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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT70: Remoções forçadas: povos indígenas desterrados no Brasil contemporâneo

Edilene Coffaci de Lima, Jorge Eremites de Oliveira

No relatório final da Comissão Nacional da Verdade, concluído em 2014, constavam dez povos indígenas que sofreram remoção forçada durante o período compreendido entre setembro de 1946 e outubro de 1988. Contudo, como é sabido, muitos outros povos foram removidos de suas terras, mas, infelizmente, não puderam ter suas histórias registradas naquele importante documento. Aqui, sem estabelecermos marcos temporais, pretendemos voltar ao assunto, buscando reunir pesquisas sobre casos de remoções forçadas de grupos indígenas, sabendo que esse foi um expediente crônico em diferentes períodos da história brasileira. A remoção dos povos originários de suas terras há muito se estabeleceu como uma alternativa factível aos governos em diferentes ocasiões. Fossem para ter suas terras alagadas para construção de hidrelétricas (a UHE de Itaipu ou a UHE Belo Monte são exemplares nesse sentido) ou atravessadas por estradas (BR230, BR364 e BR163 são apenas três delas) ou simplesmente invadidas por colonizadores Brasil afora, povos inteiros viram suas terras usurpadas e suas vidas arrasadas. Muitos desses povos atualmente vivem desterrados, improvisando suas vidas em terras que não são suas; outros reafirmam e lutam para reaver o que foi perdido - ou ambas as alternativas ao mesmo tempo. Tencionamos aqui reunir iniciativas de pesquisa que deem conta dessas histórias, pensando com esses povos sobre as alternativas que criaram para tentar superar o violento processo colonizador que os alcançou.

Palavras chave: povos indígenas; remoções forçadas; genocídio
Resumos submetidos
As estratégias de luta e de resistência dos Tupinikim e Guarani Mbya (Norte do Espírito Santo) contra a empresa Aracruz Celulose S/A, os governos militares (1964-1985) e os governos biônicos locais
Autoria: Joana D`Arc Fernandes Ferraz, Caio Mattos Santos, Caroline Soares de Andrade Caldas, João Pedro Cavalcanti
Autoria: Este artigo tem como objetivo discorrer sobre as estratégias de luta e resistência das comunidades indígenas Tupinikim e Guarani Mbya (localizadas no Norte do Espírito Santo) contra a empresa Aracruz Celulose S/A (atual Grupo Suzano S/A), que atuou em cumplicidade com os governos militares (1964-1985) e os governos biônicos locais. Durante todo o período da ditadura, esta empresa obteve um crescimento rápido e intenso, tornando-se uma das maiores do mundo neste setor e se mantendo até hoje nesse patamar. O território tupinikim, "ainda na pré-conquista, se fixou na região entre Espírito Santo e Bahia. Desde então, estabelece uma relação histórica - física e simbólica - com o seu território, hoje reduzido a uma área de dezoito mil hectares no Estado capixaba." (BARCELLOS, 2008, pp. 145,146) A instalação da Aracruz, em 1967, levou a uma redução drástica desse território. Inicialmente, a empresa comprou três mil hectares "diretamente do Estado, e outros 27 mil hectares, ‘adquiridos’ das mais variadas formas". (BARCELLOS, 2008, p.136) A morte sociocultural de muitas dessas aldeias é uma demonstração da violência a que foram submetidas desde a ditadura. Em 1967, os Guarani Mbya chegam ao município de Aracruz e foram fundamentais para a resistência Tupinikim na luta pela terra, contra a Aracruz Celulose. Os Guarani se caracterizam pela sua mobilidade, vivendo em processo constante de desterritorialização e reterritorialização. No imaginário Guarani, seus antepassados passaram por todas estas terras. Em 1967, a Aracruz e a FUNAI tentaram deslocar a população guarani e alguns tupiniquins da região para a Fazenda Guarani em Minas Gerais (conhecida como Presídio Guarani), numa clara estratégia de despovoamento da região, a fim de facilitar a instalação da Aracruz Celulose. Não conseguem, dentro de cinco anos os indígenas retornam ao Espírito Santo (CICCARONE, 1998, p.1). Mas, obtém da FUNAI uma "certidão negativa" para os Tupinikim, que comprovaria que as terras não são habitadas por esse povo indígena, liberando aquelas áreas para plantio de eucalipto. Aos poucos, depois de intensas lutas, essas comunidades têm conseguido retomar seus territórios. Eram mais de 30 aldeias, hoje, foram reduzidos a sete: Caieiras Velhas, Irajá, Pau Brasil, Comboios, Boa Esperança, Três Palmeiras e Piraquê-Açu (aldeia criada recentemente para impedir a instalação, em área indígena, de uma empresa exploradora de algas calcárias, a Tothan). A conquista mais recente dessas comunidades indígenas foi a oficialização, por meio de duas Portarias do Governo Federal, do reconhecimento de 10.966 ha. de terra sob o controle da Aracruz Celulose S/A. como terras indígenas, totalizando 18.027 ha. de terras indígenas no Espírito Santo. (CDDH, 2010, p. 274)
Novos percursos, velhos caminhos: processos de territorialização kinikinau entre os séculos XX e XXI
Autoria: AILA VILLELA BOLZAN
Autoria: O povo indígena kinikinau, filiado à família linguística aruák, ao longo dos séculos XX e XXI rememora a violenta expulsão de seus territórios/moradias tradicionais nas cercanias de Miranda e Aquidauana (no MS) na região do córrego Agachi. Diante disso, famílias Kinikinau incorporaram à sua trajetória uma política de territorialização e permanências provisórias em territórios reconhecidos pelo Estado brasileiro como pertencentes aos Kadiwéu e Terena. Com os últimos teceram históricas relações de simbiose e parentesco. Um dos capítulos deste processo durou aproximadamente cem anos na Terra Indígena Kadiwéu, especificamente na aldeia São João, sede do antigo Posto Indígena de Alfabetização São João do Aquidavão, local em que se formou uma comunidade de famílias Kinikinau a qual permaneceu com a sua identidade étnica subsumida dos escritos etnográficos dos anos 50 e 60 do século XX de antropólogos como Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira. Em tais referências, parentes das famílias Kinikinau com as quais venho realizando pesquisas de campo há mais de dez anos foram apontadas como Terena ou "terenizados", assim como os demais representantes dos subgrupos Chané-Guaná (Echoaladi e Laiana) grupo do qual descendem. Nos arquivos do antigo SPI existem menções a pessoas Kinikinau vivendo em tal posto indígena, referenciados com notável disposição para o "trabalho", sobretudo para a agricultura e uma boa relação com indígenas e não indígenas do entorno. Posteriormente com a criação da FUNAI, são apontadas situações de recusa por parte de seus servidores sobre o registro de nascimento indígena de filhos com filiação ao referido etnônimo Kinikinau. Ao final dos anos 90 do século passado, supostamente extintos pela bibliografia antropológica e pelo órgão indigenista, homens e mulheres Kinikinau emaranham-se em novas relações e irrompem uma batalha através da educação, da língua, da arte e da política agindo em direção ao reconhecimento de sua identidade étnica com a retomada de elementos importantes para sustentar a sua singularidade frente aos vizinhos Kadiwéu e Terena. A partir de então, um novo processo de desterritorialização envolve suas famílias o que lhes rende, inclusive, um novo percurso por um velho caminho: parte dos Kinikinau participam de retomadas de seus territórios tradicionais e iniciam a sua reterritorialização provisória em outras aldeias, sobretudo pertencentes aos Terena. O objetivo do presente trabalho é discorrer a respeito de como tais eventos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização do povo indígena Kinikinau vêm sendo significadas por seus representantes, sobretudo partindo da pesquisa de campo realizada por mim durante o ano 2022 com pessoas da comunidade Kinikinau.
Ação e omissão do Estado brasileiro no processo de esbulho das terras do povo Kajkhwakratxi (Tapayuna)
Autoria: Marcos de Miranda Ramires, Levi Marques Pereira
Autoria: Autodenominados como povo Kajkhwakratxi (Tapayuna), também conhecidos como "Beiços-de-pau", "Suyá Ocidentais", "Ivetin" e "Tapayuna", somam atualmente cerca de 250 indivíduos residentes majoritariamente na aldeia Kawêrêtxikô, da Terra Indígena (TI) Capoto/Jarina, território dos Kayapó, e nas aldeias Ngôtxire e Tyrykhô, TI Wawi, do povo Kisêdjê. A língua falada pertence à família Jê, do tronco linguístico Macro-Jê, muito próxima da língua falada pelos Kisêdjê, também conhecidos como Suyá Orientais. Esses povos possuem um passado comum, quando teriam habitado a região dos formadores do Tapajós, entre fins do século XVIII e início do século XIX, época em que os Tapayuna teriam chegado às microbacias dos rios Sangue e Arinos, formadores do rio Juruena. Instalados na região desde então, mesmo com a Constituição Federal (CF) de 1946 garantindo a posse de suas terras, tiveram seu território titulado pelo Estado de Mato Grosso a partir de 1957. Só em 1968 a Reserva Indígena Tapaiuna (RIT) foi criada, menos de um ano depois do "contato" oficial, realizado em 1967, depois de décadas de renitente resistência ao contato pacífico com não índios vindos inicialmente em busca de seringa e, depois, da apropriação da própria terra. Em maio de 1969, cerca de sete meses depois da criação da RIT, a gripe e o sarampo chegaram às aldeias kajkhwakratxi devido a atos da Fundação Nacional do Índio (Funai), dizimando boa parte da população. Devido às doenças, envenenamentos e ataques de não índios, teriam sido reduzidos a aproximadamente 10% da população anterior ao contato. Com sua organização social esfacelada, foram removidos contra sua vontade da RIT para o Parque Indígena do Xingu (PIX), em 1970, onde foram forçados a permanecer, não obstante a CF de 1967 lhes garantisse o direito à posse permanente e ao usufruto das terras que habitavam. Em 1976, embora o Art. 198, da Emenda Constitucional n. 1 de 1969, determinasse a posse permanente e o usufruto exclusivo de suas terras, a RIT foi extinta. O presente trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa em andamento que objetiva lançar luz sobre o processo de esbulho das terras tapayuna, com destaque aos atos e responsabilidades de Estado em seus âmbitos estadual e federal. A violação dos direitos dos kajkhwakratxi envolveu ações de remoção perpetradas pelo próprio Estado, omissão nos casos de violências sofridas pelas frentes de expansão, imprudência nos casos de epidemias e conivência com a expropriação do território, fatos que pretendemos melhor situar e entender.