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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT75: Sobre comer e viver na Amazônia: memórias, afetos e territorialidades

Carlos Dias Júnior, Miguel Picanço

Esse GT pretende receber trabalhos e pesquisas que discutem a alimentação na Amazônia e que têm objetivos ancorados nas memórias e nos afetos dos territórios amazônicos. As discussões sobre alimentação têm reconhecido a comida e o ato de comer como marcador das identidades coletivas, comunicando, assim, vivências alimentares com conceitos de pertencimento e de afetividades a um território. Ainda pensando em territorialidade temos um fenômeno mais específico que dialoga com as memórias e com os afetos. Dois temas ligados que ancoram a territorialidade às memórias alimentares (de infância, de sabores, de temporalidade, de família, de narrativas etc.) e também aos mais diversos afetos, os quais apontam para o alimento não apenas como nutriente do corpo, mas como ativador de relações interpessoais, de memórias e narrativas sobre um lugar e sobre a sua história.

Palavras chave: ALIMENTAÇÃO, AMAZÔNIA, TERRITORIALIDADES
Resumos submetidos
Sociabilidades, comensalidades e agenciamentos: uma análise da afinidade amazônica nas relações entre indígenas e não-indígenas
Autoria: Marcos Flávio Portela Veras
Autoria: Esta comunicação apresenta uma abordagem etnográfica que retrata sociabilidades mediadas por comensalidades entre indígenas e não-indígenas na Amazônia Central. Na recepção de turistas, o ato de convidar a comer juntos é muito valorizado nesta comunidade. A mesa posta no centro da palhoça é um convite a ser ‘de casa’, onde os afins são consanguinizados, cabendo aqui fazer referência a comensalidade de Fausto (1999) quando este analisa a questão da alimentação como forma da produção de parentes. Em outras palavras, para se referir ao convite para comer juntos e em seguida fazer parte de uma rede de trocas e alianças. Contudo, a posição de ‘de casa’ logo após a visita pode mudar para a de estranhos e ‘inimigos’ por não atenderem às expectativas dos indígenas de comprarem artesanatos e fazerem doações. Esse processo contínuo de mudança da posição que se ocupa, é um elemento constitutivo da afinidade potencial, princípio geral da teoria da afinidade (VIVEIROS DE CASTRO, 2013) onde o tema da guerra e predação estão sempre latentes.
'Pâad Xaa' ou uma teoria dâw da história à luz do engajamento com as plantas
Autoria: João Vitor Fontanelli Santos
Autoria: Essa comunicação busca refletir sobre as formas engajamento do povo Dâw com o mundo vegetal em suas dimensões alimentares, históricas e políticas. Tal engajamento - e suas transformações - é elucidado pelas pessoas mais velhas desse coletivo através de sua história de migração. Ao longo da segunda metade do século XX, os Dâw experienciaram uma sucessão de (des)encontros com diferentes gentes humanas e não-humanas nas florestas interfluviais do noroeste da Amazônia brasileira, entre os rios Téa, Marié e Curicuriari, afluentes da margem direita do rio Negro em seu médio curso; até se estabelecerem em comunidade na década de 1980, nessa mesma margem de rio. Os eventos mito-históricos que se sucederam ao longo do percurso feito pelos antigos apresentam um profundo envolvimento dos Dâw com diferentes paisagens socioecológicas. Em meio a florestas densas de terra firme, pelos pequenos e grandes cursos d’água às campinaranas alagadas e às serras, os 'dâw tuuw' (caminhos dâw) acessam e atravessam varadouros, bosques de frutas, capoeiras, clareiras de roça, brejos incultos, cursos de rios e igarapés, sítios e comunidades de outras gentes. A história de migração dos Dâw é uma história sobre o engajamento com essas paisagens e seus viventes, fundamentais para a vida social do coletivo até os dias de hoje. As narrativas das pessoas dâw mais velhas são delineadas por percepções acerca da história que oscilam entre um tom de sofrimento transcorrido em diferentes momentos da migração - e motivado por diferentes razões - à fartura e vitalidade do modo de vida dos antepassados. Além disso, o engajamento recente dos Dâw com uma antiga capoeira em processo de tornar-se sítio, lugar recém-denominado 'Pâad Xaa', coloca para o coletivo ambas as percepções vividas no passado, isto é, as experiências traumáticas de exploração e fome assim como a sabedoria e afluência da floresta, apreendidas com os ancestrais. Para entender o sentido de 'Pâad Xaa' para o povo Dâw, assim como seu engajamento com o mundo vegetal - sobretudo no que tange à alimentação, à história e à política -, busca-se apresentar essa reflexão intercalando-a com narrativas de uma anciã desse coletivo; pela qualidade e detalhes de sua fala e por ela dar o tom do pensamento e engajamento socioecológicos do povo Dâw.
Sobre a vida social do camapu nas territorialidades paraenses
Autoria: Miguel Picanço
Autoria: Este ensaio, que é de cunho etnográfico, se inscreve no campo da antropologia da alimentação e constitui-se em um recorte do projeto Comida Cabocla, o qual se propõe a estudar e descrever por meio de narrativas textuais e imagéticas as experiências de sociabilidades mediadas por comensalidades que contam sobre os modos de comer e viver dos sujeitos que povoam os territórios da Amazônia paraense. No contexto do referido projeto, o Camapu, que é um fruto, objeto deste trabalho, toma centralidade, conforme apontam os dados que foram coletados por meio das redes sociais: facebook, instagram e whatssap. Palavras-chave- Comida. Memória. Afeto
Sabores, encontros e memórias que conectam diferentes tempos vividos em territórios amazônicos
Autoria: Andréia Meinerz
Autoria: Esta comunicação tem por objetivo entrelaçar memórias de parte da infância vivida em meio à floresta amazônica, em Rondônia, evocadas, recentemente, em visita ao Pará. Os quintais percorridos trazem a diversidade típica de quem vive da e na água/terra/floresta. Do quintal de minha infância, recordo os poucos pés de café, em meio a outras árvores, suficientes para abastecer a demanda familiar. O ritual abarcava acompanhar a floração e maturação dos frutos, colher, secar ao sol, descascar, torrar, bater no pilão, armazenar, ferver, adoçar, coar e beber. Era minha tarefa bater o café no pilão que consistia num grande tronco de madeira, deitado, com um buraco no meio, esculpido pelas habilidosas mãos de meu pai. No município, nome de árvore cobiçada pelos madeireiros da ocasião, Cerejeiras, viviam migrantes de várias regiões do país, que carregavam consigo além da esperança de vida nova, modos de se alimentar e acolher. Em frente a escolinha rural multisseriada, ponto de encontro e de festas comunitárias, havia a casa de vizinhos vindos de Minas Gerais, onde compunha o cenário um engenho puxado por bois e em uma das mangueiras do quintal, um bicho-preguiça, atração da criançada. Eles produziam caldo de cana que era fervido no fogão à lenha para coar o café de sabor inigualável. Hoje, aquele território é campo de pecuária e soja. As famílias venderam suas terras para os mais abastados e migraram novamente. O que era diversidade reduziu-se à monocultura que atravessa o chão e as mentes dos que a cultivam. O êxodo rural nos anos 80 nos levou do Sul ao Norte e a precariedade do acesso à saúde e à educação nos trouxe de volta para o sul. Da Amazônia, nos anos da infância, restaram lembranças, memórias que agora percebo como marcas de minha identidade, que afloraram junto às vivências nas Ilhas de Cametá, no Pará. Em meio aos ramais - trilhas que conectam as casas e as comunidades - encontro com castanheiras e igarapés. Eis que uma criança me conta sobre um bicho preguiça que havia sido recentemente abatido, que lágrimas escorriam de seus olhos e que ele era fofinho de abraçar. E, ao sabor do café fervido com bastante açúcar, entre tantas distâncias dos muitos mundos que existem no mundo amazônico, encontro o comum no lamento de humanos e mais que humanos, pela desflorestação que nos atinge a todes. E também formas de resistência em manter vivo e ativo os modos de vida de comunidades tradicionais. É o caso da Dona Raimunda e família, que viajam mais de 30 km de ônibus para chegar à Feira Agroecológica local, com vários produtos, dentre eles o café com erva doce, uma especiaria. E assim, ao sabor do café, (re)encontro no modo de vida da população ribeirinha, elementos que atualizam memórias de minha infância Amazônica.