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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT55: Monumentos e espaço público: abordagens antropológicas

Edilson Pereira, Thaís Waldman

A vida dos monumentos é marcada por um dilema: eles seguem sendo construídos e integrados à paisagem urbana ao mesmo tempo em que se observa uma crescente desconfiança em relação a sua presença no espaço público. Tradicionalmente elaborados com a finalidade de demarcar espaços ou celebrar a memória de eventos e personagens históricos, nos últimos anos eles têm sido alvo de uma renovada atenção, sendo questionados, derrubados e reinterpretados criticamente. Muitas das ações contra monumentais recentes se vinculam a movimentos de caráter antirracista e decolonial, como no caso paradigmático do movimento Black Lives Matter (EUA e Inglaterra) e dos ataques a imagens de Bandeirantes (Brasil). Apesar da grande visibilidade alcançada pelas controvérsias públicas que esses e outros casos geraram, ainda são poucos os espaços de discussão antropológica sobre monumentos. O presente GT visa contribuir nesse sentido, agregando pesquisadoras/es interessadas/os em debater a própria noção de monumento, seus usos e desdobramentos políticos, materiais e estéticos. São bem-vindos estudos que pensem etnograficamente essas questões a partir de marcos, arquiteturas e imagens figurativas ou não-figurativas, logradouros, memoriais, espaços de memória, iniciativas contra estatais e subalternas, intervenções de arte urbana, etc. colocando em foco o papel dos monumentos nas reconfigurações do espaço público.

Palavras chave: monumentos; espaço público; paisagem urbana
Resumos submetidos
Cidade e agência: o imaginário urbano em disputa por meio de museus e monumentos
Autoria:
Autoria: Inspirado pela proposta de Alfred Gell em que retoma o foco no objeto para a antropologia e pela ideia de que a cidade não é apenas cenário de práticas sociais mas também agente, busca-se um olhar para disputas em torno de alguns monumentos e museus da cidade de São Paulo a fim de compreender como por meio da materialidade o imaginário urbano é reconfigurado. O objetivo não é somente afirmar que monumentos e museus (vistos também na dimensão de monumentos) agem sobre os citadinos, mas investigar de que maneira isso acontece e quais as implicações para processos de mudança social. Esta apresentação pretende salientar a influência de ações de caráter decolonial ou ligados a grupos subalternizados na produção de imagens sobre a cidade e, assim, no imaginário urbano. Para isso, baseia-se em uma investigação de abordagem etnográfica multissituada em dois museus paulistanos (Museu do Ipiranga e Masp), no âmbito de uma pesquisa de doutorado, e em análise de intervenções em dois monumentos representativos da cidade (o Monumento às Bandeiras e a estátua em homenagem a Borba Gato). O pressuposto é de que intervenções em museus e monumentos, permitidas (como exposições ou projeções) ou não (como pixação ou incêndios provocados), são momentos de interferência no imaginário social - visto como um protótipo gelliano - em que se busca sua manipulação e transformação. No caso de São Paulo, modelos idealizados oriundos do modernismo e do bandeirantismo são contestados e reelaborados no espaço público, promovendo novos enquadramentos e permitindo o surgimento de novas referências culturais, estéticas, políticas, entre outras. Dessa forma, símbolos pretensamente unificadores (como os bandeirantes) são questionados em prol de referências mais plurais. A produção de imagens resultante desse enfretamento com monumentos ou mesmo acolhida - e matizada - de forma institucionalizada por museus algumas vezes ganha desdobramentos e alcance imprevisíveis mediante a circulação pelas redes sociais. Portanto, o caráter performático de tais enfrentamentos também é analisado na perspectiva da disputa pelo imaginário urbano.
Marielle Franco e os suportes de contra memória : centelhas a partir do fogo em Borba Gato
Autoria:
Autoria: Em julho de 2021, manifestantes atearam fogo em pneus espalhados nas proximidades da estátua do bandeirante Borba Gato, em São Paulo, envolvendo-o em uma aura de fogo e fumaça. Dias depois, na mesma cidade, o painel em homenagem à Marielle Franco, situado no "Escadão" atualmente conhecido pelo nome da vereadora, amanheceu manchado de tinta vermelha e pichado com a inscrição "Viva Borba Gato", o número "666" e o desenho de um pênis. Ainda no contexto de resposta ao ataque ao bandeirante, o antimonumento em homenagem ao líder comunista Carlos Marighella foi coberto por tinta vermelha. Como pode ser visto, centelhas do incêndio provocado na estátua do bandeirante atingiram outras homenagens feitas em diferentes suportes no espaço público. O contexto mais imediato do ato no monumento de Borba Gato foi o de manifestações contrárias ao presidente do Brasil, realizadas no mesmo dia em diversos estados do país. As ações envolvendo monumentos, contudo, inserem-se em tecido mais amplo, marcado pela contestação de celebrações que exaltam personagens da colonização de povos africanos, indígenas e outros não brancos. A trama de tal tecido é formada por iniciativas internacionais e tem sido bastante mobilizada na esteira dos movimentos #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam), deflagrados no contexto de luta contra a violência policial direcionada a pessoas afro-estadunidenses. Diante do exposto, a presente comunicação tem como propósito analisar conflitos de memória no espaço público, evidenciando como e quais objetos eles colocam em conexão. Para tanto, observamos homenagens em suportes diversos e as ações que as têm colocado no centro do debate sobre a presença de figuras públicas no meio urbano. Nossa atenção se voltará principalmente às intervenções que transformam muros, estátuas e outras superfícies em suportes de contra memória, entendidos em nossa proposta como aqueles que dão a ver histórias diversas daquelas corporificadas por estátuas de homens brancos, militares, fardados e seus correlatos. Em continuidade à reflexão já iniciada (Lânes e Gomes, 2021) acerca do protagonismo de outros sujeitos na produção do espaço urbano, pretendemos dar prosseguimento à análise sobre objetos, imagens e eventos memoriais que homenageiam Marielle Franco. Estes têm se pluralizado pelas ruas de diferentes cidades desde o assassinato da vereadora e ativista dos direitos humanos em 2018. Interessamo-nos ainda pelos processos de viralização, no ambiente digital, das ações, aparentemente efêmeras, em torno de monumentos e objetos afins. Desse modo, buscaremos evidenciar suportes, processos e narrativas que se inserem em embates políticos contemporâneos, modulados por violências e resistências resultantes da atualização de relações coloniais de raça, gênero e de classe.