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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT68: Reflexões e práticas sobre a restituição de dados da pesquisa antropológica

Jaqueline Ferreira, Soraya Fleischer

Há uma etapa no trabalho antropológico que, embora traduza aspectos éticos, teóricos, metodológicos, políticos e epistemológicos da disciplina, é pouco relatado pela comunidade acadêmica: "devolver", "restituir", "compartilhar", "entregar", "divulgar", "retornar" os dados. Durante a realização de uma pesquisa ou depois que ela termina, pouco se registra e reflete sobre as estratégias, os desafios e os desdobramentos dos rituais de apresentação de seus resultados. Assim, é pertinente nos questionarmos: Que termo tem sido adotado e quais as implicações de seu uso para a prática de compartilhar resultados? Para quem, em que situação, em que momento e em qual formato isso acontece? De volta ao campo, como é a recepção das interpretações feitas pela Antropologia? Teme-se as reações, sobretudo, mal-entendidos, constrangimentos distorções, adaptações ou usos políticos inesperados por parte das interlocutoras e outras pessoas implicadas na pesquisa? O silêncio sobre essa etapa de nosso exercício profissional implica estarmos diante de um tabu na Antropologia ou sinaliza outras nuances da área? Esse GT pretende reunir relatos e reflexões a partir de diferentes experiências de devolução de dados e resultados de projetos de pesquisa, docência e extensão na Antropologia e a recepção dos mesmos pelas interlocutoras de pesquisa. O principal objetivo do GT é ampliar e adensar o debate sobre essa etapa de trabalho em nossa área.

Palavras chave: retorno de dados; pesquisa antropológica; dados antropológicos
Resumos submetidos
Devolver, se (envolver) e construir: divulgação científica de campo islâmico nem sempre fácil, mas sempre necessária.
Autoria: Francirosy Campos Barbosa
Autoria: A proposta dessa comunicação é sobretudo falar dos desafios que é tratar de um campo islâmico há mais de duas décadas e como divulgar conhecimento gera confronto, reações adversas, dentro e fora do campo. O quanto tem sido promissor a divulgação, mas também desafiante nos tempos em que a mídia (TV, Jornais, etc) constroem um muçulmano como terrorista, e uma muçulmana como oprimida. Dentro do campo as reações são positivas, mas também trazem dúvida do papel que uma antropóloga-muçulmana executa. O lugar de diálogo é sempre tenso, mas traz ganhos, como o reconhecimento da pesquisa atual sobre Islamofobia como uma das mais importantes do departamento de psicologia/USP em 2021, e pela possibilidade de ter garantido uma bolsista para administrar as redes sociais do GRACIAS (Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes) no Instagram e Twitter, a divulgação do que produzimos ficou mais dinâmico e não centralizada na coordenadora do grupo. Entretanto, são muitos os desafios a serem enfrentados, porque não se trabalha apenas com a devolutiva de grupos pesquisados, mas com a universidade, imprensa e vários outros grupos que ao acompanhar o trabalho desenvolvido se interroga e nos interroga.
"Nem precisa ler o que tá escrito, mas olha as fotos de mãe aí!": notas etnográficas sobre devolução em campo e família
Autoria: Ana Clara Damásio
Autoria: Com etnografia e trabalho de campo realizados entre minhas parentes-interlocutoras de 2019 à 2022, algumas reflexões acerca de devoluções em campo começaram a emergir. Ao enviar um ensaio visual publicado sobre minha avó Anita (75 anos) para minha mãe Analice (54 anos), essa última pegou o arquivo em que estava contido o ensaio visual publicado e enviou para todas minhas tias no WhatsApp dizendo: "Olha o ensaio da Clara que saiu! Nem precisa ler o que tá escrito, mas olha as fotos de mãe aí!". Como assim minha mãe indicava que não era preciso ler o ensaio, mas sim ver as fotografias? Por que o texto e a imagem estavam tendo impactos diferentes nessa devolução? A partir desse momento passei a considerar como as devoluções em campo que eu fazia circulavam dentro da minha família. Ao mostrar minhas publicações que vinham em forma de dissertação, artigos, ensaio visuais, vídeos e desenhos, diferentes reações eram geradas entre minhas parentes-interlocutoras. Com alguns materiais como dissertação, artigos e desenhos as reações eram poucas, quase não havia reverberação dentro da família. Já as fotografias e vídeos que foram feitos por mim inicialmente enquanto material para a pesquisa, acabaram virando também "fotos de família". As "fotos de família" que estavam dentro de publicações acadêmicas reverberavam de outras formas entre minhas parentes-interlocutoras. Funcionavam como mecanismo de gerar prestígio dentro da família, como lembranças e material para publicações pessoais em redes sociais. Nesse sentido, pretendo com o ensaio aqui posto considerar como diferentes materiais de pesquisas devolvidos em família-campo produzem diferentes efeitos na família (e na pesquisa).
Conversando sobre grilagem através de um podcast
Autoria: Irene do Planalto Chemin, Chico Sousa
Autoria: Chico: Em campo com os Kalunga, perdi a conta de quantas vezes escutei sobre o receio que os quilombolas tinham com pesquisadores: uma gente que vem, come, dorme, enche de pergunta e nunca mais dá notícia. Em entrevista com Vercilene Dias, ouvi que ela estava cansada de ter que explicar o "juridiquês" dos processos envolvendo a comunidade, quando o "afamado" juiz poderia escrever de uma forma mais simples e direta. Além disso, em muitas comunidades tradicionais, principalmente entre os mais velhos, "a letra" (a habilidade de escrita e leitura) ainda é pouco difundida. Questões como essas influenciaram a escrita da minha monografia, "Se o grileiro vem, pedra vai". Com os interlocutores da pesquisa, cheguei na ideia de gravar a leitura do texto na íntegra. Convidei três colegas da UnB, Irene Chemin, Laísa Fernanda Alves e Álex Nogueira, para executar o projeto, que ganhou o formato de podcast. Mas essa discussão eu deixo pra autora que me acompanha nessa escrita, a Irene Chemin. Irene: Pois então, refletimos sobre a melhor forma para transmitir o conteúdo da monografia via áudio. Sobre a música tema, não havia dúvida: "Se o grileiro vem, pedra vai", canção do Centro de Cultura Popular, disponível em domínio público. A duração do episódio prontamente foi definida: episódios curtos, de no máximo 15 minutos, para facilitar o download e adentrar a rotina e conversas cotidianas das pessoas, especialmente dos interlocutores do Chico. Nos dividimos em três para a leitura dos capítulos e subcapítulos da monografia, que resultaram em 30 episódios. Lançamos o podcast em abril, e aí começou a melhor parte: a interação com o público. Chico: Logo nos primeiros dias, comentários e retornos chegaram dos próprios Kalunga, a exemplo de Dona Antônia e Valdir - que me receberam em suas casas quando fui à campo -, Dona Dulce e Damião, moradores na beira do Prata ou do Paranã; além de pesquisadores e profissionais de diversas áreas relacionadas ao tema, como da procuradora federal Gilda Diniz - uma das avaliadoras da monografia - e do professor da FUP e amigo, Antonio Nobre. Irene: Criamos o "momento pedrada dos ouvintes" no podcast, onde respondemos comentários e perguntas, isso tem sido muito legal. Assim, nossa ideia nesse trabalho é refletir e analisar os retornos, especialmente dos Kalunga, à monografia. E ao mesmo tempo perceber de que maneira o podcast colabora para manter aquecido o diálogo entre interlocutores e pesquisadores, mesmo quando não estão juntes fisicamente. Ah, e como vocês podem ver, já estamos escrevendo nosso texto em formato de roteiro, pois ele estará também disponível em áudio, fazendo jus à nossa proposta de divulgar nossas pesquisas e, especialmente, compartilhar com os Kalunga os resultados de nossas reflexões e práticas conjuntas.