construção das redes de contato. Enquanto pesquisadora, chego até esses grupos através, primordialmente, do Instagram, onde eles estão concentrados e são bastante ativos, divulgando informações, reflexões e também criando público para encontros pagos e consultorias. Além disso, é nas redes sociais que tal movimento estabelece também um estilo de vida atraente através de imagens marcantes e conceitos-chave como sexualidade sagrada, ancestralidade feminina e autoconhecimento. Nessa dinâmica, a algoritmização da vida e, portanto, do sagrado se faz presente na pesquisa. A partir dessa aproximação, participei dos encontros, observando e participando ativamente dos rituais, e estabelecendo contato, mantendo conversas com mulheres que lideram e organizam esses grupos, além de algumas de suas participantes. Ao me aproximar dessas mulheres enquanto uma pesquisadora negra, os tensionamentos raciais são compartilhados para explicar desconfortos, distanciamentos e até mesmo a criação de grupos focados em mulheres racializadas, com estratégias próprias de acolhimento e distribuição do que é arrecadado nos encontros pagos. Ao observar o sagrado na cidade entre mulheres, a pergunta que emerge é: como os cruzamentos entre sagrado, raça e cidade surgem na produção dessa espiritualidade praticada por essas mulheres?
Movimentações em torno de um feminino sagrado: os Círculos de Mulheres em Fortaleza (Ceará) e as novas espiritualidades
Autoria: Raquel Guimarães Mesquita, Cristian S. Paiva
Autoria: Na cidade de Fortaleza, no nordeste brasileiro, observa-se a partir da década de 2010, uma movimentação em torno de uma espiritualidade feminina que busca resgatar a "força" de um feminino ancestral, ocultado pelo estilo de vida moderno. As mulheres participantes, no geral, brancas, escolarizadas e da classe média, reúnem-se em "Círculos de Mulheres", espaços de fala e escuta que podem se estruturar de modo mais vivencial e ritualístico, com cânticos e danças ou mais "mentais", funcionando como uma espécie de grupo de leitura e estudo. Independente do formato, a noção de que o feminino moderno está ferido e precisa ser curado se repete, marcando esses espaços com a noção de "cura". Além disso, essa espiritualidade também gira em torno das noções de autoconhecimento, expansão da consciência e práticas terapêuticas (esotéricas e tradicionais). No ano de 2019, acompanhou-se seis círculos de mulheres, além de eventos, cursos e workshops relacionados à temática, notando-se que nesses espaços a "religião" é eclipsada pela noção de "espiritualidade", deslocando o sagrado de espaços institucionais para uma vivência mais fluida e extremamente individualizada. Para Guerriero (2006), é notório que as religiões estão em um processo de transformação e um novo campo religioso vem se configurando de modo muito distinto da visão tradicional da religião, ligada à noção de Igreja. Esse novo campo religioso é mais amplo, agrupando expressões e práticas que buscam uma expansão da consciência e uma elevação espiritual, podendo ser identificado como "religiosidade", "espiritualidade", "nova era", "religiões alternativas" ou mesmo "Novos Movimentos Religiosos", como o autor defende. As modificações por que a religião passa não se configura como um movimento organizado e único, mas antes se remete à ideia de mudança como fluidez e contínuo movimento. Na medida que o número de religiões cresce, o sujeito "livre" tem a possibilidade de escolher qual experiência religiosa vivenciar, quais valores aderir, podendo -ele mesmo- fazer múltiplas colagens de crenças e práticas, de modo que dê conta de suas inquietações pessoais. É nesse amplo espectro religioso que situamos as atividades em torno de uma Espiritualidade Feminina que reivindica uma retomada do poder pessoal através do autoconhecimento, do acolhimento da sua natureza sagrada e da cura de um feminino ferido por uma cultura linear e masculina.
Liberdade e alienação nas práticas mindfulness: notas de um itinerário antropológico por entre exercícios espirituais na urbe contemporânea
Autoria: Sérgio Gonçalves de Amorim
Autoria: Pierre HADOT afirma que desde o advento da modernidade, os sujeitos têm se esquecido de viver. O tempo é feito escasso, e em geral as pessoas têm se desvinculado do momento presente: o único tempo em que a vida se processa de fato, situação reconhecida em vários sistemas meditativos e outras formas de exercícios espirituais, estes conceituados por HADOT como meios de transformação pessoal e coletiva, criados pela humanidade. Nas sociedades ocidentais, e em particular, na sociedade brasileira, nos últimos 50 anos, há uma emergência de técnicas meditativas, o que parece ser uma reação de segmentos da população à "falta de tempo para viver", acentuada na atual "condição pós-moderna" (David HARVEY) e na sociedade do cansaço (Byung-Chul HAN). Desde os anos de 1970, há uma confluência entre Ciência e Religião que tem resultado nas denominadas práticas mindfulness, traduzidas como "atenção plena", oriundas, sobretudo, do zen, do budismo e hinduísmo, e adaptadas clinicamente para situações diversas das sociedades contemporâneas urbanizadas, preconizando certo estilo de vida de se "estar no momento presente" como fundamento para saúde física e mental (Jon KABAT-ZINN). Trata-se, nesta pesquisa, de um caminhar antropológico em torno às maneiras de viver que têm caracterizado, em parte, as figuras místicas em diversas culturas, atuais e passadas, mas que têm em comum certos usos do corpo, da mente e emoções, que configuram uma totalidade que Richard SHUSTERMAN denomina de soma, e para qual propõe uma filosofia mindfulness como exercício, autorreflexão e instrumento de pesquisa. Expõe-se alguns dos resultados de um itinerário antropológico por entre grupos de praticantes de mindfulness, que têm como fulcro o desfrutar do momento presente, e tudo que a vida nele contém, o que forma um modo típico de existir a partir de uma reflexão sistemática orientada a melhor viver, ou uma filosofia de vida, por vezes tida como religiosa, por outras como espiritualista ou ainda laica. Os diversos sistemas culturais que preconizam uma vida vivida no momento presente, e que se amalgamam nas atuais práticas urbanas de mindfulness, apontam para determinada forma de viver a totalidade da vida disponível ao soma. Há que ser crítico, no entanto, pois que ainda que popularizadas tais práticas de atenção plena, têm sido poucos os praticantes a compreender a riqueza dessas como ação libertária, e muitos os que tentam subvertê-las às formas de sujeição às condições de exploração capitalista, em afirmação do status quo, particularmente das classes altas e médias urbanas brasileiras, como verificou-se no percurso antropológico desta pesquisa.
Liberdade e alienação nas práticas mindfulness: notas de um itinerário antropológico por entre exercícios espirituais na urbe contemporânea
Autoria: Sérgio Gonçalves de Amorim
Autoria: Pierre HADOT afirma que desde o advento da modernidade, os sujeitos têm se esquecido de viver. O tempo é feito escasso, e em geral as pessoas têm se desvinculado do momento presente: o único tempo em que a vida se processa de fato, situação reconhecida em vários sistemas meditativos e outras formas de exercícios espirituais, estes conceituados por HADOT como meios de transformação pessoal e coletiva, criados pela humanidade. Nas sociedades ocidentais, e em particular, na sociedade brasileira, nos últimos 50 anos, há uma emergência de técnicas meditativas, o que parece ser uma reação de segmentos da população à "falta de tempo para viver", acentuada na atual "condição pós-moderna" (David HARVEY) e na sociedade do cansaço (Byung-Chul HAN). Desde os anos de 1970, há uma confluência entre Ciência e Religião que tem resultado nas denominadas práticas mindfulness, traduzidas como "atenção plena", oriundas, sobretudo, do zen, do budismo e hinduísmo, e adaptadas clinicamente para situações diversas das sociedades contemporâneas urbanizadas, preconizando certo estilo de vida de se "estar no momento presente" como fundamento para saúde física e mental (Jon KABAT-ZINN). Trata-se, nesta pesquisa, de um caminhar antropológico em torno às maneiras de viver que têm caracterizado, em parte, as figuras místicas em diversas culturas, atuais e passadas, mas que têm em comum certos usos do corpo, da mente e emoções, que configuram uma totalidade que Richard SHUSTERMAN denomina de soma, e para qual propõe uma filosofia mindfulness como exercício, autorreflexão e instrumento de pesquisa. Expõe-se alguns dos resultados de um itinerário antropológico por entre grupos de praticantes de mindfulness, que têm como fulcro o desfrutar do momento presente, e tudo que a vida nele contém, o que forma um modo típico de existir a partir de uma reflexão sistemática orientada a melhor viver, ou uma filosofia de vida, por vezes tida como religiosa, por outras como espiritualista ou ainda laica. Os diversos sistemas culturais que preconizam uma vida vivida no momento presente, e que se amalgamam nas atuais práticas urbanas de mindfulness, apontam para determinada forma de viver a totalidade da vida disponível ao soma. Há que ser crítico, no entanto, pois que ainda que popularizadas tais práticas de atenção plena, têm sido poucos os praticantes a compreender a riqueza dessas como ação libertária, e muitos os que tentam subvertê-las às formas de sujeição às condições de exploração capitalista, em afirmação do status quo, particularmente das classes altas e médias urbanas brasileiras, como verificou-se no percurso antropológico desta pesquisa.
Corporalidades e socialidades nas experiências e práticas de Yoga em espaços públicos
Autoria: Camila Sissa Antunes
Autoria: Este trabalho procura analisar as articulações entre saúde, espaços públicos e espiritualidade, a partir de um olhar sobre as práticas de yoga no contexto urbano, descrevendo as socialidades e mútuas construções de corpos e de lugares em eventos nos quais dezenas ou centenas de praticantes se reúnem para compartilhar e expressar sua corporalidade, suas crenças e modos de ser e estar no mundo a partir de práticas coletivas de yoga. O espaço público é eleito como lugar privilegiado para estas expressões justamente por ser este cenário de visibilidade e significados, mas que pode, ao mesmo tempo, ser concebido como um espaço inconsistente, instável, fluido, com a característica de estar sempre se estruturando (Delgado, 1999; 2007). Enquanto prática "globalizada" o Yoga vem passando por um processo de patrimonialização, com sua inclusão nos espaços políticos globais e institucionalizados que a reconhecem e a celebram como expressão e ferramenta transcendental para a busca da paz mundial e da sustentabilidade. O Yoga foi incluído na lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO em 2016 e desde 2015 vem sendo celebrado no dia 21 de junho o Dia Internacional do Yoga. No mundo inteiro, e incluindo o Brasil, este dia é marcado por eventos em espaços públicos, geralmente reunindo muitos praticantes para aulas de Yoga em locais de destaque nos centros urbanos, repercutindo com seu impacto visual e que destoa da rotina destes locais, criando um evento/situação que traz não apenas novas perspectivas sobre este próprio espaço como engendra dinâmicas relacionais, sensoriais e cognitivas que nos interessam analisar. Os corpos dos praticantes sincronizados em posturas e movimentos, os silêncios, os sons, a organização do ambiente, são alguns dos elementos que são analisados. Apesar de sua ampla definição como uma atitude, um sistema filosófico, um conjunto de práticas, um modo de estar no mundo, cada experiência em Yoga se define em especificidades, localizadas dentro contextos históricos particulares, atravessados e adjetivadas por outros marcadores sociais relevantes. Nossa intenção assim é apresentar uma leitura desses eventos em espaços públicos como contextos que produzem corpos, subjetividades, socialidades e agências, através de práticas, sentidos e discursos (orais, visuais, corporais) dos sujeitos, e para tal são analisados os significados e os circuitos (Magnani, 2014) estabelecidas na experiência da prática de Yoga em espaços públicos. Serão analisados os eventos realizados no dia Dia Internacional do Yoga (no período de 2018 a 2022), propondo olhar para as interações entre humanos, não humanos, objetos, sons, meio ambiente, emoções, sentidos, corpos, que ocupam as cidades de maneira transitória, e ao mesmo tempo potente e significativa.
"WitchTok": reflexões sobre bruxaria e práticas ocultistas virtuais na pandemia
Autoria: Raisa Sagredo
Autoria: O contexto pandêmico inaugurou um tempo de desafios, novas experiências e crises materiais e psicológicas que abalaram os seres humanos em escala global. Essa nova crise foi fenômeno sanitário e também da subjetividade humana, uma crise que pode ser interpretada como um momento de expansão da "consciência de totalidade global" (Robertson, 2000). Para alguns, nessas experiências de redescoberta do voltar-se para si e para a natureza, a busca por experiências de espiritualidade ganhou destaque. Práticas ocultistas e bruxaria ressurgiram com força e com uma nova roupagem: virtualmente, através do popular aplicativo de vídeos curtos TikTok. O boom dos temas bruxólicos e ocultistas na plataforma popularizou-se a partir do uso da #WitchTok, onde feitiços, rituais, ensinamentos, oráculos e outros conhecimentos de diferentes tradições neopagãs e ocultistas são compartilhados em poucos segundos ou minutos. Logo, o trabalho objetiva primeiramente se debruçar sobre a #WitchTok buscando definir e delimitar este novo fenômeno de espiritualidade urbana e virtual, para em seguida trazer reflexões sobre o porquê da emergência dessas manifestações de espiritualidade, indagando como se configuram essas práticas e quais os desdobramentos desse fenômeno internacional no Brasil, localidade em que o chamado fenômeno da WitchTok explodiu, a partir dos Estados Unidos, ganhando cada vez mais popularidade. As reflexões são feitas à luz das contribuições de Roland Robertson, Edgar Morin, Mircea Eliade e Sabina Magliocco. A metodologia proposta consiste em analisar a hashtag como uma fonte histórica, e na ausência de material acadêmico específico até o momento sobre seu uso no Brasil, analisar com base em dados observacionais, como a #WitchTtok é utilizada em alguns dos perfis populares do segmento, bem como analisar também as notícias recentes vinculadas ao termo, em busca de responder os seguintes questionamentos: no Brasil, como se configura a fronteira entre as tradições neopagãs e outras religiosidades que se identificam com esse marcador? Como os temas do tarô, bruxaria, magia e astrologia são trabalhados nesse novo segmento de experiência espiritual? A final, o fenômeno é parte de um processo de "mediatização do Neopaganismo" (RENSER; TIIDENBERG, 2020), mas parece ir para além dele, englobando reflexões acerca do tempo na produção desse conteúdo virtual e principalmente do sincretismo religioso que se apresenta sob essa hashtag em nosso país, tão diverso e plural em termos de religiosidades.
Observar o sagrado entre mulheres na cidade
Autoria: Hannah L. A. de Vasconcellos
Autoria: Há um movimento crescente entre mulheres jovens e urbanas. Elas se reúnem em torno de práticas naturais de autocuidado, especialmente com o útero, a vagina e a vulva. Pensando este grupo, o presente trabalho é fruto de uma pesquisa que venho desenvolvendo em torno de jovens no contexto urbanizado que estão reelaborando essas práticas, organizando-se nas redes sociais e promovendo encontros pagos para compartilhar e ensinar. Elas usam o que chamam de medicina ancestral para cuidarem de si em rituais em grupo ou sozinhas em seus apartamentos na cidade, território que exige adaptações como a substituição de quintais por vasos e da colheita pela compra de insumos em erveiros. Dessas práticas, surgem cruzamentos com a espiritualidade: é possível observar que elas frequentemente evocam ideias que transcendem o tangível, como sagrado, cura e bruxaria. Com a crescente desses grupos, alguns tensionamentos estão surgindo: críticas à "espiritualidade fast food" e às dinâmicas raciais estabelecidas estão cada vez mais no centro da observação. Uso a netnografia como ferramenta metodológica para construção das redes de contato. Enquanto pesquisadora, chego até esses grupos através, primordialmente, do Instagram, onde eles estão concentrados e são bastante ativos, divulgando informações, reflexões e também criando público para encontros pagos e consultorias. Além disso, é nas redes sociais que tal movimento estabelece também um estilo de vida atraente através de imagens marcantes e conceitos-chave como sexualidade sagrada, ancestralidade feminina e autoconhecimento. Nessa dinâmica, a algoritmização da vida e, portanto, do sagrado se faz presente na pesquisa. A partir dessa aproximação, participei dos encontros, observando e participando ativamente dos rituais, e estabelecendo contato, mantendo conversas com mulheres que lideram e organizam esses grupos, além de algumas de suas participantes. Ao me aproximar dessas mulheres enquanto uma pesquisadora negra, os tensionamentos raciais são compartilhados para explicar desconfortos, distanciamentos e até mesmo a criação de grupos focados em mulheres racializadas, com estratégias próprias de acolhimento e distribuição do que é arrecadado nos encontros pagos. Ao observar o sagrado na cidade entre mulheres, a pergunta que emerge é: como os cruzamentos entre sagrado, raça e cidade surgem na produção dessa espiritualidade praticada por essas mulheres?