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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR44: Paisagens das águas e territórios pesqueiros

Coordenação: Pedro Silveira (FUNDAJ)

Participantes: Lucas Coelho Pereira (UFRB), Renata Machado (IFRIS - PALOC - Muséum national d'Histoire Naturelle), Elionice Conceição Sacramento (UnB)

Resumo:
O engajamento nos manguezais, rios, igarapés e marés é central no cotidiano de comunidades pesqueiras. A partir de atividades como a pesca, a mariscagem ou a cata de caranguejos, pescadores e pescadoras artesanais percorrem caminhos nos quais interagem não apenas com humanos, mas também com um conjunto bastante variado de animais, plantas e outros seres. O movimento das marés, nesse contexto, atua na composição de ritmos e dinâmicas que só podem ser melhor compreendidas se acompanharmos as práticas que as constituem. Além disso, a luta pela garantia de seus locais de vida e trabalho tem historicamente forjado o cotidiano de quem vive da pesca no Brasil. Diante disso, o objetivo da mesa é reunir diferentes experiências que tematizem as relações de socialidade de comunidades pesqueiras em territórios costeiros e estuarinos, tendo como foco etnografias que têm se concentrado nos modos de habitar e compor paisagens e temporalidades das águas. A partir dessas experiências, a mesa visa a contribuir para as discussões contemporâneas que tratam de paisagens, ecologias políticas e socialidades mais-que-humanas.

Palavras chave: Paisagens multiespécie; antropologia das águas; territórios pesqueiros
Resumos submetidos
Da diáspora negra ao território das águas
Autoria: Elionice Conceição Sacramento
Autoria: Na Comunidade Quilombola e Pesqueira de Conçeição de Salinas, na Bahia, o ritmo das marés carrega histórias de resistência e ancestralidade através de uma relação transatlântica com o Continente Africano. É "com os pés na lama e o corpo imerso nas águas da Baía de Todos os Santos e do Rio Paraguaçu" que a pescadora e quilombola Elionice Sacramento faz ecoar a trajetórias de mulheres negras que lhe antecederam na consolidação de seu território tradicional. Assim, ela nos fala do cotidiano de vida e luta no engajamento com as águas, a terra e o mangue. "Da diáspora negra ao território das águas" dá título ao livro recém lançado por Elionice Sacramento, que também é mestra em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais pela Universidade de Brasília. O trabalho e a trajetória de Elionice é um convite para adentramos territórios de terras e águas a partir das intersecções entre raça, gênero e geração.
"Caranguejo é bicho que anda"
Autoria: Lucas Coelho Pereira
Autoria: Repetidas vezes meus amigos caranguejeiros diziam: "caranguejo é bicho que anda". A depender da época do ano e do seu ciclo de desenvolvimento vital, os crustáceos podem "se sumir" de certos lugares e (re)aparecerem em outros. No Delta do Parnaíba, situado entre os estados nordestinos do Piauí e do Maranhão, o comportamento errático dos caranguejos fazem seus catadores andarilharem por longas distâncias, deslocando-se, por vezes, não apenas a pé, mas também sobre lanchas, automóveis e bicicletas. No mangue, o caminhar de caranguejeiros que "sabem trabalhar" envolve a constituição de múltiplas habilidades técnicas. É caminhando, ainda, que se conhece os caminhos e as histórias dos lugares. Nesta apresentação, com base na ideia de uma "antropologia andarilha", proposta por Thiago Cardoso (2018) e nas inspirações de Tim Ingold (2002;2015), Anna Tsing (2014; 2019) e Elionice Sacramento (2019) pretendo acompanhar os modos como paisagens das águas no Delta do Parnaíba são - a um só tempo - habitadas e constituídas por movimentos continuados de caranguejeiros, caranguejos, marés e outros mais que humanos.
Maré: Socialidades, engajamentos e ritmos nas paisagens das águas
Autoria: Renata Machado
Autoria: Na Ilha de Matarandiba, na Baia de Todos os Santos (BA), a economia local gira em torno das atividades de pesca e mariscagem. Os homens estão engajados na pesca artesanal, com utilização de redes ou anzóis, e as mulheres na coleta de marisco e/ou na captura de alguns crustáceos. A diferença entre as atividades que homens e mulheres fazem não se traduz apenas a partir das técnicas empregadas, gestos mobilizados e espécies capturadas/coletadas, mas também na temporalidade e na própria composição de paisagens. As mulheres circulam com mais frequência pelos mangues ou muito próximas a ele. Elas caminham pela lama na maré vazia, nos lugares mais afastados da água. Já os homens, ocupam as águas mais profundas, com mais frequência na maré cheia, por meio de embarcações (canoas). A minha experiência etnográfica entre as marisqueiras da vila de Matarandiba me levou a compreender a maré não apenas como um fenômeno cíclico definido pelo avanço e o recuo das águas, mas também como paisagem-tempo de vida, de afetos, o lugar de pesca/coleta de marisco e do movimento das águas e dos corpos que assegura a sobrevivência da comunidade. Assim, amplio a noção habitual de ‘maré' para entender as socialidades, os engajamentos e ritmos que envolve o saber-fazer das marisqueiras. Ao definir a maré como paisagem-tempo das águas, recorro à noção da paisagem enquanto um contínuo fluxo de transformação vital que envolve a relação dos diferentes seres que a compõem e são compostos por ela (Ingold 2017; Tsing 2019). O objetivo desta proposta é tomar a mariscagem como via privilegiada para compreender as relações de vidas múltiplas entre as marisqueiras, os mariscos, os manguezais e a ‘maré'. A partir de uma etnografia multiespécie (Tsing, 2019) busco compreender os modos de habitar e compor ‘paisagens-tempo' das águas. Como as marisqueiras criam relações entre elas, com a maré (paisagem/tempo) e os mariscos? De que maneira as marisqueiras, no engajamento cotidiano com outros seres (os animais bivalves/crustáceos), constroem saberes sobre estas espécies biológicas com todas as suas interfaces biossociais? Estas reflexões se inscrevem em um campo amplo de discussões que tratam de paisagens (Ingold, 2011, Tsing, 2019), ecologias políticas (Ferdinand, 2021), antropologia marítima (Artaud, 2018) e socialidades mais que humanas (Tsing, 2019; Haraway, 2016; Kohn, 2013).