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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR26: Etnografias do/no sistema prisional: Método, campo, reflexividade e ética

Coordenação: Juliana Melo (UFRN)

Debatedor/a: Welliton Caixeta Maciel (UnB)
Participantes: Marcus Cardoso (UNIFAP), Carolina Lemos (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), Natasha Krahn (UFBA), Juliana Melo (UFRN)

Resumo:
Interpelar etnograficamente a normalização da cultura do castigo, práticas (extra)legais e (extra)judiciárias de punição e controle ao longo da história constitui pauta importante na agenda de pesquisa de diferentes áreas, notadamente das Ciências Sociais e Humanas. O que significa punir/controlar, especialmente no sistema de justiça criminal brasileiro? Por que punir/controlar? Como se pune/controla? Quem pune/controla? A quem se pune/controla? Para responder a estas e outras questões pesquisadores/as têm buscado a etnografia, enquanto método focado no trabalho de campo, mas também enquanto postura e reflexividade em pesquisa empírica, considerando os aspectos éticos e seus desdobramentos. Propõe-se, neste painel, reunir pesquisadores/as e seus trabalhos sobre o campo em tela, em perspectiva local e também comparada, de maneira a visibilizar diferentes olhares etnográficos sobre as prisões e mecanismos de controle estatal em torno do modelo carcerário, dando especial atenção para questões tais como: seletividade penal, encarceramento em massa, facções prisionais, política de “guerra às drogas”, adolescentes infratores/as, mulheres encarceradas, presos/as LGBT, trabalho prisional, familiares de presos/as, egressos do sistema, alternativas penais vs. penas alternativas, usos discursivos e práticos da tortura, estado de exceção nas prisões, métrica e violência de Estado, vigilância e controles eletrônicos, governamentalidade neoliberal e monetarização da vida, entre outras.

Palavras chave: etnografia; sistema prisional; punição.
Resumos submetidos
Quando os "direitos humanos" visitam a cadeia
Autoria: Carolina Lemos, Marcus Cardoso
Autoria: A proposta dessa apresentação é discutir a presença, a prática e os sentidos dos "direitos humanos" em prisões. Como ponto de partida, analisaremos as concepções de direitos humanos formuladas por mulheres e homens presos que puxavam pena no Distrito Federal e de que forma elas se associam a uma política de desumanização dessas pessoas, marcada por experiências reiteradas de violência institucional, exclusão discursiva e desconsideração nas instituições prisionais. Neste campo etnográfico, os "direitos humanos" são concebidos não como entidades universais e abstratas, mas como pessoas que visitam a cadeia e depois partem. Nesse sentido, ao contrário do regime de desumanização de pessoas privadas de liberdade no âmbito das prisões, os "direitos humanos" são humanizados, encarnados em pessoas cuja prática que se situa no plano concreto das relações intersubjetivas. A partir desse pano de fundo, aprofundaremos a reflexão sobre essa prática dos "direitos humanos" nas prisões; quem são, o que fazem e como são percebidos. Além da interlocução com pessoas privadas de liberdade desde o ano de 2013, nossa análise se baseia no diálogo próximo com familiares dessas pessoas que atuam na luta por seus direitos a partir de 2019, e da experiência de atuação como perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que teve início em setembro de 2021.
Circularidades: mulheres, familiares de presos e "guerra às drogas"
Autoria: Juliana Melo
Autoria: A proposta é refletir sobre o crescimento das taxas de aprisionamento de mulheres, sobretudo, vinculada aos crimes por tráfico de droga e/ou associação criminosa. Fundamento-me em uma pesquisa de campo na Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), em que entrevistei 18 mulheres classificadas legalmente como traficantes e popularmente como mulas. Transportavam drogas dentro de seus próprios corpos para estabelecimentos prisionais quando visitavam parentes presos (majoritariamente filhos e companheiros) e foram presas nesse processo. Embora não trate de uma situação nova, o debate continua desafiador em termos acadêmicos, sendo restritos os estudos que demonstram como as mulheres circulam pelas prisões adotando diferentes posições (nesse caso, visitantes e, posteriormente, traficantes e presidiárias) e como existem elos de continuidade entre esses dois polos. A proposta é também refletir criticamente sobre o que definimos como tráfico, traficantes e discutir os impactos sociais que o encarceramento feminino produz - já que corrobora para a desestruturação de famílias já fragilizadas. Há, desse modo, um processo de transmissão intergeracional da condição de pobreza e, no limite, da própria condição de pessoas privadas de liberdade, o que evidencia a falta proteção das mulheres no sistema de justiça criminal e a "eficácia" da política de guerra às drogas no que se refere ao controle desse grupo e manutenção de sua condição de vulnerabilidade.
Exclusão discursiva no cárcere
Autoria: Marcus Cardoso, Carolina Barreto Lemos (MNPCT)
Autoria: Neste paper, apresento o material etnográfico e interpretações, elaborados por Carolina Lemos e por mim, acerca dos significados que as pessoas em situação de privação de liberdade no Distrito Federal dão a suas experiências cotidianas, com especial foco nas situações, relatos e percepções desses atores sociais relacionados àquilo que classificamos como processos estruturais de exclusão discursiva no âmbito desse contexto. A partir de nossos dados de campo, sustento que estes processos são uma dimensão central do puxar pena, não apenas configurando uma forma em si de desconsideração, como também a própria condição necessária para a manutenção de um quadro estrutural de violência e violações a direitos no cárcere.
"Seu funcionário, sou residente": reincidência penal sob a ótica das interações cotidianas em unidades prisionais e narrativas de vida.
Autoria: Natasha Krahn
Autoria: A proposta deste paper é apresentar parte dos resultados da pesquisa de doutorado, que teve como objetivo compreender como se configuravam a vida de pessoas que tinham suas trajetórias entrecortadas por experiências de privação de liberdade desde a adolescência. Aqui me proponho a apresentar como a reincidência penal se apresenta a partir das interações cotidianas nas unidades prisionais do estado da Bahia. Ao analisar cenas do cotidiano em diálogo com as histórias de vida, busco demonstrar como a prisão, para algumas pessoas, passa a se tornar parte constituinte de suas trajetórias e redundando em dependência institucional. Discuto assim, como a prisão acaba adicionando complexidades e ambiguidades específicas a trajetórias já perpassadas por uma série de violações, violências e injustiças, desde a infância. Portanto, minha exposição se centra nas conexões entre o dentro e o fora da prisão e processos de (des)continuidades das relações sociais inclusive com o espaço institucional. Para funcionários/servidores há uma normalização desses processos de constante retorno às unidades prisionais. E essa normalização acaba invisibilizando e minimizando a dor e o sofrimento vivido por essas pessoas, ou seja, invisibilizando a vida destas enquanto vida. Em contrapartida, para as pessoas que vivem estas trajetórias há uma adaptação a essa realidade, ou seja, uma apropriação criativa das circunstâncias que as permitem navegar por esses trajetos sempre tentando sobreviver, que são permeadas de afetos, dor, sofrimento, revoltas, sentimentos de injustiça e desejo de que esta não fosse sua realidade.