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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT08: Antropologia da Técnica

Júlia Brussi, Rafael Devos

A 5ª edição deste GT busca dar continuidade às reflexões e discussões iniciadas na 29ª RBA, contribuindo para a ampliação do interesse pelo tema e a consolidação desta área de estudos na antropologia brasileira. Quando tratamos de técnica no sentido maussiano, como "ato tradicional eficaz" é necessário, seguindo Sigaut, sempre lembrar que não temos acesso direto às técnicas em si. O que vemos são pessoas fazendo coisas. Nesse sentido, este GT tem um interesse particular nas mais diversas práticas e fazeres, que implicam na relação direta ou indireta entre humanos e não-humanos (artefatos, plantas, animais, minerais e ambiente de modo geral) e envolvem habilidades, escolhas, hierarquias e transformações. Tais fazeres parecem ser uma chave importante para o entendimento das diferentes formas de se perceber e habitar o mundo. A partir de uma abordagem dos processos técnicos e seus efeitos se busca refletir sobre esses fazeres em sua dimensão social, inseridos em composições sociotécnicas e políticas complexas mais que humanas. Considera-se, assim, de grande relevância os trabalhos que dialoguem com essas temáticas e que privilegiem aspectos etnográficos e análise descritivas de processos técnicos em escalas e temporalidades diversas.

Palavras chave: técnica; redes sociotécnicas; cadeia operatória
Resumos submetidos
Fazendo quintais agroecológicos: técnicas de cultivo e organização de hortas entre mulheres rurais em um assentamento no Ceará
Autoria: Vitória de Fátima dos Santos Sousa
Autoria: Realizada no interior do Ceará, na região noroeste do Estado, na Serra da Ibiapaba, este trabalho tem como objetivo apontar técnicas agroecológicas desenvolvidas por agricultoras de um assentamento rural, chamado Santa Madalena. O trabalho mostra que fazer agroecologia requer experiências realizadas nos quintais e trocas constantes de conhecimentos entre as mulheres. Este trabalho aponta a centralidade dos quintais produtivos, dado que é neles que "o de comer" começa a ser feito. Dessa maneira, para as interlocutoras o quintal é diferente do roçado, já que no roçado se costuma "plantar só no inverno", no entanto, nos quintais é preciso "tá sempre mexendo", "sempre cuidando, aguando, olhando se tá com formiga", como elas afirmam. Os quintais, também, trazem para as mulheres noções de liberdade, pois em tais espaços elas podem cultivar como querem e o que querem. Além disso, se busca, também, apresentar perspectivas sobre as cadeias operatórias que determinam o entrelaçar de mundos muito mais que humanos. Diante disso, o trabalho buscou analisar sobre as técnicas agroecológicas e como tais saberes constroem mundos repletos de relações multiespécies, para tanto, é mostrado como são feitas as hortas e organizados os quintais produtivos. Por fim, também é apontado as formas como elas lidam com "as pragas", sobretudo as formigas e com a falta de água, já que é o principal entrave para o desenvolvimento da agroecologia no assentamento. PALAVRAS-CHAVES: técnicas; quintais; agroecologia; mulheres.
Trabajo de hormiga: la apropiación de los sistemas vivientes en las acciones técnicas
Autoria: Gabriela Schiavoni
Autoria: Los insectos sociales habitan desde hace tiempo la imaginación sociológica. Empezando por la abeja—convocada por Marx para señalar la irreductible especificidad del trabajo humano —, pasando por el vínculo acronímico que la teoría del actor red (ant) mantiene con las hormigas, hasta llegar a la araña, que le permite a Ingold desarrollar la noción trans-humana de trabajo. Identificadas por Deleuze y Guattari como un "rizoma animal", las hormigas desafían las tentativas tendientes a su eliminación. Aún así, desde fines del XIX y comienzos del XX se patentaron en Argentina varias máquinas y productos hormiguicidas que se arrogan ese poder. Más recientemente, la agroecología y el manejo forestal responsable han subrayado las ventajas biológicas derivadas del mutualismo y la simbiosis entre plantas y hormigas. Esta última perspectiva desbroza el camino para proyectos técnicos basados en la imitación de lo viviente, orientados a neutralizar los desequilibrios ambientales mediante la interacción con la tecnicidad de los no humanos. Nuestro trabajo describe las acciones técnicas de control de hormigas a lo largo del siglo XX en la provincia de Misiones (nordeste de Argentina). Su proceso de individuación como plaga fue concomitante del desarrollo de la agricultura en la región, desatando un vínculo antagónico en el que participaron artefactos y sustancias. Las innovaciones actuales, encaminadas a neutralizar los daños mediante la coordinación entre sistemas vivientes, plantean el problema de la autoría de las acciones técnicas imbricadas en procesos vitales.
Plantas que fazem arte: As criações trans-específicas na Arte Contemporânea e os trânsitos entre práticas e técnicas artístico-científicas
Autoria: Joaquim Pereira de Almeida Neto
Autoria: Nesta apresentação, procuro trazer algumas reflexões iniciais acerca e uma pesquisa de doutorado atualmente em curso no PPGAS da Universidade de São Paulo. O objetivo da pesquisa é estudar os trânsitos de conceitos, conhecimentos e práticas entre arte, ciência e antropologia a partir da análise de criações artísticas contemporâneas que exploram dimensões multiespécies e colaborações trans-específicas entre humanos e plantas. Interessado pelo uso renovado que artistas têm feito das plantas em suas criações - retirando-as da condição de meio ou de matéria e concebendo-as como co-criadoras de obras de arte - e pela atenção às práticas e técnicas acionadas em criações artísticas trans-específicas, apresento alguns materiais de campo coletados junto a três artistas latino-americanos atuantes hoje, que trabalham diretamente com plantas vivas, são eles: Aniara Rodado (Colômbia), Guto Nóbrega (Brasil) e Ximena Garrido-Lecca (Peru). O que está em foco nesta apresentação é um primeiro esforço de detalhamento técnico, que fala do fazer em si, de práticas de colaboração entre humanos e plantas. Trago tais descrições para chamar a atenção de dois pontos: o primeiro é o fato de que tais composições criativas mais que humanas tendem a emergir diante de relações de dupla mão entre artes e ciências (os artistas se valendo de técnicas e teorias científicas e fornecendo também subsídios para a reflexão teórica) e o segundo, por sua vez, é o imbricamento constitutivo entre criação artística e criação de mundos, algo que coloca em suspeição as fronteiras entre arte, ciência e política.
Articulando percepção e movimento: técnicas de navegação e manuseio em um laboratório de Astrobiologia
Autoria: Ana Paula Henrique Salvan
Autoria: Um laboratório é um ambiente heterogêneo por natureza, podendo ser lido como um cenário polirrítmico composto por um emaranhado de trajetórias humanas e não humanas. Um laboratório de Astrobiologia - ciência emergente que postula a vida como um fenômeno cósmico em vez de uma exclusividade terrestre - é ainda mais, já que nele convergem diferentes projetos, interesses e formações. Navegar por seus espaços requer uma educação do corpo e da atenção, da mesma forma que o manuseio de uma miríade de frascos e recipientes (i.e., placas de Petri, tubos de ensaio, pipetas, béqueres, provetas etc.) requer um tipo de afinação dos gestos e da sensibilidade. Aqui, a etnógrafa propõe acompanhar os deslocamentos e afazeres dos pesquisadores que atuam nesse ambiente, bem como descrever os movimentos envolvidos na execução de determinadas ações, levando em conta seu encadeamento em sequências operatórias. Ações não são atos isolados. No laboratório, elas estão inseridas em um contexto, obedecem a um propósito, seguem um ritmo e podem ser enquadradas de acordo com as conexões que ensejam. Abrir, segurar, pressionar, raspar, pingar, soltar, fechar, enfileirar e até esperar tornam possíveis a realização de experimentos e o desenvolvimento de pesquisas, autorizando certos modos de relação com elementos não humanos, incluindo microrganismos e minerais, além do taskspace em si. Busca-se também analisar as posturas e os gestos adotados pelos pesquisadores em termos de prática adquirida, aprimorada com o tempo. Especialmente no que tange às habilidades manuais, será interessante analisar as variações entre pesquisadores experientes e iniciantes na execução das tarefas. Por fim, o papel do risco e sua relação com a escolha de certos procedimentos em detrimento de outros no desenrolar de um experimento também serão abordados. O relato etnográfico tecerá diálogos com François Sigaut, Tim Ingold e Bruno Latour. O objetivo é trazer as práticas e os enredamentos dos quais elas participam para primeiro plano, apresentando-as como elementos fundamentais para a condução das atividades dentro do laboratório.
Vida social dos artefatos de palha: desde a feira livre às oficinas de produção
Autoria: Lucas Barreto de Souza, Lucas Barreto de Souza
Autoria: Discutimos, em "A Vida dos Artefatos: Arte/artesanato de Palha na Feira de São Joaquim, Salvador, Bahia", dissertação de mestrado, UFBA, 2020, a partir de uma abordagem biográfica, aspectos relacionados à vida social dos produtos/fabricos resultantes do fazer artesanal, em circuito, na etapa de circulação. A palha é um tipo de material de expressão notável nos mais variados espaços da Feira de São Joaquim, na Bahia. É parte constituinte de uma infinidade de objetos com as mais diversas finalidades de uso: diferentes tipos de palha compõem inúmeros produtos à venda ou em uso. Os artefatos de palha, que em suas linhas de vida passam por essa feira, estão imersos em constantes processos de interação social, enredados que estão, envolvidos por uma grande teia de relações sociais, nas quais exercem seu poder de agência, influenciam ações humanas ao mesmo tempo em que são receptáculos dos efeitos da ação humana, sendo portanto parte desta rede e enredando outros/as atores/as em jogo. Atualmente, o intuito é promover uma investigação que enfatize a etapa de produção desses artefatos, tomando como local referencial, para observação, a Ilha de Maré, mais especificamente a Praia Grande, nesta ilha, e a Cidade de Palha, micro local nesta praia, para proceder às descrições mais detalhadas da produção do artesanato de palha que encontramos na Feira de São Joaquim, pois parte da produção artesanal com palha que circula naquela feira é oriunda da Ilha de Maré. A proposta é contextualizar o projeto, com um relato sobre a experiência anterior, na Feira de São Joaquim, expondo sobre o destaque dado à palha, enquanto material, e aos objetos produzidos a partir dos seus diferentes tipos, e sinalizar intenções e ideias que são parte de um projeto cujo horizonte aponta para a etapa de produção da vida social dos artefatos. Desse modo, dedicar atenção às oficinas, às artesãs e artesãos e ao modo de fazer artesanal, em Ilha de Maré. Para tanto, pretende-se estudar as relações sociais em torno desse trabalho, observando as condições ambientais do entorno, na Ilha e na Baía de Todos os Santos, destacando influências e interferências do desenvolvimento industrial e turístico na região sobre os modos vida no local, área quilombola, cuja população é majoritariamente negra (e que, ao mesmo tempo, comporta o maior percentual de albinos da cidade de Salvador), sobre a qualidade da água e do ar, dos pescados e mariscos - pesca e mariscagem constituem atividades tradicionais de geração de renda e subsistência; e sobre a saúde da população de modo geral.