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ISBN: 978-65-87289-23-6
MC01. Experimentações etnográficas: inovações, possibilidades e estilos de criatividade

Matheus França, Carolina Parreiras, Juliana Farias, Daniela Moreno Feriani

Este minicurso tem como objetivo trazer como ponto principal de debate o estímulo a formas inventivas de apropriações, usos e experimentações etnográficas. Trata-se aqui de pensar a etnografia como um campo aberto de possibilidades tanto em termos de escrita e formas de narração, como também de ação “em campo”. Seja em formas colaborativas de construção de etnografias ou em trabalhos conduzidos em ambientes digitais – entre outras inúmeras e possíveis formas de encontro etnográfico –, a proposta central será a de provocar a adoção de diferentes abordagens metodológicas, com base em distintos estilos de criatividade que podem eventualmente contribuir para fomentar estratégias discursivas, narrativas e de condução do trabalho etnográfico. A proposta central gira em torno da realização de três sessões, por meio das quais esperamos explorar os seguintes eixos: a) introdução teórico-metodológica sobre a noção de experimentações etnográficas, com ênfase na apresentação de experiências contemporâneas; b) formas de construção colaborativa de narrativas etnográficas; c) tensionamentos do fazer etnográfico e outras possibilidades de construção etnográfica em diferentes linguagens.

Resumos submetidos
Imagem, escrita, delírio e outras experimentações numa etnografia com processos demenciais
Autoria: Daniela Moreno Feriani
Autoria: Como ver e mostrar os materiais de campo? A proposta é investigar algumas possibilidades de fazer pesquisa através de diferentes grafias, entendidas, aqui, como modos de inscrição e expressão, em uma relação indissociável entre forma e conteúdo, narrativa e experiência, campo e teoria. O objetivo é explicitar, discutir e valorizar os processos criativos como valores heurísticos para o fazer antropológico, aproximando-o de outras áreas de conhecimento, como artes, literatura, arqueologia, design e afins. Fazer da pesquisa um “artesanato intelectual”, um ateliê, possibilita testar caminhos, tatear por significados, compor possibilidades que abrem para outros modos de ver e narrar/descrever/escrever, em uma proposta conceitual e metodológica de tomar a experimentação e a imaginação como processos de conhecimento. Como, de fato, “experimentar o pensamento do outro”, como propõe Eduardo Viveiros de Castro? A partir da minha etnografia com pessoas em processo demencial, vou mostrar algumas estratégias e escolhas narrativas que enfrentei ao longo da pesquisa numa tentativa de atravessar o espelho e encontrar o "mundo às avessas" da demência, com outras coordenadas e referências. Assim, ao movimentar imagens e palavras a partir de cenas, conversas, fotografias, vídeos, objetos, metáforas, gestos, afetos, delírios presenciados em campo, procurei "atravessar o véu mantendo sua qualidade alucinatória" (Taussig, 1991) e me aproximar do que venho chamando de grafia-demente. Como resultados dessa busca, publiquei um site com os materiais da pesquisa (soproseassombros.com.br) e venho desenvolvendo uma graphic novel com o tema. Se é de outra realidade que estamos falando, como trazê-la para o meu mundo, como fazê-la sacudir minha própria realidade e linguagem para me abrir a outros modos de ver, fazer, descrever? Como conceber um mundo em que o chinelo é o controle remoto, a embalagem brilhante de biscoito é uma borboleta, a camisa se veste como calça? Como conferir estatuto de realidade à cena do macaco da televisão que vai invadir a sala, ao trator que anda que nem casa, aos alimentos da geladeira que vão atacar? Como mostrar esses incidentes etnográficos, tomar os vislumbres e assombros do campo como potências analíticas e inventivas? Como descrever o invisível, o delírio? Como "levar a língua a delirar" (Deleuze, 1992)? O que pode a palavra quando ela se desloca de um referente? Quando não é para ser decifrada, o que a linguagem se torna? A aposta, enfim, é de que a demência possa ser um estímulo para produzir narrativa e inventividade, e mostrar como, a partir desse outro modo de ver das pessoas com demência, eu também precisei reinventar o meu próprio modo de ver, escrever, narrar, mostrar.