Check
ISBN: 978-65-87289-23-6
GT71: Retomadas e autodemarcações de terras indígenas: processos de luta, memória e ritual

Jurema Machado, Daniela Alarcon

Na acepção guarani kaiowá, jeike jey significa entrar, ocupar, enfrentar, afrontar; trata-se da designação utilizada por esse povo para classificar seus processos de recuperação territorial (Benites, 2014). Assim como os Guarani Kaiowá, indígenas de todo o país têm levado a cabo intrincadas estratégias de luta pela terra. A proposta deste GT é reunir trabalhos que discutam retomadas de terras e autodemarcações como ações de enfrentamento ao esbulho. A partir de nossas pesquisas e de trabalhos de outres antropólogues, observamos como esses processos se revestem de complexidades que ultrapassam análises instrumentais, que veem na ocupação do território o fim último. As mobilizações para recuperação territorial engendram o retorno de pessoas e encantados, articulações entre famílias extensas, complexos rituais, reavivamento de memórias e novos arranjos na organização social. A maneira como os povos têm refletido sobre seus processos históricos e cosmológicos também está pautada na luta pela terra. Assim, delineia-se um novo desafio para a antropologia: como pensar a conceituação desses processos sem deixar de considerar as particularidades de cada contexto? Acreditamos que a boa descrição etnográfica é o caminho mais potente para a não homogeneização e, por isso, priorizaremos trabalhos pautados em etnografia.

Palavras chave: retomadas, autodemarcações, território
Resumos submetidos
Protagonismo feminino às margens do rio São Francisco: Narrativas, saberes e resistência
Autoria: Ana Carolina de Assis Marinho da Silva
Autoria: Entre as mulheres indígenas situadas no Nordeste, dinâmicas de intersecção as colocam em uma encruzilhada complexa interseccionando etnia/raça, gênero, classe e regionalidade. No contexto antropológico, "o lugar destinado às mulheres nas produções etnográficas" era de "sub-representação, silenciamento e invisibilidade" (BONETTI, 2009, p.107). É somente a partir da década de 1970, que novas formas de estudo ampliam as tentativas de levar o "gênero a sério" (MCCALLUM, 1999, p.157). As demandas das mulheres atravessam os limites da luta pela terra e colocam em pauta as especificidades, expondo questões como autonomia, articulação, participação, organização, violência, corpo, reprodução, parentesco, matrimônio e poder. Apesar de renomadas e qualificadas pesquisas existentes sobre o povo Xokó, que vivem na Terra Indígena Caiçara/Ilha de São Pedro, localizada no Município de Porto da Folha, no Semiárido sergipano, não foi verificada, até o momento, uma pesquisa etnográfica que incluísse o protagonismo feminino Xokó, desde as narrativas dos processos de retomada até as articulações políticas atuais agenciadas por elas dentro e fora do território indígena. Atualmente, elas são representadas pela Associação Indígena das Mulheres Xokó da Comunidade Ilha de São Pedro (AMIX) e uma das representantes da Associação e Comunicadora da APOINME, Karine Xokó, mencionou a dificuldade em reunir as mulheres para falar sobre as pautas políticas devido às demandas da rotina que destina a atenção das indígenas para o lar, a família e os estudos. Essa conversa despertou os questionamentos que alicerçam a pesquisa: Quais são as narrativas históricas, políticas e sociais das mulheres Xokó, desde o processo de retomada; como essas narrativas as constituem enquanto mulheres Xokó e a relação com os feminismos; e como se dá, então, a agência feminina Xokó, atualmente, na articulação sociopolítica dentro e fora do território? Através de uma etnografia, a pesquisa, ainda em fase embrionária, pretende identificar memórias de luta feminina Xokó, a partir da retomada das terras; compreender como se auto identificam enquanto mulheres Xokó e as relações com os feminismos; analisar como se dão as redes de apoio das mulheres Xokó dentro e fora do território e examinar a organização e articulação política das mulheres Xokó com os movimentos sociais indígenas. Em um relato da pesquisadora Creuza Prumkwyj Krahô, habitante na Aldeia Nova, no Tocantins, ela afirma que a maioria dos antropólogos que pesquisam só falam com os homens. Não conversam com as mulheres. "Ao pesquisar, vi que a maioria das coisas não é do jeito que estão registradas, porque são as mulheres que fazem e os homens que contam." (KRAHÔ, 2017, p.112). Por isso se torna necessário também ouvir a outra metade do povo Xokó.
Recuperação territorial no território indígena de Salitre- Costa Rica: matrilinealidade e luta pela terra
Autoria: Louise Caroline Gomes Branco
Autoria: O presente trabalho é resultado da dissertação de mestrado: " Mujeres indígenas como recuperadoras del Territorio en Salitre- Costa Rica" apresentado na Universidade da Costa Rica (UCR) e que documentou e analisou a participação das mulheres bribris nos processos de recuperação territorial que começaram em 2010 até 2019, no território indígena de Salitre, localizado em Buenos Aires, província de Puntarenas, Zona Sul da Costa Rica. Desta maneira, apresentaremos a sistematização da luta do povo bribri de Salitre, que de 2010-2019 que tem sido os protagonistas dessa luta na Costa Rica. Além disso, buscamos contribuir e visibilizar a participação das mulheres nesses processos de luta pela terra, já que elas aparecem como defensoras centrais dos direitos territoriais e indígenas. A metodologia adotada foi revisão bibliográfica sobre os aspectos sociais, econômicos e históricos do pacífico Sul e especificamente de Buenos Aires, com a finalidade de evidenciar o abandono histórico da região por parte do Estado, também com o objetivo de identificar algumas expressões de racismo contra os povos originários exercidas pela população não indígena que mora nesta área. E também trabalho de campo de 2016-2018, partindo da observação participante e também a realização de uma oficina sobre cartografia social, " cartografando o territorio cuerpo, territorio tierra". Como resultados, apresentamos a discussão sobre como a matrilinealidade além de ser um fator diacrítico dos bribris de Salitre, também se converte em um fator determinante nos caminhos políticos da disputa de terras, e os resultados da oficina sobre cartografia do territorio-cuerpo-tierra (CABNAL, 2010). Ressaltamos que as recuperações em Salitre e em outros territórios indígenas da Costa Rica não acabaram, a luta continua e é uma experiência latino-americana que dialoga muito com a realidade de outros grupos étnicos no Brasil e que pretendemos relacionar também nesse artigo.
"Pisando em terra Tabajara": Conflitos e retomadas no processo de territorialização dos Tabajara da Paraíba.
Autoria: Estêvão Palitot, Amandda Figueiredo
Autoria: Desde o ano de 2006 que o povo indígena Tabajara vem buscando a demarcação das terras do antigo aldeamento da Jacoca, sua área de ocupação tradicional no litoral sul da Paraíba. Na expectativa de reconstituir um território minimamente viável para o reagrupamento das famílias que foram dispersadas por efeito de décadas de domínio patronal sobre as terras da Jacoca os Tabajara tem construído uma organização social dinâmica e flexível através da qual vem logrando a ampliação das áreas sob seu controle. Atualmente, são três aldeias organizadas, sendo duas em áreas de retomada. Nesses processos, a dimensão conflitiva tem sido elemento principal. Se não são os conflitos pelas retomadas, são as disputas em torno da ocupação das praias como pescadores e barraqueiros ou os enfrentamentos com o poder municipal e o projeto de reordenamento territorial da cidade do Conde. Ao lado dessas disputas, o esforço para reunir os parentes em torno de projetos de vida comunitária nas três aldeias também é uma marca característica do atual processo de territorialização dos Tabajara. Nesse trabalho, pretendemos discutir esses temas em diálogo com outros estudos sobre processos de territorialização, a forma retomada e o retorno dos parentes em contextos indígenas.
Kunhun Gá jỹkre: Os projetos de futuro na retomada Konhun Mág (Canela, RS)
Autoria: Clémentine, Mauricio Salvador
Autoria: Em janeiro de 2020, um grupo Kaingang decidiu iniciar um processo de recuperação do seu território do qual seus antepassados foram expulsos no final do século XIX e início do século XX, sendo uma parte massacrada pelas investidas madeireiras. Foram os espíritos desses antepassados violentados no território esbulhado que, através dos kujá (lideranças políticas-espirituais) e dos seus sonhos, chamaram de volta os Kaingang para o seu território cuja aldeia se encontra dentro da FLONA de Canela (RS). Guiados pelos iangré (animais guias), os Kaingang lutam e resistem contra repetidas reintegrações de posse, perseguição política, ameaças e violências diretas de parte da instituição. Esse trabalho colaborativo entre o cacique da comunidade e a antropóloga, busca apresentar os projetos de futuro que nascem no processo de recuperação territorial, sendo esses frutos da reflexão coletiva orientada pelos saberes e ensinamentos dos kujá. Abordaremos assim a importância que as lideranças político-espirituais têm e mantêm nesse processo de construção da autonomia coletiva sendo que uma das primeiras iniciativas da comunidade de Konhun Mág foi a construção de uma casa de cura dedicada à realização de rituais de fortalecimento do povo Kaingang. Este relato etnográfico nos ajudará a entender os três conceitos chaves enraizados na política kaingang que se (re)cria em Konhun Mág: vãn, a coragem, kinhróg, a sabedoria e tár, a força como interligados com a participação dos kujá nesse processo de retomada.
Gênero, mobilização e recuperação territorial entre os Tupinambá da Serra do Padeiro, sul da Bahia
Autoria: Daniela Alarcon
Autoria: Em 2004, os Tupinambá da Serra do Padeiro, no sul da Bahia, deram início ao processo de recuperação do território que tradicionalmente ocupam, realizando retomadas de terras. Como resultado dessas ações diretas - estratégia que mantiveram ao longo do tempo, a despeito de serem alvo de intensa violência estatal e paramilitar -, hoje eles detêm a posse de cerca de dois terços da aldeia, apesar de o procedimento demarcatório ainda não ter sido concluído. Apoiada na reconstituição de trajetórias de mulheres envolvidas na luta pela terra, combinando pesquisa etnográfica e documental, esta apresentação focaliza algumas imbricações entre gênero e mobilização, a partir do contexto da Serra do Padeiro. Debruçando-me sobre memórias do esbulho e da diáspora, meu intuito é descrever e analisar como as experiências traumáticas vividas por crianças e mulheres antes do início das retomadas - em um período marcado pela exploração da mão de obra indígena, por violência sexual e outros sofrimentos - têm sido enquadradas, contemporaneamente, em um mesmo idioma mobilizatório. Examinarei ainda como determinadas mulheres foram cruciais na manutenção de vínculos de parentesco na diáspora, mediando entre os vivos, os mortos e os encantados, estes últimos, entidades não humanas centrais na cosmologia tupinambá. Finalmente, discutirei em linhas gerais algumas das formas pelas quais as mulheres da aldeia têm contribuído para a manutenção da mobilização cotidiana, envolvendo parentes na luta, e atuando para resolver conflitos e construir consensos.
A Retomada Xokó: Território E Renascimento Cultural De Um Povo
Autoria: Ianara Apolonio Rosa Lima
Autoria: RESUMO A presente proposta de pesquisa trata-se de uma análise dos processos de retomada territorial e de renascimento cultural entre os Xokó de Sergipe. Localizados no município de Porto da Folha (SE), os índios Xokó possuem uma população de aproximadamente 333 pessoas, de acordo com censo publicado pelo IBGE em 2010. O território indígena é composto por duas áreas: a ilha de São Pedro (96,75 ha), onde reside a maioria dos Xokó, e a Caiçara (4.316,7768 ha), parte continental anexada posteriormente à Terra Indígena, onde ficam as roças e onde se realiza o ritual sagrado do Ouricuri. O projeto de pesquisa proposto tem como objetivo apresentar as retomadas da Caiçara e ilha de São Pedro, realizadas entre as décadas de 1970 e 1980, como parte fundamental do processo contemporâneo de renascimento cultural dos índios Xokó, implicando em retomadas da língua, de costumes, hábitos e de elementos da organização social. Partindo dessa prerrogativa, analisaremos o contexto histórico em que se deram as primeiras retomadas e como elas influenciaram a vida dos índios Xokó de Sergipe. Desse modo, buscaremos através da pesquisa de campo identificar esses momentos tão marcantes na vida desse povo. De início abordaremos a retomada territorial como sendo um fator que marcou a vida dos Xokó e determinou o futuro dos "caboclos da Caiçara", que a partir de então se identificariam como índios. A reflexão proposta acerca das retomadas dos índios Xokó, justifica-se pela importância e impacto que tal fenômeno tem sobre a vida social desse povo, mas também pelo interesse, em parte pessoal, em conhecer os processos de reconquista da terra e também da cultura dos índios Xokó. Os índios Xokó de Sergipe traçam sua história por meio de longos processos de idas e vindas dentro de seu território. Oscilando entre o índio e o mestiço, a mestiçagem fora uma forma de justificar a expropriação dos territórios por parte da elite agrária. Os processos de retomada Xokó marcam o recobrar de sua consciência e o despertar de sua essência. À medida que se reconhecem como índios, os Xokó tomam para si uma luta de seus antepassados e levantam uma questão morta no estado de Sergipe: a invizibilização dos "índios remanescentes" que, não tendo sucumbido como coletivos específicos permaneceram como caboclos em seus antigos territórios, agora expropriados, mantendo o forte desejo de retornarem às suas origens indígenas. Esta pesquisa será desenvolvida na comunidade indígena Xokó, localizada no município de porto da folha/SE, em uma faixa de terra que fora a antiga Missão de São Pedro de Porto da Folha, missão essa liderada pelos capuchinhos e situada à margem direita do baixo Rio São Francisco.
Povos indígenas em retomada no Maranhão: estratégias de mobilização, visibilidade e reconhecimento.
Autoria: Daisy Damasceno Araújo, Ana Caroline Amorim Oliveira
Autoria: Os Akroá Gamella, Anapuru Muypurá, Kariú-Kariri, Tremembé da Raposa, Tremembé do Engenho e Tupinambá, localizados no estado do Maranhão, são povos indígenas que estão em processo de retomada ou levante, traçando estratégias de luta pela garantia de direitos e pela demarcação de seus territórios, usurpados ao longo do violento processo de colonização, ainda em andamento (OLIVEIRA, 2020). A demanda por reconhecimento tem levado esses povos a um processo protagonizado e denominado por eles de retomada ou levante, um tipo de ação política que busca por direitos territoriais, identitários e pelo acesso à justiça como um todo, baseados na reprodução específica de seus modos de vida, caracterizada pela retomada de seus territórios e pela visibilidade de sua (r)existência, historicamente silenciada. Para além da luta pela demarcação de seus territórios, existe um processo contínuo de acesso à justiça, uma luta por direitos coletivos indígenas, como educação e saúde. Nesse processo contínuo de (r)existência, os povos têm traçado uma pedagogia própria para se reafirmar tanto culturalmente quanto territorialmente, frente à sociedade não indígena e suas instituições que, também em processo contínuo, traçam estratégias de negação e contestação da existência e da indianidade dos povos. No contexto da pandemia da Covid-19, esses povos sofreram mais uma violência: a falta de atendimento à saúde de forma específica pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), através do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI/MA), que se deu tanto no contexto do atendimento aos casos da Covid-19 quanto durante a vacinação, iniciada no início do ano de 2021. A justificativa dada pelo órgão de saúde indígena era a de que estes são povos “não aldeados” e, enquanto tais, deveriam ser atendidos pelos municípios na rede SUS, de acordo com o Plano de Contingência da SESAI divulgado em março de 2020. Os resultados da pesquisa que apresentamos nesta pesquisa foram desenvolvidos pelo coletivo Mururu, na execução do Projeto Rede (CO)Vida de Mapeamento da Covid-19 entre Povos Indígenas no Maranhão, do qual as duas autoras fazem parte. Desta forma, o presente trabalho busca refletir acerca das estratégias de mobilizações, visibilidade e reconhecimento traçadas pelos povos em retomada/levante no Maranhão, que tem ganhado força desde o início da pandemia da Covid-19, envolvendo a situação sanitária destes povos e suas constantes mobilizações. Buscamos refletir, ainda, sobre como as dinâmicas das ações traçadas por eles, no processo de interlocução com as instâncias públicas (estadual e federal) foram fundamentais para a garantia de direitos.