Check
ISBN: 978-65-87289-23-6
GT66: Povos indígenas isolados e de recente contato contra a aliança governo/agronegócio/missões: desafios perante a retomada da ideologia de integração e o desmonte da política de proteção

Miguel Aparicio, Fábio Augusto Nogueira Ribeiro

Ao longo da história do país o "cerco" imposto aos inúmeros povos indígenas que, conscientemente, não participam da lógica nacional são muitos: o estímulo desenvolvimentista na execução de grandes empreendimentos devastadores; o avanço incessante do agronegócio; a ânsia pela extração de minérios, madeira e demais recursos naturais; a busca por novas almas para a conversão, mediante persuasão praticada por determinadas agências missionárias; a grilagem, etc. Atualmente, a retomada da ideologia de integração e o desmonte da política de proteção contradizem direitos consolidados pela Constituição há mais de trinta anos, impulsionando práticas de extermínio e negligência. Diante do avanço destes contextos e da vivência de experiências genocidas, diversos coletivos optaram por formas de vida que têm sido referidas por termos como "isolamento". Este GT reunirá investigadoras, investigadores e analistas dedicados a discutir os desafios impostos nos diversos contextos em que se encontram esses povos. São também bem vindas reflexões sobre de que forma o rechaço ou evitação das relações de troca com o entorno podem ser entendidos como ação política ou busca por autonomia destes coletivos indígenas. Conflitos de interesses, agência em relação à autodeterminação sobre sua existência e desafios da garantia de seus direitos compõem algumas das temáticas discutidas pelo GT.

Palavras chave: Povos indígenas isolados e de recente contato; Proteção; Isolamento
Resumos submetidos
"Os 'isolados' são uma relação entre espécies": o isolamento como política e ação de vida dos povos isolados nas florestas e rios do interflúvio Purus-Juruá
Autoria: Juliana Bentes
Autoria: Este trabalho aborda a relação dos "povos indígenas isolados" Hi-merimã, no Sul do Amazonas - com as florestas multiéspecies como condição maior de vida. Busca-se, para tanto, refletir os modos de vida desses coletivos atrelados à manutenção das florestas indigeinizadas cada vez mais ameaçadas pela epidemia de desmatamento que avança pelo sul do Amazonas nos últimos anos. Desse modo, trazendo à luz uma antropologia da vida em suas diversas e possíveis conceituações para a paisagem, alinho-me a discussão de repensar a relação de "isolamento" atribuída a esses coletivos com as políticas e ações de morte incentivadas pelos Estados-nações como resposta às concepções de vida materializados nas paisagens construídas e transitadas por esses coletivos, em um exercício especulativo junto as etnografias multiespécies. Uma revisão bibliográfica em torno de uma antropologia da paisagem percorrendo a ecologia histórica, as malhas sociais ingoldianas, as coordenações multiespécies de Anna Tsing bem como a literatura etnográfica dos coletivos Arawá, e os relatórios indigenistas de investigação de vestígios de povos isolados, etc. suscitam à especulação de que o "isolamento" se inscreve enquanto uma relação social e cosmológica com a paisagem multiespécie que subverte não só a noção de isolado, uma vez que estes povos se encontram continuamente fabricando relações com agentes não-humanos diversos, como também implicam ações políticas de direito à vida e negação da morte, sendo esta última, representadas pelo contato forçado com as sociedades envolventes durante o advento do seringalismo no passado e atualmente pelo desmatamento propiciado pela expansão do agronegócio que ameaça destruir as paisagens amazônicas para a implementação de monoculturas e outros empreendimentos modernistas. Neste paradigma, as paisagens de florestas em suas malhas e coordenações simbióticas são a vida mesma, onde o desmatamento implica diretamente numa ação de extermínio desses povos.
A (re)existência da Referência: Ituna-Itatá no impasse da política de localização de indígenas isolados
Autoria: Guilherme Augusto Gomes Martins
Autoria: A Terra Indígena Ituna-Itatá (PA), inicialmente estabelecida como área interditada para concluir os estudos de localização do povo indígena isolado ali referenciado, hoje se encontra em nível crítico de desmatamento e invasão. O furor da grilagem na região vem esfacelando a proteção da área e dificultando cada vez mais os trabalhos de localização da referência do grupo em isolamento, impossibilitando a consolidação dos dados necessários para a confirmação deste registro de povo indígena isolado pelo Estado — e, consequentemente, a garantia da demarcação de seu território. A complexidade em torno de Ituna-Itatá a torna centro de debates fundamentais acerca da política para indígenas isolados no Brasil. A Terra Indígena é palco da maior disputa fundiária atualmente em curso envolvendo as figuras administrativas de "Referência em Estudo de Povo Indígena Isolado" e de "Área de Restrição de Uso". Mesmo diante do avanço desenfreado do esbulho territorial em curso, indigenistas expedicionários da Funai vêm corroborando dados etnohistóricos, arqueológicos e antropológicos sobre a presença do povo isolado — consolidando a "Referência em Estudo de Povo Indígena Isolado nº 110 - Igarapé Ipiaçava" (como é designado oficialmente o Registro de Povo Indígena Isolado pela Funai). Contudo, o lobby ruralista pressiona o Estado brasileiro para refutar os dados coletados, a fim de não mais renovar as portarias que interditam a Terra Indígena e assim liberar a área para os invasores. Este trabalho pretende analisar os vestígios, relatos e paisagens que integram os dados da presença de isolados em Ituna-Itatá a partir de "contextos sócio-ecológico-territoriais específicos" (Mura, 2011). A partir desta proposta, será destacada as múltiplas causas e intencionalidades políticas que envolvem os vestígios e dados sobre a presença dos isolados, para além de uma abordagem que se limite apenas aos atos e lógicas de produção de objetos. A análise partirá também das reflexões acerca da teoria da ação, tal qual a "política da consideração" (Kelly & Matos, 2019), a fim de pensar as relações que compõe o status de reconhecimento (ou não) deste sujeito anfibológico que se traduz pelo Estado como "Referência em Estudo". Diante disso, algumas questões instigam essa reflexão: se por um lado o Estado reconhece apenas parcialmente a existência desses indígenas, como se estabelece as dinâmicas de consideração enquanto conjunto de relações ambientais e históricas de interação encontradas nos vestígios e relatos sobre os isolados? Neste contexto, cabe-nos perguntar ainda: quais são os direitos (e o infortúnio) daqueles a quem o Estado classifica como "Referência em Estudo"?
Os Ava-Canoeiro isolados do Médio Araguaia
Autoria: Kamutaja Silva Ãwa, Patrícia de Mendonça Rodrigues
Autoria: Descrever a situação atual de alta vulnerabilidade e invisibilidade histórica dos Ava Canoeiro "isolados" da Ilha do Bananal. O grupo vive hoje no que restou de uma mata no Parque Nacional do Araguaia, depois de dois grandes incêndios em 2019 e 2020. Oito pessoas foram avistadas de um helicóptero do IBAMA durante o incêndio, mas até hoje o Estado brasileiro não tomou nenhuma providência efetiva. Os Avá Canoeiro contatados à força pela Funai em 1973 acompanham com grande preocupação e solidariedade a situação de seus prováveis parentes "isolados". O trabalho será apresentado por Kamutaja Awa, neta do líder histórico do grupo contatado, e Patrícia Rodrigues, antropologa responsável pela identificação da Terra Indigena Taego Awa.