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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT16: Antropologia e Alimentação: diálogos sobre cultura, identidade e direitos

Talita Roim, Fabiana Kraemer

As Reuniões Brasileiras de Antropologia (RBA) congregam há mais de 25 anos Grupos de Trabalho (GT) que se debruçam sobre o fenômeno da alimentação, tendo o primeiro GT ocorrido no ano de 1996, em Salvador/BA. Ao longo desses anos, esse espaço vem gerando profícuas discussões no campo da Antropologia da Alimentação. À vista disso e pela expectativa de contribuir com as reflexões e diálogos até então estabelecidos, propomos para 33ª. RBA percorrer o campo da antropologia da alimentação tomando os avanços e inovações das pesquisas no campo para estudar a cultura e compreender as mudanças sociais, em especial, em tempos que indivíduos e coletivos são alijados dos seus direitos. Compreender como a comida constitui identidades e relações sociais e como práticas alimentares se ressignificam em uma sociedade é imprescindível na constituição de projetos e políticas públicas alimentares e para garantia da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) das populações. Nesse sentido, serão aceitos trabalhos que abordem as mais diversas dimensões socioculturais que tenham a alimentação como objeto de investigação e as tendências e desafios alimentares nas sociedades contemporâneas.

Palavras chave: Alimentação; Cultura; Direitos.
Resumos submetidos
Dendê, Dendezeiro e azeite: um estudo etnográfico sobre o dendê
Autoria: Rafael Camaratta Santos
Autoria: A presente comunicação trata-se de um empenho inicial de tese de doutorado na qual busco reflexionar sobre o material de pesquisa resultante do trabalho de campo que venho desenvolvendo, desde de 2014, junto ao terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, localizado em Salvador, Bahia, que visava, inicialmente, estudar os sentidos e significados que as interlocutoras e os interlocutores atribuíam à prática de cozinhar para os orixás. Contudo, ainda buscando me distanciar da dissertação que defendi em 2018 e sendo atravessado pela pandemia de covid-19 foi que cheguei ao dendezeiro e ao seu local de cultivo. Eu iniciei o doutorado em antropologia social no museu nacional em 2020 e venho realizando pesquisa etnográfica acerca do sistema alimentar ritual do candomblé. Porém para a tese estou perseguindo outros personagens não humanos que compõem esse sistema, no caso o dendê (dendezeiro e azeite), na perspectiva da vida social das coisas proposta por Appadurai (1981), de olho nas diversas relações que estes seres estabelecem com uma série de outros sujeitos - humanos e não humanos - desde a colheita por produtores, beneficiamento por processadores, a venda, em suas diversas modalidades, a circulação do produto do território do baixo sul até as feiras de São Joaquim e Sete Portas, em Salvador, por fim a sua chegada na cozinha do terreiro. Aqui, a personagem principal é a árvore que produz o fruto. Trazida de África e há séculos aclimatada ao litoral baiano e que dá nome à região turística do estado, a chamada costa do dendê que reúne cidades como Valença, Ituberá, Taperoá, Cairu. É notável a forte presença de comunidades remanescente de quilombolas nessa região, assim como milhares de palmeiras de dendê espalhadas ao longo das rodovias da região. Não há muitos registros sobre a inserção dessa espécie exótica no bioma da região e isso pode ser explicado tanto pelo fato de não ser uma cultura de plantio, ou seja, as sementes são espalhadas por dispersores de sementes e, nesse caso, o urubu é o maior responsável pela dispersão dos dendezeiros pela mata. Por ser um fruto carnudo e avermelhado, chama a atenção de diversos outros animais. Busco, assim, explorar os caminhos etnográficos do dendê, esse fruto avermelhado de origem africana e alimento estruturante do sistema alimentar do candomblé - religião de matriz africana que se estruturou ao longo de toda a costa atlântica brasileira. Os adeptos do candomblé são às vezes conhecidos como "povo do azeite" e as comidas votivas que compõem o seu sistema alimentar ritual são chamadas de "comida de azeite", esta, já há muito tempo, absorvida pelas mesas das casas baianas, tornando-se exemplo da assim chamada comida afro-baiana, ou simplesmente comida baiana.
"Ka"angawa é comida de jabuti, aqui as crianças comem açai e também comida da roça"
Autoria: Richelly Costa
Autoria: A política de alimentação escolar está presente nos ambientes de debates sobre políticas públicas no Brasil, desde meados do século XX. Alguns autores destacam o início dessa jornada associando alimentação à saneamento e higiene, ocorridos nos anos de 1920, outros relacionam a situação de desnutrição, sob a perspectiva de causas sociais e econômicas da fome e da desnutrição, outros referenciam sobre os debates que circulavam a institucionalização da alimentação escolar, durante a década de 1940 (PEIXINHO, 2011; SOUZA, 2017; ROCHA, 2014; SANT"ANA, 2008). A alimentação ofertada nas escolas indígenas sobrevive em um contexto desafiador, necessitando atender aos critérios das orientações nutricionais e de segurança alimentar, associada com o respeito à cultura alimentar desta população. É válido destacar o respaldo das legislações vigentes, que garantem e reforçam o protagonismo cultural, bem como a segurança alimentar, porém ainda há muitos arranjos a serem orquestrados (VIEIRA-FILHO, 2016). Assim, percebe-se as diversas realidades da dinâmica da merenda escolar em escolas indígenas. Apresentaremos, especificamente, a realidade da população Awaeté-Parakanã do Tocantins. Esta população é considerada de recente contato, por deter uma relação tênue com a sociedade ocidental. Seu primeiro contato foi em 1970, no momento da construção da Transamazônica, somando-se, naquela época, cerca de 200 indígenas. Posteriormente, em 1983 foram contatados cerca de 211 indígenas que viviam na região onde atualmente está instalada a hidrelétrica de Tucuruí (FAUSTO, 2001). A educação escolarizada foi implementa somente em 2018, levando até a população políticas públicas que circundam a educação escolar, entre elas a merenda escolar. Em uma visita para realização periódica de diagnóstico escolar, percebemos que alguns itens ofertados para merenda dos escolares estava sendo direcionada para os animais domesticados (como verduras) ou deixados de lado (como o charque), eventualmente atingindo o vencimento. Ao questionar os indígenas ouvimos que os folhosos que estavam indo para os konomia (crianças) não faziam parte da alimentação da população, somente dos jabuti criados pela comunidade. Percebemos que não ocorreu um diálogo prévio, menos ainda consulta à comunidade para reconhecimento do perfil alimentar, considerando a cultura como norte da execução da política de alimentação escolar, para desenho dos itens a serem ofertados à população, ocasionando em desperdício de dinheiro público e não atendimento da segurança alimentar dos escolares. Face ao exposto, realizamos estudo com discussões sobre o fornecimento da merenda escolar para populações indígenas, bem como aspectos relevantes que consideram as especificidades culturais em diálogo com a política.
Petit Gâteau Tabajara: a gastronomização da peteca de banana no brejo paraibano
Autoria: JOSELIO DOS SANTOS SALES, Luciana Chianca
Autoria: O turismo como fenômeno social tem proporcionado importante intercâmbio cultural, transformando territórios, povos e culturas. É um fenômeno complexo, com dimensões políticas, econômicas, ambientais, sociais e culturais. Localidades em diferentes partes do Brasil usam esta atividade para a divulgação de seus patrimônios, configurando-se como locais de atração turística. Em Bananeiras-PB, não é diferente. Ali comidas cotidianas estão se transformando em produtos turísticos e vem passado por um processo de gastronomização para fisgar o "gosto" dos turistas e divulgar a cidade como produto símbolo do local. Entre esses pratos está a Peteca de Banana, uma iguaria culinária local. A sobremesa é feita a partir da fritura de uma massa a base de banana, farinha de trigo, leite e ovos, polvilhada com açúcar e canela. Ela pode ser degustada com bolas de sorvete, decoradas com folhas de hortelã e regadas a mel de engenho, pois o município já teve uma grande quantidade de engenhos de cana de açúcar e essa "decoração" contribui para a (re)significação local a partir de sua culinária. A peteca não tinha esse viés gastronômico. Era feita como "engana-bucho" ou "mata-fome", conceitos nativos para alimento que sacia a fome imediatamente, mas sem o "glamour" gastronômico. Além de ser uma "merenda" (lanche) rápida e barata era uma forma de aproveitar os produtos in natura, o município produzia banana em abundância e a fruta é bastante perecível. A partir de 2007, com a criação da Rota Cultural Caminhos do Frio, no brejo paraibano, circuito composto por 8 municípios, que durante o inverno chegam à temperatura de até 14ºC, um dos colunistas sociais de um jornal de grande circulação da capital experimentou a iguaria (em um evento realizado para imprensa, para divulgação da cidade brejeira) e comparou-a com o "Fondant au Chocolat", popularmente conhecido como "Petit Gateau", nomeou a sobremesa de "Petit Gateau Tabajara", não por ser falso, "Produtos Tabajara do Casseta e Planeta da Rede Globo, mas devido a etnia Tabajara habitar o Estado da Paraíba. Nomeia uma das mais importantes empresas de radiodifusão do Estado da Paraíba: a Rádio Tabajara. Esse "(re)batismo" deu visibilidade ao prato e a peteca figura, atualmente, entre as sobremesas dos importantes restaurantes, cafés e sorveterias da cidade. O objetivo do presente trabalho, que faz parte de uma pesquisa de doutorado em curso, é compreender o processo de gastronomização da Peteca de Banana no município de Bananeiras-PB e de que forma a Rota Cultural Caminhos do Frio contribuiu para ele, quem foram os principais agentes dessa gastronomização ao ponto de o processo da feitura da sobremesa ser considerado um patrimônio imaterial local.
Da colônia, com afeto: o encontro de comida e memória entre italianos e descendentes
Autoria: Luiza Giordani
Autoria: A partir de um trabalho etnográfico realizado com imigrantes e descendentes de imigrantes italianos no Rio Grande do Sul pertencentes a diferentes levas migratórias, este artigo se propõe a apresentar o papel central desempenhado pela comida na relação com a identidade dos indivíduos em relação à cultura italiana. O objetivo é entender a importância da comida nas relações coletivas, as transformações que a comida sofreu após a imigração e colonização, bem como identificar semelhanças e diferenças entre aquilo que é servido na Itália e o que é oferecido no RS, usando a figura da comida típica ou emblemática para a realização desse diálogo.
Dinâmicas Sociais da Comida e Agência entre os Quilombolas (MUNDO NOVO/BUÍQUE/PE)
Autoria: Claudia Maria Moreira Hofmann, Julie A Cavignac
Autoria: O objetivo desta comunicação é refletir sobre os agenciamentos dos poderes públicos voltados para alimentação e a elaboração de diferenciações valorativas na relação com a produção, consumo e comercialização de produtos no território quilombola Mundo Novo situado no agreste pernambucano. Existe o destaque para as comidas e bebidas concebidas e qualificadas pelos quilombolas como remédios. Os dados estão sendo acessados desde 2021, a partir de entrevistas e conversas mantidas via aplicativo Google Meet, Whatsapp e o levantamento de publicações na internet. Para refletir sobre as dinâmicas constituídas nas relações estabelecidas pelos poderes públicos, nos aproximamos da literatura sobre gastronomização (POULAIN, 2016), patrimonialização (CAVIGNAC et. al., 2016), produção e uso de plantas curativas (PEIXOTO, 2020). O interesse da Prefeitura Municipal na culinária do Mundo Novo se aproxima das ideias que o apreendem como a "gastronomização do terroir" (POULAIN, 2016). A comercialização de determinadas comidas e bebidas, têm sido incentivada pela prefeitura para atender a um público de turistas e às feiras regionais. No Mundo Novo, a experiência com a gastronomização tem se mostrado como uma alternativa para contribuir com a segurança alimentar. Mais do que isso, ela tem aproximado comunidades Quilombolas da região que ampliaram suas relações sociais a partir do fornecimento de matéria prima (grãos de café e milho sem agrotóxico) para confecção dos alimentos específicos a serem comercializados. Palavras-Chave: Alimentação. Quilombola. Agência.
Santinho em foco: preferências alimentares e afirmações de identidade em um bairro de Florianópolis
Autoria: Tomaz Xavier de Souza
Autoria: No bairro do Santinho, em Florianópolis, moradores descendentes de pescadores na sua maior parte de origem açoriana convivem com pessoas de várias localidades, incluindo cidades, estados e países diversos. Através desse artigo, se verifica se o padrão alimentar desses moradores, chamados de "nativos"(como uma pcategoriaprópria de identidade nativa) se modificou com o contato com os chamados "de fora". Artigo baseado no meu trabalho de conclusão de curso.
Representações artísticas sobre hábitos alimentares e sociabilidades do cotidiano
Autoria: Mônica Chaves Abdala, Cristiane Fernandes
Autoria: A proposta é realizar uma discussão relativa às representações sobre alimentos em telas de patchwork. Alimento e arte são dois temas a priori distintos, todavia ambos revelam em suas configurações hábitos, normas, práticas e saberes constitutivos das sociedades que os elaboram e os utilizam. A arte têxtil em patchwork, uma técnica milenar que reúne pedaços de tecidos formando iconografias figurativas, geométricas e abstratas expressa, por vezes, traços nacionais, regionais e locais, inclusive sobre a alimentação. No Brasil, ocorrem feiras anuais com exposições de telas de patchwork, entre as quais o Festival Internacional de Quilt de Gramado e a Brazil Patchwork Show, em São Paulo. Entre os expositores destaca-se o Clube Brasileiro de Patchwork e Quilting de São Paulo, com curadoria de Benigna Rodrigues da Silva e Wagner Vivan, cujo foco expográfico referencia as culturas brasileiras e a sustentabilidade, propondo temas que retratam o Brasil e estimulam o reaproveitamento de tecidos; abordagens pertinentes aos estudos das Ciências Humanas e Sociais. Os procedimentos metodológicos desta pesquisa são de cunho qualitativo, pautados em referências bibliográficas, análise iconológica e observação participante de uma das pesquisadoras junto às artistas afiliadas ao referido Clube. Produções sobre arte, cultura, artefatos culturais, memória, alimentação e fontes visuais constituem os pilares básicos da reflexão. Em diálogo com autores cujas perspectivas teóricas fundamentam a abordagem dessas temáticas, e por meio da seleção de algumas iconografias de telas das exposições do Clube, busca-se analisar hábitos e sociabilidades emblemáticos do cotidiano do país, apreendendo seus significados histórico-culturais.
As Louças em Barro de Guilherme Tiburtius, expressões materiais dos saberes e fazeres da alimentação de Comunidades Tradicionais e Históricas que viveram no entorno de Curitiba, Paraná
Autoria: ROSANE PATRICIA FERNANDES, DIONE DA ROCHA BANDEIRA, CLAUDIA PARELLADA, Mariluci Neis Carelli
Autoria: Os artefatos em cerâmica, desde os tempos arqueológicos, trazem memórias sociais, reverberando informações das relações sociais, territórios e tradições, além de mudanças e interações culturais. Assim, este trabalho traz aspectos referentes à gênese histórica-geográfica das cerâmicas como aporte para discutir as louças de barro, do primeiro planalto paranaense, reunidas pelo pesquisador e arqueólogo amador Guilherme Tiburtius, entre 1941 e 1942, no entorno de Curitiba. Tibutius coletou 12 mil objetos de valor arqueológico, etnográfico e histórico, enquanto viveu no Paraná e Santa Catarina. O estudo integra a pesquisa/ tese interdisciplinar vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade, da Universidade da Região de Joinville, com revisões bibliográficas e documentais, e análises estilísticas, morfológicas e das técnicas do conjunto Araucária, coletado por Tiburtius, sob guarda do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville. O objetivo é selecionar elementos que estabelecem conexões entre esse acervo e as cerâmicas locais e seus usos na alimentação e preparação de comidas tradicionais. Os artefatos cerâmicos são polissêmicos, com múltiplos significados e usos, e, ao longo do tempo, podem perder funções primárias, adquirindo novos valores simbólicos. Na coleção Tiburtius estão mais de 300 peças, como vasos, com e sem alças, potes de diversos tamanhos, tigelas, torradores, panelas, pratos, jarros, cuscuzeiros e objetos zoomorfos. As proveniências destes vasilhames sugerem que sejam produções domésticas em contextos locais/ regionais, elaboradas por comunidades históricas, com influxos europeus, indígenas e africanos, posteriores ao século XVI, conforme discussões prévias de diferentes pesquisadores. Apresentam elementos híbridos quando analisadas as técnicas de fabricação, os atributos morfológicos, os tratamentos de superfície, bem como aplicações de múltiplos elementos. As memórias e identidades estão materializadas nos objetos. Ademais, nos encontramos em um período que se almeja recuperar os sentidos sociais, as memórias e o patrimônio cultural das populações negligenciadas historicamente, buscando informações sobre suas práticas, seus alimentos, seus ritos e tradições e território. Assim, almeja-se falar dos objetos musealizados e da potência desses acervos para a pesquisa cientifica, bem como, discutir e quem sabe, compreender melhor os hábitos alimentares atuais, por meio da cozinha e dos utensílios domésticos daquelas comunidades tradicionais que teceram suas louças em barro.
Da bíblia ao século XXI: lei, comida e identidade judaica
Autoria: Marta Fran
Autoria: Dos tempos bíblicos à contemporaneidade as leis dietéticas judaicas, também conhecidas como kashrut, tem mudado significativamente: alimentos novos apareceram em cena, além das mudanças nos contextos geográficos e socioculturais nos quais residiam e residem judeus, obrigando-os a reformular algumas regras. Paralelamente, o incremento da tecnologia na produção de alimentos e a circulação em nível global de certos alimentos exerceu um impacto importante na kashrut, que se manifesta na complexidade dos processos necessários para certificar quais alimentos são proibidos e quais, não, abrindo o caminho para o treinamento e a atuação de peritos em diferentes áreas de kashrut. Um trabalho de campo realizado em Israel e no Brasil entre 2015 e 2017 me levou a esboçar algumas hipóteses em relação ao impacto dessas mudanças na conformação da identidade judaica nos dias de hoje. O objetivo desta proposta é focar a atenção em uma das dimensão das leis dietéticas que sofreu mudanças substantivas nas últimas décadas e que, por isso, questiona a continuidade de uma tradição milenar entre aqueles que, paradoxalmente, se consideram os bastiões na defensa do único judaísmo autêntico e verdadeiro, isto é, os judeus ortodoxos. Se essas hipóteses são corretas, estaríamos diante de alguns problemas para definir os judeus ortodoxos de hoje como um povo santo (vide Douglas 1966). É necessário lembrar que a causa última para seguir as leis dietéticas em todas as épocas é o alinhamento ritualizado dos judeus com os desígnios divinos. Como consta em Levítico (11:44), onde são apresentadas as leis dietéticas com maior detalhe, a existe só uma razão para segui-las à risca: "Eu sou o Senhor, vosso Deus; portanto, vós vos consagrareis e sereis santos, porque eu sou santo". A dimensão da kashrut à qual me referi acima está relacionada ao silêncio das autoridades rabínicas em relação à circulação e consumo de carne não-kasher nas comunidades judaicas ortodoxas de Israel e do Brasil, certificadas como kasher pelas agências responsáveis. Isto acontece porque o ritmo das granjas e frigoríficos modernos tornou-se incompatível com as leis da kashrut. Os trabalhos clássicos de Mary Douglas (1966; 1993), Jacob Milgrom (1991; 1993), Eilberg-Schwartz (1990) e David Kramer (2009) foram o ponto de partida necessário para refletir sobre o objeto de estudo levando em consideração, porém, é necessário lembrar que esses estudiosos trabalharam o texto bíblico e não a prática da kashrut nos dias de hoje, o que me levou a procurar outra abordagens.