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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT62: Perspectivas decoloniais na antropologia dos patrimônios

Izabela Tamaso, Simone Vassallo

Os recentes debates e performances culturais em torno da restituição de objetos, ressignificação de monumentos públicos e reparação dos crimes contra a humanidade promovidos pelo empreendimento colonial, apontam para a centralidade emergente das perspectivas decoloniais na antropologia dos patrimônios. Os patrimônios culturais são constituídos a partir de conflitos, tensões e jogos de força que expressam não só a sua polissemia, como também profundas estruturas de dominação. Espera-se observar os processos de patrimonialização e os conflitos que os atravessam, chamando a atenção para persistentes estruturas de dominação e mecanismos de silenciamento de grupos não hegemônicos, seja no plano interno nacional, seja no plano internacional. Pretende-se refletir sobre os patrimônios que marcam histórias e memórias de dor e sofrimentos como a escravidão, as guerras, os genocídios e a tortura. Como a herança colonial, escravocrata e violenta se faz sentir nos mais diversos tipos de patrimônios: coleções, sítios arqueológicos, centros históricos, museus, monumentos? Quais as ações desenvolvidas pelos próprios grupos subalternizados em suas lutas por reconhecimento, reparação e justiça? Como se expressam as suas formas de contestações, emoções e sofrimentos? Qual papel têm os patrimônios nos processos de reparação dos crimes contra a humanidade e na garantia dos direitos humanos, cidadania e democracia?

Palavras chave: Patrimônios em Disputa; Decolonização dos Patrimônios; Emoções Patrimoniais
Resumos submetidos
Patrimônio Cultural Religioso de Matriz Afro-Brasileira
Autoria: Gabriela Silva Fraga
Autoria: Este trabalho visa a pesquisa dos patrimônios materiais e imateriais inerentes às religiões de matriz afro-brasileira. Com o intuito de analisar o valor que é agregado à cultura africana no território brasileiro, usa como base os patrimônios religiosos, tendo em vista que as religiões são parte importante da cultura de uma sociedade. Acredita-se não ser possível fazer uma boa análise sobre o tema focando apenas em patrimônios materiais, sendo assim, patrimônios materiais e imateriais são levados em consideração nesta pesquisa, que parte do primeiro tombamento de templo de tradições religiosas afro-brasileiras que como é sabido, foi o do Terreiro da Casa Branca, sendo aprovado pelo Iphan em 1986. Esse Terreiro é considerado a primeira casa de candomblé aberta em Salvador, com edificações, árvores e principais objetos sagrados. É também um dos mais antigos e respeitados santuários da religião dos Orixás e foi através dele que centenas de outros terreiros se originaram por todo o País. Seu tombamento incentivou que fosse feito o mesmo com outros tombamentos de origem afro-brasileira. Por meio desse tombamento é possível perceber que a valorização da cultura afro-brasileira através de patrimônios não é um processo fácil, mas é um processo de valorização decolonial, afinal, a cultura afro-brasileira foi criminalizada por anos. Diversas religiões de matriz afro-brasileira tiveram seus ritos silenciados pelo estado, seus fiéis não tinham a liberdade para cultuar a sua religião, que além de criminalizada foi demonizada. Sendo assim, a patrimonialização de bens materiais e imateriais inerentes as religiões afro-brasileiras é, também, uma reparação histórica, é um processo necessário para a construção de um Brasil que luta por justiça social e por democracia plena.
Espaços sagrados, territórios de axé e fé: apontamentos metodológicos para uma política de patrimonialização de casas e terreiros de matriz afrorreligiosa de Minas Gerais.
Autoria: Ana Belone, Nicole Faria Batista
Autoria: Esta comunicação toma como matéria para reflexão a experiência de desenvolvimento do desenho metodológico que vem orientando a ação de Identificação de Casas e Terreiros de Matriz Afrorreligiosa de Minas Gerais, no âmbito do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, órgão da administração pública voltado às políticas de patrimônio cultural do estado, onde as autoras atuam. Por meio dela buscaremos evidenciar os paradoxos e as potencialidades das metodologias de mapeamento, cadastramento e identificações no âmbito das políticas públicas para comunidades tradicionais, de maneira geral, e nos processos de patrimonialização, de maneira particular, em especial de grupos historicamente invisibilizados pelo estado. Esta ação de identificação compõe um dos eixos do chamado "Programa de Proteção à Cultura Afro em Minas Gerais", e pretendemos apresentar a construção dessa política em curso, dando destaque para a ideia da participação social que torna-se premissa do processo, por meio da tentativa de construção coletiva da política junto aos detentores, além da ideia que a acompanha que é a da dimensão educativa antirracista da sociedade quando se trata de povos e comunidades de terreiro, especialmente no atual contexto de tensionamento sociopolítico no cenário brasileiro.
O Brasil Imperial que vive nas fazendas turísticas do "Vale do Café": entre representações sociais que a branquitude mantém e novas estruturas de sentimento
Autoria: Nathalia Pereira da Silva
Autoria: O turismo em locais de valor histórico faz emergir espaços carregados de uma pluralidade de sentidos (Bruner, 1994) e, com isso, permite entrever disputas por versões históricas e demandas por autenticidade. Ao longo do Vale do Paraíba fluminense - o "Vale do Café" -, dezenas de fazendas oitocentistas foram recuperadas com propósitos comerciais e formam hoje um circuito que atrai visitantes em busca de uma imersão no passado. Transformadas em complexos turísticos, essas fazendas históricas se valem do acionamento de objetos de cultura material e dos edifícios antigos para veicular uma determinada versão da história e, sendo assim, se assumem como espaços atravessados por uma determinada memória cultural (Assmann, 2011) da nação. Ali, as dinâmicas turísticas se valem do conhecimento em circulação sobre a história e, por meio de suas atividades, as fazendas passam a integrar elas mesmos circuitos de informação que, no caso, transmitem imaginários sobre o século XIX no Brasil e reverberam uma "nostalgia imperial" (Salles, 2013). Baseando-se em métodos móveis (Sheller e Urry, 2004; Büscher e Veloso, 2018), é possível entrecruzar fluxos de imagens, discursos e materialidades que compõem essas fazendas, e as produzem continuamente enquanto estruturas físicas e simbólicas associadas à história nacional. Para tanto, uma análise etnográfica de fontes visuais e conteúdos publicados pelas páginas de três fazendas turísticas na plataforma Instagram será articulada a relatos em entrevistas e artigos de publicações jornalísticas. A partir desse material, é possível explorar como as narrativas produzidas para o turismo informam sobre a contínua (re)produção de um imaginário hegemônico sobre a história, aqui considerado como descendente direto do colonialismo e de referências próprias da branquitude. Tal imaginário se materializa em representações sociais derivadas de um sistema baseado em referenciais do Ocidente (Hall, 2019) e constitutivo da comunidade imaginada nacional (Anderson, 2008). Ainda que algumas fazendas tentem incorporar histórias e personagens que contem sobre o legado afrodescendente, tais iniciativas esbarram em sensibilidades que não logram ampliar de maneira considerável os olhares possíveis sobre as dinâmicas sociais vividas naquele período. Por outro lado, algumas expressões de contestação aos modos de apresentação do passado nessas fazendas vem sendo realizadas, tanto por meio de ações jurídicas quanto falas públicas. Tais posturas apontam para uma nova estrutura de sentimento em formação, nos termos de Raymond Williams (2011), ou seja, uma nova cultura que responde criativa e emocionalmente de maneira a questionar padrões limitantes nas representações raciais e reivindicar narrativas antirracistas.
Prática de coletar água mineral: patrimônio imaterial dos povos das águas.
Autoria: Mariana Gravina Prates Junqueira, Lucas Canestri de Oliveira, Ana Paula Lemes de Souza
Autoria: O ato de coletar água mineral nas fontes de Caxambu, no sul de Minas Gerais, tornou-se patrimônio cultural e imaterial do município, em uma iniciativa inédita no Brasil. Essa foi a primeira vez que a prática de coletar água nas fontes ganhou esse status. A pesquisa que fundamentou o registro da coleta de água mineral como patrimônio imaterial foi desenvolvida no âmbito de um programa de pós graduação e defendida como tese. A pesquisa analisou como a prática cultural de coletar água mineral pode refletir horizontes consensuais herdados culturalmente. A coleta de dados foi realizada por meio de revisão bibliográfica, observação participante e entrevista semiestruturada. A pesquisa de campo foi realizada entre setembro de 2018 a março de 2019 nos municípios de Cambuquira, Lambari e Caxambu, e foram entrevistados 108 coletores de água mineral, além da pesquisa qualitativa realizada em 2020 e 2021 pela diretoria de cultura de Caxambu. O dia a dia e as conversas informais com outros coletores e não coletores, foram anotadas no caderno de campo. As informações coletadas foram sistematizadas e submetidas à análise de conteúdo. Após a tipificação e análise comparativa de cinco períodos históricos, bem como da análise qualitativa de cinco situações colhidas durante a imersão no campo, concluiu-se que a prática da coleta de água mineral reflete pelo menos cinco horizontes consensuais históricos que vão se acumulando no mundo da vida. O primeiro consenso social caracteriza-se por um subjetivismo animista, o segundo caracteriza-se por uma racionalidade mística-religiosa, o terceiro pela racionalidade pré-científica mercantilista, o quarto pela racionalidade naturalista-positivista e o quinto possui características ecológicas, científicas e afetivas. Apesar desse estoque de saberes que caracteriza o patrimônio imaterial e do trabalho social acumulado que originou e ainda preserva o patrimônio material, os subsistemas econômicos e burocrático insistem na colonização do mundo da vida e mantem excluídas as comunidades das tomadas de decisão, impondo critérios e procedimentos que desqualificam outras formas de compreensão da realidade natural e humana, para continuar drenando os recursos gerados pelo extrativismo mineral para a elite de plantão.