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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT28: Corpo, reprodução e moralidades: disputas de direitos e resistência à onda conservadora

Rozeli Porto, Naara Luna

O país está sob impacto do avanço do conservadorismo no Estado e na sociedade. O discurso da defesa da família, restrita a um único modelo, é associado à defesa de certas liberdades individuais, como a de crença religiosa, ou de recusa à vacinação, ao mesmo tempo que desmonta políticas públicas voltadas para o segmento LGBT, inclui o país no acordo de Genebra para restringir o acesso a direitos reprodutivos, além de limitar o debate público sobre questões referentes a gênero e sexualidade, englobado na categoria de acusação "ideologia de gênero". Agentes religiosos envolvidos no aparelho de Estado e no Legislativo têm mobilizado essa discussão, além de empreendedores morais, especialmente do campo religioso, buscando influir na opinião pública e nas políticas de governo. O valor da liberdade individual é acionado de formas distintas, para defender o direito da liberdade religiosa a fim de impor posições LGBTfóbicas e contra os direitos das mulheres, alegando a defesa da família. Nosso GT pretende debater esse cenário complexo acolhendo trabalhos que problematizam as articulações entre diferentes moralidades, discursos religiosos e pânicos morais. Aborto, reprodução assistida, adoção por casais de mesmo sexo, transgeneridade, reconhecimento do nome social, parto humanizado, são algumas questões de interesse. O objetivo é lançar luz sobre percepções de sexo, gênero e família, sustentados no interior de tais tensões e impactos no acesso a direitos e às políticas públicas.

Palavras chave: Reprodução; religião; moralidades
Resumos submetidos
Maternidade como experiência do cuidado: vivência das mães de crianças com microcefalia diante da pandemia de COVID-19
Autoria: Fernanda Gabriele de Moura, Rozeli Porto
Autoria: Nos últimos cinco anos, o Brasil enfrentou duas crises sanitárias de grande proporção que afetaram diretamente as mulheres e trouxeram discussões acerca dos paradigmas em torno do conceito de cuidado. As ações políticas de enfrentamento à epidemia do Zika Vírus, que atingiu principalmente o Nordeste Brasileiro, e a pandemia de coronavírus são fenômenos que, relacionados principalmente às desigualdades socioeconômicas, invisibilizam as políticas públicas favoráveis aos direitos reprodutivos e sociais que as mulheres alcançaram ao longo dos anos. Nessa pesquisa, buscamos acompanhar os itinerários de cuidado das mães de crianças com microcefalia que foram atingidas pelo vírus Zika no estado do Rio Grande do Norte, compreendendo suas articulações durante a pandemia de Covid-19. A pesquisa está sendo construída de maneira remota através da realização de entrevistas e da observação-participante pelos aplicativos do Instagram e Whatsapp. Com base nas reflexões de Denise Pimenta (2020) que relata a figura da mulher como o elo responsável pela articulação das mais diversas formas de cuidado, é consolidada a visão da pandemia enquanto coisa de mulher. Essa ligação do cuidado com a doença que se expande pelo contágio do vírus por todo o país evidencia as narrativas de cuidado focadas na mulher e nos duplos/triplos papéis sociais que adquirem em situações emergenciais e de vulnerabilidade. Palavras-chave: Zika vírus, Cuidado, Gênero, Covid-19.
"Trans de direita"?: moralidade, acusação e política na trajetória de uma mulher trans do interior de Minas Gerais
Autoria: Jinx Vilhas
Autoria: Há uma expectativa geral, especialmente por parte de pessoas que se declaram "de esquerda", de que pessoas LGBT tenham suas pautas identificadas com a esquerda, ou, ainda, que sua atuação política e posicionamento sejam alinhados com a esquerda. Isso se deve, em partes, em virtude da aproximação histórica dos movimentos LGBT a esse espectro político, ainda que essa aproximação tenha se dado de forma conflituosa desde o princípio. Neste trabalho, pretendo abordar o fenômeno da acusação no embate político público, especialmente quando direcionada às pessoas LGBT que não correspondem a uma imagem pública ideal. Partindo de uma etnografia do caso de uma mulher trans do interior de Minas Gerais, ex-vereadora, que se declara como uma pessoa "de direita" e "conservadora", analiso o fenômeno da utilização de categorias de acusação moral direcionadas a ela por pessoas autodeclaradas de esquerda. Levo em conta, ainda, a maneira com que a forma dela se apresentar politicamente se insere nesse mesmo fenômeno. Apesar de compreender esse fenômeno acusatório a partir do seu direcionamento a uma mulher trans "de direita", defendo que esse jogo de acusações ocorre de maneira recíproca e independe de posição política. Dito de outro modo, tanto pessoas autodeclaradas de esquerda quanto pessoas autodeclaradas de direita ou de outras posições no espectro político tomam parte nele, e a amplitude do fenômeno transcende as categorias de acusação política, se estendendo às formas de acusação mais diversas e que envolvem desde relações de dominação/subordinação, até condições de saúde mental e moralidade sexual. Não se trata, aqui, de operar uma (re)moralização sobre os processos de acusação, apontando-os de forma valorativa e definindo se constituem uma conduta negativa ou positiva, mas de compreender as especificidades e a relevância desse fenômeno a partir do caso estudado.
Governabilidades conservadoras e as questões de gênero
Autoria: Keo Silva
Autoria: Na última década, as cruzadas anti-gênero avançam nos contextos políticos na América Latina. Tal movimento ganha espaço de modo global, percebemos as interferências do conservadorismo no desenvolvimento dos estudos de antropologia, gênero e sexualidade na Hungria, por exemplo. No tocante a tais disputas, os embates chegam a tomar conta do espaço visual de grandes cidades, como em Paris. No Brasil, essas questões ganharam maior evidência nas disputas educacionais desde 2014. Atualmente, o PL 2578/2020 e o PL 5248/2020 correm na câmara dos deputados provocando mais embates. Nos EUA, o debate ganha notoriedade, após o projeto de lei chamado por ativistas da comunidade LGBTQIA+ de "Don"t Say Gay". No Uruguai em 2019 reabriu-se o projeto de lei que visa o controle de conteúdo sobre gênero e sexualidade na educação. Observamos, portanto, temas correlatos entre conservadorismo e discursos específicos sobre família e infância. Assim, nos interessa entender quais são, como se organizam e onde tem se localizado tais disputas e suas correlações com os cenários políticos e de governabilidade nos contextos atuais e como isso interfere diretamente no debate público em relação a noções como gênero, corpo, sexualidade, parentesco, infância.
Os nossos corpos dissidentes e o silêncio "santo" do púlpito da igreja Assembleia de Deus
Autoria: Thaís de Oliveira Costa
Autoria: Este texto é parte da minha pesquisa de mestrado e centra-se nas discussões referentes à liderança de mulheres na igreja evangélica Assembleia de Deus. A instituição, fundada em 1911, em Belém do Pará e que atualmente está presente em todos os estados brasileiros, reserva às mulheres papéis colaborativos não permitindo que estas ascendam na hierarquia eclesiástica. Esse fator endossa a postura androcêntrica da igreja que, em seus 110 anos de fundação, nunca consagrou mulheres aos cargos de liderança eclesiástica, mesmo tendo uma mulher como pioneira e um público de maioria feminina. Buscando desenvolver uma escrevivência, como propõe Conceição Evaristo, delimitou-se como campo de pesquisa etnográfica a comunidade cristã da qual fui membra por doze anos, cuja sede fica em Boa Esperança, na zona rural do município de Santarém, no Oeste do Pará. Mais especificamente, o trabalho desenvolve-se por meio do diálogo com integrantes do círculo de oração, composto pelas mulheres casadas da igreja, e os "achados etnográficos" são analisados à luz do referencial teórico dos estudos de gênero e pentecostalismo na antropologia.
MONOCULTURA DE NÚCLEOS FAMILIARES: entre corpos, formações, tradições e transgressões.
Autoria: Thiago da Silva Santana
Autoria: Esse artigo tem como objetivo debruçar-se sobre como o conceito de família tradicional imbricado nas relações sociais e institucionais do país, vem interferindo diretamente em decisões judiciais que buscam justapor e penalizar àqueles que não se enquadram nas estruturas de sua idealização, mas em outras concepções de família, impetrando assim um sistema de moralidade, tanto na esfera judicial, quanto na sociedade civil, que denomino de monocultura de núcleos familiares. Assim, o Estado impõe a essas famílias, um status de uma "não-família", sendo essas simbolicamente colocadas numa categoria inferior (uma subcategoria), o que facilita as instituições a, juridicamente, desconstituir as diversas configurações familiares, uma vez que, esses tipos de família são àquelas onde se pode modificar, retirar, apagar e destruir os indivíduos; em consequência do desvio que elas fizeram do conceito colonial que o conservadorismo brasileiro adotou: a família de bem, a qual irão fazer de tudo em sua defesa. Destarte, neste artigo ainda busco repensar o conceito de tradicionalidade associado à família, como ele se perpetuou em nossa sociedade e como impera ainda em nossa realidade contemporânea atuando como excludente moral e religioso que, sobretudo, atingem os corpos negros, LGBTQIPA+, de comunidades tradicionais ou que transgridam as regras sociais impostas por eles. Por fim, esse artigo buscar analisar como raça, gênero e classe são decisivos para garantir que as famílias ocupem lugares hierárquicos de importância dentro de nossa sociedade que irá arbitrar sobre qual núcleo familiar pode ser considerado família. Palavras-chave: famílias; núcleos familiares; tradicional; conservadorismo.
Por uma "cultura da paz nas maternidades": disputas entre a legitimação e a supressão do termo violência obstétrica.
Autoria: Ariene Almeida Gomes
Autoria: Em 2019, o Ministério da Saúde proibiu o uso da expressão violência obstétrica em seus documentos e ações, e desde então vem reiterando seu posicionamento contrário ao uso, buscando promover uma "cultura da paz nas maternidades" (Ministério da Saúde, 2022). Em contrapartida, o termo é cada vez mais abordado em discussões em mídias sociais por mulheres, ativistas da humanização do parto e profissionais da área da saúde. Considerando isso, neste trabalho apresento observações a respeito de disputas e tensões no campo obstétrico em torno do debate -ou da recusa do mesmo por determinados setores - sobre violência obstétrica. A metodologia utilizada tem como referência o uso de pesquisa bibliográfica; pesquisa documental; e de pesquisa netnográfica, analisando-se mídias sociais de adeptos do movimento pelo parto humanizado, e apresentando-se matérias jornalísticas com a cobertura do cenário obstétrico brasileiro. Os discursos apresentados por categorias profissionais e adeptos da humanização do parto mobilizam noções de corpo; natureza e cultura; tradição e ciência; e critérios de classificação de pessoas, hierarquias e assimetrias de poder, como relações raciais e de classe social. Esses discursos apontam diferentes modos de pensar a gestação, o parto e a maternidade, assim como os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, estruturando o modelo de assistência obstétrica brasileira e o problema da violência obstétrica. Palavras-chave: violência obstétrica; parto humanizado; direitos sexuais e reprodutivos