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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR28: Habitar em meio a precariedades

Coordenação: Adriana Fernandes (UERJ)

Debatedor/a: Adriana Vianna (UFRJ)
Participantes: Anelise Gutterres (UFRJ), Alexandre Magalhães (UFRGS), Adriana Fernandes (UERJ)

Resumo:
A proposta da mesa é refletir sobre as diferentes formas de habitar a vida e a cidade por parte das populações periféricas em meio as múltiplas precariedades que atravessam o seu cotidiano. Partimos do pressuposto de que as precariedades não existem como resultado de “faltas” ou "ausências", mas são politicamente produzidas e, sobretudo, integram a criação e o governo da vida. Destacaremos os agenciamentos manejados por moradores dessas áreas da cidade para lidar com um cotidiano permeado por destruição, incertezas, violências, opacidades e terror. Notamos que o estado de vigília é um modo que atravessa o viver nesses territórios, assim como, as formas de adoecimento, de racismo estrutural e institucional, os regimes de cuidado exaustivos (na maior parte das situações, a cargo das mulheres), as violências transgeracionais, as perdas abruptas, as incertezas e urgências. Na tarefa de garantir a existênciade si, de familiares e a continuidade do cotidiano, cálculos, “corres” e performances, por vezes complexos e idiossincráticos, são tecidos e modulados. A este cultivo da vida, somam-se os dilemas destes anos de pandemia, ou seja, em um mundo de descontinuidades e exclusões, as agências e táticas de contornamento e/ou de produção de outras linhas de vida ganharam dimensões morais, éticas e políticas ainda mais significativas.

Palavras chave: Habitação; Precariedade; Periferia
Resumos submetidos
(Sobre)viver é habitar no/em movimento: as experiências urbanas das populações pobres e negras
Autoria: Alexandre Magalhães
Autoria: Em função de dificuldades de ordem material e simbólica, historicamente restou às populações pobres e negras realizarem um constante movimento, um deslocamento incessante para continuarem vivendo. Mesmo as políticas habitacionais e urbanas que lhes são direcionadas têm como pressuposto por em movimento estas populações. Isto é, tais políticas, geralmente, não representam a segurança existencial e material mínima de que uma vida possa se enraizar e consolidar durante um longo período num determinado lugar. Tendo em vista experiências anteriores e atuais de pesquisa, este trabalho propõe refletir sobre três ordens de questões: em primeiro lugar, uma distribuição desigual das circulações: quem circula, onde circula e como? Em segundo, como o fazer mover se apresenta como um dos mecanismos e aparatos de controle que constroem clivagens e desigualdades a partir desse pôr em movimento. Assim, tais mecanismos (estatais ou não) atuariam na regulação dos movimentos de certos corpos, induzindo, inclusive, os ritmos de circulação e as fixações possíveis. Em terceiro, que uma das formas de contornar os efeitos perversos dessa política é justamente colocar-se em movimento. Mover-se para sobreviver. Nesse sentido, pensar o viver nas cidades como habitar no/em movimento é fundamental aqui porque circular é fazer espaço e, sobretudo, vida. Nossa cartografia de vida é feita de nossas movimentações e impossibilidades de movimentações e também de (im)possibilidades de fixação.
A casa na favela e a vida que corre contra o tempo
Autoria: Anelise Gutterres
Autoria: Reúno para esta apresentação alguns episódios narrados por uma das minhas interlocutoras de pesquisa, a qual chamarei de Nora. São testemunhos reunidos a partir de uma imersão compartilhada nas imagens dos seus álbuns de fotografia e que nos provocam a refletir sobre as múltiplas temporalidades e intensidades do seu cotidiano em uma vila no Morro Santa Teresa, localizado na cidade de Porto Alegre. Os relatos nos apresentam as diferentes formas de produzir a vida diante da "condição precária compulsória" (Gutterres, 2020) ao qual grande parte das mulheres negras e pobres estão submetidas no Brasil. No amplo debate sobre memória, temporalidade e narrativa — temas contemplados nas reflexões aqui propostas — meu objetivo no escopo desta apresentação é o de demarcar a importância dessas condições para pensarmos sobre algumas permanências na vida de Nora e o seu trabalho cotidiano de tecer a vida diante destas continuidades. Ao basear a narrativa do seu cotidiano no percurso pelo álbum de fotografia, Nora nos apresenta diversos passados possíveis a partir do presente vivido naqueles dias de inverno do ano de 2012 nos quais estivemos olhando juntas as suas fotografias. É também no percurso pelo álbum que ela reforça a centralidade da casa em sua vida, um núcleo organizador de fios de lembranças, linhas que permitem a ela percorrer, refletir, avaliar suas escolhas, feitos e êxitos. Endossando a perspectiva trazida por Marcelin (1999:55) também compreendo aqui a casa como um centro de produção e contagem do tempo, já que ela também "se refere ao universo familiar em perpétua transformação". Tanto as diferentes casas de aluguel na qual Nora e sua família se instalam quando vem para Porto Alegre quanto a casa na Vila Gaúcha como a que morou Nora quando migra para o Morro Santa Teresa são algumas das possibilidades de morada que se oferecem nas andanças e circulações dos pobres nas cidades. Sempre apontadas pelo poder dominante como abjetas, incompletas e precárias, os adjetivos para as casas se transpõem para a população que nela vive e a fixação adjetivada assim como a condição de "trânsito incessante" marca a vida dessas famílias. Refletiremos junto do relato de Nora sobre a casa como sinônimo de fixação e na gama das moralidades e domesticações associadas à casa, como parte do jogo entre territorialização e circulação negativa das mulheres negras e pobres. Onde a produção de circulação forçada, a produção de instabilidade e perturbações fazem parte das permanências oferecidas pelo estado em vilas, favelas e periferias.
Agências e agentes em uma periferia do Sul: neoliberalismo, pentecostalismo e ética
Autoria: Adriana Fernandes
Autoria: A configuração de um neoliberalismo no hemisfério Sul conjugado a um dispositivo governamental pentecostal que atua nas periferias tem nos instigado a compreender os modos como o Estado opera nas margens, assim como, as moralidades e éticas das camadas populares urbanas pobres que saltam desse quadro. Em muitas periferias da cidade do Rio de Janeiro são as relações entre a política e vida social, com agentes ligados ao Estado, a grupos de milícia e a igrejas evangélicas e pentecostais que produzem, não apenas a vida sob ameaça e em meio a violências cotidianas regulares e brutais, mas podem incluir relações de proximidade complexas, ambíguas e situacionais. No caso de minha interlocutora, que tenho chamado de Moema, a ética que a orienta é resultado do pertencimento ao território (espaço físico) em que nasceu e onde é reconhecida pelo diminutivo, em diálogo com as três irmãs que moram na mesma comunidade, pelas igrejas que frequentou/frequenta por décadas (Assembléia de Deus e IURD), por fim, pelas redes que construiu no movimento de mães e familiares de vítimas da violência estatal. No neopentecostalismo transcendentalista e pragmático que ela sustenta como um eixo fundamental de sua ética, há apropriações quanto aos repertórios morais que as igrejas veiculam. Moema produz uma ética e uma forma de vida, e fala isso utilizando casos e exemplos de seus percursos que pontuam as desigualdades de raça e gênero constituintes ao país: um padrão de maternidade específico (a mãe responsável pelos filhos), uma violência estatal direcionada aos povo negro (as mães tornam-se depositárias dessa memória), um neoliberalismo (a "era do PIX") onde cuidado e preservação dos seus se confunde a endividamentos e atenção vigilante às "ovelhas que se largaram do rebanho" . Por fim, um saber circulatório sobre as redes de assistência, comunicação e engajamento que não é banal. Na tarefa de entender como se reúnem esses elementos, a princípio incongruentes, percorreremos outros fios que Moema e sua família têm narrado. Com Moema e as irmãs, além do pentecostalismo, é preciso somar à comunidade onde vive as moralidades tecidas nos bailes, junto aos namoros e casamentos, na viração como guardadora de carros, as noitadas com um cunhado e as memórias desse tempo. No passado, a luta para cuidar dos filhos da irmã que bebia, a doença da mãe (que as irmãs julgam pelo pertencimento ao "espiritismo afro"), a batalha que travou para se separar do marido que a violentava e a que empreende para proteger o filho que esteve nas ruas. Esses percursos resultam em um território ético-existencial de muitos realces e imaginação questionadora que não apenas se combina ao dispositivo pentecostal, como surge atrelado a ele de maneira íntima.