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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT13: Antropologia Digital: processos, dinâmicas, usos, contra-usos e contenciosos em redes socioténicas

Patrícia Pavesi, Carolina Parreiras

A Internet permeia hoje praticamente todas as áreas da vida social, propiciando novos modos de uso e de relacionamento - participação, interação, engajamento, conexão, presença, envolvimento, imersão, incorporação. Esses processos trazem mudanças nas preocupações e objetos de estudo da Antropologia em função da emergência de diferentes configurações de experiências e subjetividades, que passam a ser moduladas (e modulam) por tecnologias digitais. Os temas são ampliados e o ente tecnológico, bem como as relações que o permeiam, é utilizado para tentar compreender fenômenos mais amplos da cultura. As abordagens etnográficas têm se mostrado valiosas para dar conta de processos, dinâmicas, usos, hibridismos, agenciamentos e contenciosos em torno das redes sociotécnicas. O GT pretende contribuir para o aprofundamento do debate iniciado em outras oportunidades em torno das abordagens sociotécnicas envolvendo a Internet e suas implicações para a pesquisa etnográfica, acolhendo trabalhos cujas abordagens problematizem (mas não necessariamente estejam restritas a): articulações digitais entre público/privado/intimidade; processos de subjetivação que valorizem agências e modos de "presença" e inscrição online; dilemas éticos; usos das tecnologias digitais em contextos específicos de desigualdade e diferenciação e em torno de discursos e práticas políticas; recursos digitais que alargam os entendimentos sobre os significados da etnografia e a própria etnografia como produto.

Palavras chave: Etnografia; Tecnologias Digitais; Redes Sociotécnicas
Resumos submetidos
Além do sexo: Uma etnografia digital sobre camgirls brasileiras construindo laços afetivos na internet durante a pandemia.
Autoria: Núbia Sena dos Santos Ramalho
Autoria: O presente trabalho é parte do desenvolvimento da pesquisa de mestrado inserida no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas e busca compreender, por meio da abordagem etnográfica, como a inserção no trabalho sexual online atravessa o cotidiano e as perspectivas de vida, afetividade e sociabilidade de mulheres brasileiras que exercem o trabalho de camgirl, sobretudo no cenário da pandemia, quando a internet ganhou ainda mais relevância para a socialização dos sujeitos quarentenados. Uma sociedade onde quase qualquer pessoa munida de um smartphone tem uma produtora de vídeo na palma da mão, ou seja, é uma criadora de conteúdo digital em potencial, gera as condições para a busca de outras possibilidades de promover seu sustento material de forma autônoma, dentro do próprio ambiente doméstico, de modo a manter o chamado "isolamento social" exigido durante o auge da pandemia; entre as quais se tornar uma camgirl, como são chamadas as profissionais do camming, atividade que consiste em exibicionismo online, de teor erótico ou não, através de uma webcam. Partindo dessa perspectiva, tal investigação pretende privilegiar as percepções e noções, das mulheres trabalhadoras do camming, refletindo sobre questões relacionadas ao trabalho sexual online num quadro pandêmico e pós pandêmico. Essa etnografia digital articulará as representações sociais e os discursos sobre as camgirls com os dados etnográficos levantados através das interações sociais com profissionais do trabalho sexual online mediadas pela internet. Nesse contexto etnográfico, o uso das redes sociais é constante e fundamental para construção da pesquisa, que utilizará um referencial teórico que tem como base as linhas teóricas que compõem o arcabouço sobre etnografia digital.
Repertório de ação digital da Malungu durante a pandemia de Covid-19
Autoria: Gabriel Baena
Autoria: O presente artigo traz reflexões sobre o uso das tecnologias da informação e das mídias digitais da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo (Malungu) para o enfrentamento da pandemia de covid-19, nas comunidades remanescentes de quilombo do Pará. Desde a chegada da doença nessas comunidades, registrada em abril de 2020, o uso desses dispositivos tecnológicos intensificou-se entre os quilombolas, com o objetivo de promover o enfrentamento da doença e o ativismo político da Malungu. Atuando em nível estadual, essa entidade representa, atualmente, mais de 500 comunidades cuja trajetória remonta ao período colonial e às rebeliões e fugas de negros escravizados na região amazônica (SALLES, 2013). Neste trabalho, os estudos de ciência e tecnologia desenvolvidos por Latour (1994) têm fornecido importante contribuição para os estudos de mídia e/ou antropologia digital. Latour nos oferece o conceito de redes sociotécnicas, segundo o qual, as redes são formadas por associações de humanos e não-humanos, permeadas e imbricadas por várias questões híbridas, tais como a economia, política, ciência, cultura, religião, entre outras. A partir dos pressupostos da Teoria Ator-Rede (TAR), destaca-se que o social está sempre em formação como uma rede de associações de atores sempre em movimento. Sobre a noção de repertório digital, as autoras Jennifer Earl e Katrina Kimport (2011) pontuam duas características para sua emergência: o custo reduzido para criar; organizar e participar de protestos e a capacidade de agregar ações individuais dos indivíduos em ações coletivas mais amplas sem exigir que os participantes estejam no mesmo espaço. Dessa forma, este artigo se concentra em: 1) descrição da ação coletiva da Malungu; 2) os conteúdos informacionais que foram e são disseminados por meio das mídias sociais aos quilombolas; 3) as diferentes campanhas durante o período de pandemia. Defendo que o isolamento e distanciamento social, vivenciado pela pandemia de covid-19, forçou a reorganização e articulação da Malungu, como também alterou sua atuação, criando novas formas de ativismo.
Redes LGBTQIAP+ e agenciamentos com plataformas digitais sonoras
Autoria: Danillo Roberto Teodozio Costa Pinto
Autoria: Os sons, como ecossistemas que habitam a vida humana e não-humana, aglomeram práticas culturais carregadas de mensagens e intenções capazes de agir na comunicação, nas emoções, nos comportamentos e nos processos de subjetivação. No cenário contemporâneo, pessoas LGBTQIAP+ de distintas partes do ecossistema global unem-se a tecnologias sonoras e alargam o compartilhamento de vivências e informações num mundo interconectado pela internet. Este trabalho objetiva, por meio de perambulações na plataforma digital do Spotify, seguir agenciamentos de pessoas LGBTQIAP+ do Brasil que compartilham conteúdos na podosfera. Realizei um mapeamento de podcasts a partir do descritor LGBT, que deu vazão a 991 podcasts e dos quais 190 produzidos por pessoas do Brasil foram catalogados. Na intenção de disponibilizar o banco de dados para acesso público na plataforma, criei um perfil de pesquisador e cataloguei os podcasts em seis playlists identificadas a partir dos anos de lançamento: 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021. Esta decisão reverberou em dilemas metodológicos que cruzaram a pesquisa ao considerar elementos como algoritmos, historicidade do descritor e as características próprias da plataforma, evidenciando diferentes percursos e o sumiço de alguns podcasts catalogados. Nos fluxos dessas redes em que experiências se coadunam e se co-produzem, atenta-se para a heterogeneidade de intenções agenciadas, seja em projetos profissionais, atividades de coletivos, divulgações de pesquisas, ou mesmo no compartilhamento de contos eróticos. No emaranhado de narrativas que reescrevem memórias, assimetrias nas relações de pessoas com as mídias convencionais das décadas de 80 e 90 no Brasil remetem a processos de silenciamentos, violências e imagens estereotipadas da população LGBTQIAP+, bem como a discursos regulatórios da binaridade de gênero, de patologização da homossexualidade, de chacota, erro, naturalização de corpos e vergonha da família. Em contraposição a esses trânsitos que marcaram infâncias e adolescências de pessoas LGBTQIAP+ no Brasil, se observa desde 2016 no Spotify a emergência de outras narrativas. Nesse sentido, o trabalho demonstra a co-produção de uma rede LGBTQIAP+ que alarga o compartilhamento de vivências narradas e protagonizadas por esses sujeitos.
Memória e matrizes políticas do século XX: etnografia de grupos do Facebook que atuam em torno da memória da FEB (Força Expedicionária Brasileira na 2ª Guerra Mundial)
Autoria: Carmem Rejane Antunes Pereira
Autoria: A proposta deste trabalho é apresentar alguns elementos de observação etnográfica abordando os sentidos da memória política do século XX a partir do âmbito digital, tendo como foco imagens, sonoridades e relatos que circulam em grupos formados no e pelo Facebook, tematizando a memória da Força Expedicionária Brasileira. A FEB, como ficou mais conhecida, foi uma força militar aeroterrestre constituída por 25.834 homens e mulheres, que durante a Segunda Guerra Mundial - oficialmente ocorrida entre 1939 e 1945- participaram ao lado dos Aliados na Campanha da Itália nas suas últimas fases. A Segunda Guerra Mundial foi um dos eventos bélicos planetários do século XX. O conflito resultou na morte de cerca de 70 milhões de pessoas e ficou marcado por eventos trágicos como o Holocausto e o uso da bomba atômica. Episódios que antecederam ou acompanharam a sua eclosão mostraram experiências de matrizes revolucionárias e totalitárias que desafiam o pensamento crítico até os dias atuais e também configuram uma corrente de memória que está presente no cinema, televisão e literatura, compondo memórias de gerações que hoje vivenciam registros da época, os quais também circulam pela internet. A pesquisa visa, nessa sua fase exploratória, caracterizar e analisar os grupos citados, seus objetivos, seus critérios, suas regras; selecionar elementos textos verbais, sonoros e imagens publicados em diversos perfis, que permitam compreender significações sobre o contexto mais amplo da FEB, interações e posições dos participantes, considerando ainda a sua possibilidade como interlocutores/as na investigação sobre a Segunda Guerra nas memórias da recepção em contexto brasileiro.
Sobre repovoar narrativas: o trabalho dos criadores de conteúdo a partir de uma abordagem sociotécnica
Autoria: Stephanie Ribeiro
Autoria: O presente estudo objetivou elaborar uma revisão narrativa da literatura sobre influenciadores digitais e sugerir uma análise inspirada no campo de Science and Technology Studies. A literatura temática mantém o eixo explicativo das pesquisas centrado na figura do influenciador enquanto produtor da ação e usuário das tecnologias digitais. No entanto, argumento que é possível perceber a construção de influência nas plataformas digitais enquanto efeito de uma vasta rede de elementos heterogêneos e não apenas de um ou mais sujeitos. Proponho que o trabalho dos influenciadores só é possível quando essa rede sociotécnica é acionada de modo que seria interessante do ponto de vista analítico descrevê-la. As vantagens dessa abordagem sociotécnica seriam encontrar respostas sobre como essas articulações acontecem e apontar para outras formas de compreender as associações entre sujeitos e mediações técnicas.
No Rastro Da Al-Web: Tecno-Atores, Dispositivos Técnicos e Experiências Midiáticas Na Rede Sociotécnica Islâmica No Nordeste Do Brasil
Autoria: Vanessa K. Mota Lima, Patrícia Lopes Goldfarb
Autoria: Resumo Para a realização da pesquisa, optamos pelo chamado método etnográfico, com ênfase na "observação participante" e privilegiando a "técnica da análise do discurso". (DURHAM 2004, p. 25-26). A construção do conhecimento é mais do que se pode visualizar materialmente, e, portanto, é impossível construir pesquisa etnográfica sem elaboração teórica (PEIRANO 1992). Neste texto há uma abordagem, a piori, de revisão bibliográfica, mas, também está fundamentada nas técnicas que englobam nossa pesquisa de campo. Para além destas, contamos com computadores e celulares, dispositivos técnicos de mediação da pesquisa e que nos possibilitam uma etnografia virtual através do contato com as "falas" dos sujeitos e suas "ações". São métodos e instrumentos de investigação que julgamos, portanto, necessários a elaboração deste trabalho. O crescimento do número de revertidos brasileiros à religião islâmica no país é decorrente de alguns fatores, dentre eles, o avanço das tecnologias digitais, aliado à pluralização e democratização do acesso à internet (Souza-Lima, 2016). Quando tencionamos criar um vocábulo que englobasse essa teia islâmica, a qual denominamos de Al-WEB, - as agências dos actantes, "círculos de convergências" que conectam a teia e a expandem a partir das reversões, circuitos e trajetos religiosos, além dos acessos a sites, grupos de estudos e redes sociais, formando associações de revertidos islâmicos no nordeste - pretendíamos entender esses trajetos digitais, traçados e percorridos por esses muçulmanos que fazem usos de computadores e da internet a fim de mapear esses fluxos de linhas traçadas pelos actantes nesse "local digital" da fé. Ainda há muito esforço que precisa ser feito para descrever a rede sociotécnica do Islã no nordeste e há muito que precisa ser descrito. É, portanto, uma tentativa de compreender de que modo os "caminhantes da senda reta", traçam seus trajetos digitais (e-Islã) e se tornam mediadores da rede islâmica (Al-Web) neste contexto. São reflexões iniciais, que pretendem contribuir para os estudos da antropologia das associações, do ponto de vista da crença no Brasil. Referências LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: EDUFBA-Edusc, 400 p., 2012 MARCUS, George. ETHNOGRAPHY IN/OF THE WORLD SYSTEM: The Emergence of Multi-Sited Ethnography. Annu. Rev. Anthropol. 1995.24:95-117 https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1897105/mod_resource/content/1/George%20Marcus_Etnography%20in%20off%20world.pdf" SOUZA-LIMA, Vanessa Karla Mota de Souza . A casa da Ummah: comunidades religiosas islâmicas sunitas no Nordeste do Brasil - Paraíba e Agreste de Pernambuco. 2016. 227f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia Social). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.
Line up: entre Newbie"s; Noob"s; Nerd´s e Npc"s. Reverberações antropológicas sobre um bar E-sports em Curitiba-PR
Autoria: José Ricardo Pacheco, Deiler Raphael Souza de Lima
Autoria: Este artigo decorre de uma etnografia realizada na cidade de Curitiba-PR, entre o período de julho de 2018 a junho de 2019. A etnografia foi conduzida a partir da observação de um estabelecimento de lazer noturno, especificamente, o bar de E-Sports Cooldown. A priori, tendo como objetivo compreender as questões motivacionais que orientam o público denominado Gamers a frequentar o bar referido, bem como, as relações de sociabilidades e os entrelaçamentos que se estabelecem entre o público frequentador comum, os gamers e o ambiente de jogabilidade. Diante das inferências que circundam esse campo, tais como: construções de identidades e usufruto da vida social a partir do uso das tecnologias e virtualidades. Ademais, há uma intersecção entre o usufruto da vida social e o uso das tecnologias nesse estabelecimento, promovido por meio de competição/disputas de diversos jogos virtuais, tornando-se um denominador importante que contribui para a sociabilidade, visto que, há um público específico para cada categoria de jogos. Palavras-chave: E-sports; Tecnologias; Sociabilidades.
Paisagens-afetivas: a centralidade do visual nas disputas entre feministas e antifeministas em ambientes digitais
Autoria: Olívia Alves Barbosa
Autoria: Proponho pensar como a tecnologia das novas mídias sociais se relaciona com o uso cada vez mais acentuado da linguagem visual na ações de ativistas feministas e antifeministas. Para isto realizei uma etnografia digital das interações entre estas ativistas, o que me deu a possibilidade de observar a circulação de imagens e vislumbrar a relevância do visual em disputas sobre questões de gênero. Observei que ativistas feministas e antifeministas têm conta em múltiplas mídias e plataformas digitais, mas movimentam mais ativamente e têm um número maior de seguidores no Instagram. Suponho que a valorização do Instagram se deva à centralidade que a imagem obtém nesta mídia em que se compartilham fotografias, imagens e vídeos. Considerando que as relações sociais no ambiente digital não se dão no vácuo dei centralidade à materialidade da infraestrutura digital (designs, algoritmos, funcionalidades), do conteúdo digital (vídeos, textos e imagens) e do contexto digital. Henri Lefebvre, em A produção do espaço, mostrou que o espaço não é um fator puramente material, mas um produto social que nunca se constitui como uma obra completa: é continuamente produzido pela sociedade e está sempre ligado ao tempo na forma de processos práticos, discursivos e simbólicos. Esta noção de espaço de Lefebvre possibilita entender o espaço social digital como um produto da sociedade da informação e ao mesmo tempo condição de produção dela. Esse espaço digital abarca processos discursivos e simbólicos específicos, isto é, aspectos pensados e sentidos da experiência social, bem como apresenta uma materialidade própria. No caso em questão, a ação produtiva das ativistas feministas e antifeministas na internet confere materialidade a um espaço social digital que é ao mesmo tempo o meio em que essas disputas se produzem e produto delas. Embora usuários pertencentes a diferentes redes tenham em comum a organização e design das mídias, as paisagens afetivas e sensoriais a que têm acesso são diferenciadas em função de como algoritmos codificam suas ações e, com base nessa codificação, produzem associações. Por isso, quando agem digitalmente, feministas e antifeministas se voltam para a captura da atenção dos usuários. Isso implica que, para ganharem maior visibilidade e não serem soterradas numa avalanche de informações, as mensagens devem despertar o interesse em frações de segundos. Uma forma de obter esse efeito é agenciar imagens emotivas que provocam o engajamento daqueles que concordam e discordam delas. Se a linguagem do Instagram é majoritariamente visual podemos estar diante de um novo modo de fazer política. Meu interesse, nesse sentido, não é observar a política das imagens nas mídias sociais, mas entender como a partir delas se passou a fazer política por meio de imagens.
Sinto vontade de voltar, só não sei para onde
Autoria: Virgilio Cesar de Mello Libardi, Maria Cristina Dadato
Autoria: A fotógrafa jordaniana Tanya Habjouqa por meio do audiovisual Syria via WhatsApp, provoca fortes emoções nos espectadores em pouco mais de três minutos de duração. O filme é baseado em narrativas personalizadas de refugiados nas quais são demostradas as experiências vividas por um pequeno número de indivíduos visando enfatizar uma questão social mais ampla. O uso da câmera fotográfica, aliando a pungência das imagens aos fragmentos de mensagens de voz, desvela a compreensão sobre a situação dos deslocados frente ao conflito sírio. Ao mesmo tempo, revela como refugiados utilizam as plataformas digitais como práticas cotidianas para contatar familiares, criar e/ou participar de comunidades de apoio no processo migratório, e para registrarem suas próprias histórias. Neste sentido, o uso dos dispositivos móveis se converteu em elemento essencial para que os indivíduos migrantes e suas redes familiares, de amizades e ativismo sociopolítico mantenham suas relações de sociabilidades, compreendendo-as como fenômenos de autenticidade análogas nas práticas socioculturais. A partir do curto vídeo de Habjouqa somos provocados a mirar no quase interminável material que circula nas redes e propor uma análise da condição dos imigrantes em uma perspectiva antropológica, a partir das imagens e dos relatos contidos em Syria via WhatsApp.
"Diga-me em quem votou que te digo se tem chance comigo": notas sobre usos das mídias digitais, repertórios de amor e política
Autoria: Juliana do Prado
Autoria: Este trabalho pretende analisar como os usos das mídias digitais no Brasil têm modulado as buscas por relacionamentos amorosos de modo conjunto com a circulação de repertórios políticos de grupos autodenominados de esquerda. Partindo de reflexões de pesquisa realizada em um grupo de Facebook denominado aqui de ESQ, almeja-se investigar quais repertórios circulam nesses espaços que permitem verificar expectativas sociais em torno do amor que se intersectam com posicionamentos políticos convergentes. O ESQ surgiu em 2019, após alguns meses do acirramento do contexto político polarizado com a eleição de Jair Messias Bolsonaro. Tem como proposta ser um grupo que coaduna sujeitos com posicionamentos políticos semelhantes, de tendências autodenominadas de esquerda. Os sujeitos que se apresentam e participam dessa rede estão em uma faixa etária entre 27 a 60 anos, autodeclarados heterossexuais, brancos em sua maioria, pertencentes à carreiras acadêmicas, de profissionais da educação, liberais, funcionários públicos, entre outros. A sociabilidade produzida opera como triagem, indicando que o entrosamento público propiciado ali tem se apresentado como fundamental e se diferencia da proposta de aplicativos de busca de parceiros (as/es) por permitir atestar posicionamentos que se configuram como fundamentais nas expectativas por relações amorosas. Assim, o grupo se estrutura em rede em torno de valores em comum, e oportuniza as chances de avaliar publicamente uma série de discursos relacionados ao contexto político em um panorama que se apresenta dividido tanto online quanto offline. Nesse trabalho proponho um enfoque em torno de observações e descrições da dinâmica dessa rede social, tendo em vista as seguintes questões de pesquisa: O posicionamento político em uma esfera pública técnico-midiatizada tem se transformado em ritual de paquera? Quais pautas que têm sido levantadas pelo cenário político se referem à posicionamentos de esquerda e são constantemente mobilizadas como espécie de filtros na busca de parcerias amorosas? No mercado afetivo do ESQ, a pessoa mais atraente parece ser a que se destaca não apenas pela sua imagem, fundamental à sociabilidade online, mas também, pela maneira como consegue elaborar um perfil com uma narrativa centrada em sua atuação e desempenho nas interações sobre pautas políticas presentes naquela rede. Um perfil desejável deve ser compatível com a circulação de conteúdos informados por uma série de demandas políticas consideradas de esquerda. Nessa empreitada, repertórios comprometidos com discursos sobre desigualdade de gênero e sexualidade, Direitos Humanos, feminismos e anti-racismo parecem ganhar mais evidências e se inclinam à posturas não apenas esperadas, como também mais sondadas e averiguadas.
Mídias sociais e as diferentes experiências de cura durante a pandemia do novo Corona vírus
Autoria: Gabriel Ferreira de Brito
Autoria: objetivo deste trabalho foi analisar mídias sociais compartilhadas por três participantes de uma pesquisa sobre a experiência de residentes da cidade de Olinda com a pandemia de Covid-19 a partir de ambientes digitais. Trata-se de uma etnografia digital e presencial. O marco teórico se baseou nos modos de existência de Bruno Latour. Metodologicamente utilizou-se o programa Atlas ti7 como auxiliar na análise qualitativa dos dados. Assim, o compartilhamento de mídias sociais pelas informantes selecionados era transferido para o Atlas; depois eram codificados em palavras-chave que remetessem a associações em torno da pandemia; depois de definidas as redes de associações, eram finalmente categorizadas as redes de códigos nos modos de existência. Concluiu-se que existem duas formas de lidar com a pandemia, conforme mídias sociais compartilhadas: Na prevenção, é possível seguir a ciência, com medicamentos (tendo eles eficácia comprovada por esse modo ou não); ou com hábitos que cruzam práticas psíquicas e com diferentes espiritualidades. Por outro lado, foi identificado que no hiato da substituição do uso de medicamentos pelo cruzamento de bons hábitos e espiritualidade, os efeitos placebo, fundamentais para a experiência (bio)médica e científica, desaparecem. Eles são substituídos pela correlação entre a experiência de cura individual, baseada no hábito, com mídias sociais que transportam outras experiências de cura que ratificam a automedicação e os "hábitos saudáveis". Por último: propõe-se, a nível teórico, classificar o animismo como um modo de existência, a despeito do seu equivalente "moderno", o modo de existência da metamorfose.
Os vídeos e a doença: quando médicos se transformam em produtores de conteúdo.
Autoria: Wagner Guilherme Alves da Silva
Autoria: A pandemia de Covi-19 no Brasil pôs em curso um amplo processo de acusações e disputa em torno de medicamentos sem comprovada eficácia científica apontados por empresários, médicos e autoridades do governo federal como possibilidade real de enfrentamento da crise. Neste trabalho, busco compreender as modalidades de compartilhamento e comunicação entre médicos defensores do Tratamento Precoce e o conteúdo produzido por eles no instagram. Em minha pesquisa em grupos de WhatsApp, percebi que os vídeos do reels e do IGTV, bem como as caixinhas de pergunta, eram centrais na apropriação da linguagem biomédica pelos defensores da medicação e na produção da pessoalidade do caso que re-situava o TPP como "verdadeiro" porque pessoalizado. Compartilhando o dia a dia do "combate à doença" e dando dicas sobre como manter a imunidade alta associados a "pedagogização" sobre o corpo e os remédios, esses profissionais colocaram em curs concepções de corpo, de saúde, mas também de boa prática médica, pessoalizada e preocupada com a pessoa e não com os números. A valorização da experiência clínica individual e a recusa dos pressupostos de saúde pública se conjuga a panicos morais e a necessidade de ação imediata em ordem de salvar vidas - nessa perspectiva, os remédios poderiam salvar a nação. Minha principal hipótese é de que o acesso a linguagem biomédica não apenas possibilitou um processo de justificação individual dos usos dos remédios, mas ainda, por meio do fenômeno descrito pela literatura como populismo médico, permitiu que comunidades morais pudessem ser construídas em torno dos remédios de seus defensores. Nesse processo, o corpo surge como metáfora da nação - o corpo biológico passa a ser modo de comunicação do corpo político, sempre reiterado em pequenas denúncias feitas pelos médicos sobre a "grande mídia", a "indústria farmacêutica" e a "indústria do medo".Reflito aqui sobre como o digital modula e reformula a própria prática médica e comunicação em medicina no momento em que médicos se tornam cada vez mais produtores de conteúdo.
Feminismos no Instagram: uma análise sobre as construções de "feminismos" e "ser feminista" nesta mídia social.
Autoria: Clara de Oliveira Coêlho
Autoria: Em meu mestrado proponho analisar perfis autointitulados ou descritos como feministas na rede social Instagram. Minha questão central é analisar como se dá a produção de teoria e de conhecimento feminista e a construção de identidades feministas nesta rede social, a partir de uma amostra de cinco páginas. Pensando em explorar ainda mais os campos dos estudos feministas e sobre a internet, escolhi analisar cinco perfis diferentes. Selecionei páginas que publicassem textos autorais e tivessem o maior número de seguidores dentro da vertente em que se declaram estar inseridas - as vertentes selecionadas foram a "radical", a "liberal", a "interseccional", a "marxista" e "feminismo negro" -, de modo a fazer uma análise comparativa entre os discursos feministas desses perfis e compreender como o jogo social está sendo construído. Entendo que a melhor forma de desenvolver a etnografia dessas páginas é realizar uma análise sistemática de suas publicações, depreendendo os temas, as teorias feministas e as pessoas citadas, buscando pontos de convergência e discrepância entre suas análises, ou seja, examinando como cada perfil empenha-se em construir e disseminar o que é "ser feminista" e o que é "feminismo". Trata-se de etnografia digital que se iniciou no final de 2020, na qual, além de analisar o conteúdo produzido para o Instagram, também tenho mantido contato direto com minhas interlocutoras, o que possibilitou videochamadas e conversas por Whatsapp. Aqui, pretendo analisar como estes perfis, ao optarem por abordarem determinadas temáticas e pelas posturas adotadas frente algumas conceituações, acabam propagando, reformulando e moldando novas subjetividades feministas. Assim, pretendo analisar esses perfis como campos discursivos de ação e como lócus da construção de uma nova epistemologia do conhecimento feminista, ou seja, como estes perfis estão se utilizando deste aplicativo para debater e redefinir o que é "a luta feminista". Nesta pesquisa, o Instagram não é entendido apenas como uma plataforma que viabiliza estas disputas de sentidos e a propagação de conhecimentos e discursos, como um espaço neutro, e sim como um ambiente que promove e divulga determinados tipos de discursos, formatos e conteúdos em detrimento de outros, gerando e promovendo uma "economia de visibilidade". Este artigo apresenta análises iniciais de questões que estão surgindo ao longo do meu campo do mestrado, que ainda está em curso.
Visão Computacional: Antropologia do Viés Algorítmico em ferramenta de Facial analysis
Autoria: Mayane Batista Lima
Autoria: As investigações acerca da Visão Computacional (VC) têm gerado muitos debates contemporâneos acerca do seu uso e do viés inserido na máquina (NOBLE, 2020; TARCÍZIO, 2020; BUOLAMWINI&GEBRU, 2018; RAJI, 2020). Mesmo nas máquinas nomeadas como autônomas (que agem e pensam por conta própria), no entanto, o viés humano (O'Neil, 2020; Christian, 2017) está inserido na rotulação de dados para um aprendizado maquínico eficaz. Deste ponto de vista, Russell (2021) e Lee (2019) argumentam que as redes neurais maquínicas demonstram reconhecimento mais eficaz depois de treinamento adequado através de exemplos rotulados que conectam os muitos pontos de dados ao resultado esperado, o que exige quantidades massivas de “dados relevantes”. Mas nem todos são coletados. Se um determinado grupo é incluído e outros o são em menor escala, a programação é vista de um determinado ponto. Isso corrobora para uma visão unilateral, ou seja, contribui para alimentar “padrão de dados que não são coletados” (ONUOHA, 2018). Ora, crucialmente, dados são também pessoas (LIPPPOLD, 2017). A máquina desenvolve a tomada de decisão algorítmica a partir daquilo que aparece nos dados, já os demais são encapsulados e separados estabelecendo assim parâmetros que expressam os vieses da máquina, tais como diferenças de gênero, raça/etnia, classe e outros marcadores sociais. Nos interessa compreender como a ferramenta de análise e reconhecimento facial Amazon Rekognition, analisa, identifica e classifica as características de pessoas de gêneros dissidentes (PRECIADO, 2021, 2020); pessoas que não correspondem às expectativas das normatividades de gênero “convencionais” (BUTLER,1990). Questões como essa nos levam a pensar quais corpos são reconhecidos pelas máquinas e como estas são ensinadas a “enxergar” por meio dos limites biológicos encapsulados no binário “masculino” ou “feminino” (PRECIADO, 2021, 2020, ALMEIDA, 2020; STOLCKE, 1991; BUTLER, 1990).
'As sugar babies são empresas e os sugar daddies são investidores anjos': uma análise etnográfica sobre os relacionamentos sugar e as suas vinculações com elementos de uma racionalidade mercadológica
Autoria: Bruno Benichio
Autoria: Os relacionamentos sugar heterossexuais são compostos pelas sugar babies e pelos sugar daddies. As babies são mulheres jovens de diversas classes sociais e os daddies são homens de meia-idade e de classe média alta ou de elite. Para além da necessidade de existir uma troca de afetos e zelo mútuo entre os parceiros, o dinheiro é um fator indispensável para a constituição dessas relações. Deste modo, o daddy deve auxiliar a baby em suas ambições de consumo e em seus projetos profissionais, ajudando-a, por exemplo, a abrir uma empresa ou pagar mensalidades de faculdades privadas. As redes sociais digitais especializadas para a busca de relacionamentos sugar vendem a ideia de que possuir um sugar daddy é uma possibilidade eloquente de autorrealização pessoal não só pela suposta experimentação de um amor romântico, aspiração que ainda prevalece na contemporaneidade mesmo com o advento de uma racionalidade utilitária (ILLOUZ, 2014), mas também como uma oportunidade de engrandecimento profissional, ao passo que o sugar daddy auxiliaria uma sugar baby em seus horizontes de profissionalização. De qualquer modo, ainda que as redes sugar se comercializem como alternativas para driblar as desigualdades de classe e gênero reproduzidas no cerne do sistema capitalista, elas se inserem em um segmento de exploração comercial de formas de relacionamentos afetivo-sexuais na linha dos aplicativos de busca de parceiros. Para se distanciar de uma perspectiva que decodificaria as sugar babies apenas como inativas nesses contextos, esta pesquisa objetiva analisar os processos de subjetivação, as agências e modos de presença e inscrição online dessas mulheres para compreender as formas pelas quais elas negociam e experienciam os ideários vendidos pelas redes sociais sugar. Esse objetivo almeja ser alcançado pelo intermédio de entrevistas com as sugar babies e mediante uma etnografia em contextos digitais (HINE, 2015), que acompanha e coleta publicações de um grupo sobre relacionamentos sugar no Facebook e postagens de perfis de sugar babies influencers no Instagram. Deste modo, esta apresentação objetiva dissertar sobre os modos pelos quais as sugar babies estrategicamente utilizam e/ou invertem ao seu favor os elementos de uma racionalidade mercadológica que reproduz na esfera íntima os valores que estruturam o mercado financeiro e o mundo do trabalho precarizado, explicitando os sentidos que essas mulheres empregam sobre as fantasias comercializadas pelas redes sociais customizadas para o encontro de um sugar daddy. Referências bibliográficas ILLOUZ, E. Hard romance: Cinquante nuances de Grey et nous. Paris: Seuil, 2014. HINE, C. Ethnography for the internet: Embedded, Embodied and Everyday. London: Bloomsbury Academic Publishing, 2015.
Analisando os Desafios dos Usos das Tecnologias Digitais por Servidores/as Públicos Idosos/as: uma etnografia no contexto da Universidade Federal de Goiás.
Autoria: Galba Cristina Bezerra França Scartezini
Autoria: Devido ao acelerado processo de envelhecimento populacional entrelaçado ao uso de tecnologias e mídias digitais, os quais vem sendo crescentemente analisados pela ciências sociais e mais particularmente pela antropologia, decidimos acompanhar analiticamente as inovações tecnológicas - sobretudo com o impacto da pandemia da COVID-19 na atuação de profissionais da educação em contextos universitários. Este paper tem como objetivo analisar os desafios do aprofundamento da implementação de regimes de trabalho remoto mediados pela internet para a população que envelhece, especialmente tomando as narrativas de servidores/as públicos/as federais na meia idade e velhice. O pano de fundo da análise é a necessidade de investigar as transformações no curso da vida a partir das narrativas de meus/minhas interlocutores/as sobre as formas de adaptação aos programas implantados pela Administração Pública Federal (APF) voltados para modernização e simplificação dos acessos dos servidores, principalmente no contexto pandêmico de 2020 ao contemporâneo. Nos últimos anos, mesmo antes da pandemia, têm sido implementados inúmeros sistemas e programas governamentais digitais aos/às servidores/as públicos/as. Mas será que os/as servidores/as mais velhos/as se sentem preparados/as e adaptados/as às mídias digitais que vem sendo crescentemente impostas? De quais maneiras essas mídias digitais têm reconfigurado e transformado suas trajetórias profissionais? Embora as mídias digitais tenham se inserido no cotidiano da "população 60+" e o uso da internet já pode ser visto como comum e disseminado, é importante examinar mais detidamente às narrativas de meus/minhas interlocutores/as sobre seu processo de adaptação às demandas trabalhistas relacionadas aos programas governamentais que vieram em grande maioria para substituir de forma "digital" atividades que já vinham sendo desenvolvidas de modo "analógico". Deste modo, minha pesquisa envolve uma abordagem antropológica, mediante observação-participante e análise de narrativas, sobre o envelhecimento e velhice e os desafios profissionais e pessoais relacionados aos usos de sites, aplicativos e mídias digitais no contexto de trabalho de servidores/as públicos/as federais. Uma das contribuições de minha etnografia é oferecer informações institucionais sistematizadas à UFG - e a sociedade, em termos mais amplos - sobre as dificuldades, os desafios e as oportunidades que a digitalização do trabalho na educação pública superior tem produzido nas perspectiva de servidores/as mais velhos/as. Por fim, o tema tem nos instigado, tanto na posição de trabalhadores/as da educação de ensino superior como na perspectiva de contribuir com a análise antropológica destas situações e contextos institucionais.
A visibilidade como troca simbólica e a ética como preocupação na etnografia digital em guildas e redes sociais do game Free Fire
Autoria: Ana Idalina Carvalho Nunes, Diego Lucas Nunes de Souza
Autoria: Trazemos, neste resumo, a proposta da apresentação de dois percursos etnográficos situados no ambiente digital do game Free Fire: o primeiro busca compreender a dinâmica das interações sociais em uma guilda e o segundo visa identificar a influência da narrativa audiovisual dos influenciadores da Garena (desenvolvedora do game), através do YouTube, do Instagram e de outras plataformas digitais usadas comumente pelos gamers, sobre a construção do papel social de seus seguidores e seguidoras. A questão central que norteia o estudo é: quais os caminhos possíveis para desenvolver uma etnografia no ambiente digital do game, respeitando os preceitos da ética na pesquisa antropológica? Trata-se de um trabalho que exige criatividade e responsabilidade para criar soluções que possam conceder aos sujeitos a visibilidade que desejam, sem expor determinadas informações que poderiam colocar em risco a sua segurança e seu bem estar. Embora situadas ambas no ambiente digital do jogo, as pesquisas aqui abordadas percorrem caminhos teóricos e metodológicos diferentes, enfrentando dilemas éticos também diversos. Dentro desse contexto, visibilidade é uma moeda de troca valiosa e pode motivar um número maior de gamers a contribuírem com a pesquisa, já que ela garante prestígio social e ganhos financeiros. Trata-se de uma espécie de troca simbólica que, de forma similar ao que ocorria nas sociedades mais primitivas, envolve não apenas os sujeitos, mas as "coletividades que se obrigam mutuamente" (MAUSS, 2003, p. 190). Essas trocas, no passado como no presente, são amabilidades que podem gerar uma ampliação na oferta de oportunidades para ambas as partes. Para tentar compreender o sistema de trocas simbólicas que envolvem a questão da visibilidade no ambiente digital do Free Fire, recorremos a Marcel Mauss, através da sua obra Sociologia e Antropologia (2003) e, na busca por soluções para as questões éticas que surgem no decorrer da pesquisa, buscamos recursos teóricos e metodológicos na obra de Robert Kozinets, "Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online" (2014) e na obra "Etnografia Virtual" (2004), de Christine Hine.
Hashtags e Testemunhos: trajetos do sofrimento entre mulheres evangélicas no WhatsApp
Autoria: Lorena Mochel
Autoria: Neste trabalho, fruto do recorte de minha tese de doutorado em andamento, reflito sobre como mulheres de diferentes denominações evangélicas agenciam sofrimentos formando coletividades no WhatsApp. A pesquisa etnográfica se realizou em um ministério não vinculado ao espaço físico e institucional de uma igreja, sendo formado por um casal de pastores negros e pentecostais, mulheres que residem em regiões periféricas de cidades da região sudeste, além de brasileiras migrantes na Europa. Através de um cotidiano que envolve grupos de oração no WhatsApp e a realização de eventos itinerantes voltados para evangélicas, a análise incitou questões a respeito de dois âmbitos da relação com o digital; de um lado, a presença dos smartphones na reformulação de carreiras pastorais autônomas e, do outro, as estratégias elaboradas por estas mulheres para lidar com sofrimentos, em grande medida atravessados por violências no âmbito conjugal. Meu enfoque será no segundo plano analítico, cujo objetivo é compreender como os usos do WhatsApp nesse ministério criam e transformam redes de cuidado femininas. Se, conforme afirma Fewkes (2019), o caráter de ubiquidade, facilidade de acesso e privacidade são características dos aplicativos móveis que propiciam seus usos religiosos, tais engajamentos no WhatsApp podem ser entendidos enquanto formas de publicizar intimidades de modo seguro e em conformidade com as sensibilidades da ética virtuosa. O caráter interdenominacional e baseado no acolhimento de mulheres de diversos credos torna este um espaço de convívio cotidiano paralelo às igrejas. Enquanto mídia digital, o WhatsApp agrupa narrativas em primeira pessoa que concorrem com outros modos online e igualmente generificados de produzir enfrentamentos no espaço público. Desse modo, cabe perguntar: Que tensões e disputas percorrem engajamentos que não se adequam ao ideal liberatório? De que maneiras a publicização de intimidades através dos grupos no WhatsApp formam ministérios? Em que medida estas coletividades dialogam e disputam com enfrentamentos produzidos nos "feminismos hashtags" (Almeida, 2019)? Como contar testemunhos pelo WhatsApp cria e transforma modos de falar sobre o sofrimento? Ao contrário de perspectivas que identificam o acesso ao divino como solução que fornece respostas fáceis e imediatas para aplacar o sofrimento, as relações digitais estabelecidas com Deus são desenvolvidas através de complexas experiências de "coletividades imaginadas evangélicas" (Sant"ana, 2017). Circular orações, pregações e testemunhos por mensagens de textos e de voz no WhatsApp são dispositivos que, no sentido foucaultiano, acionam disputas no pentecostalismo por coletividades femininas que se engajem no trabalho de "ritualização e (re)narração do sofrimento" (Das, 2020).
Dinâmicas de visibilidade, mediação cultural e mobilidade social no perfil @blogueiradebaixarenda
Autoria: Carla Fernanda Pereira Barros
Autoria: O artigo pretende compreender os sentidos do consumo no perfil @blogueiradebaixarenda presente nas mídias sociais Instagram, Youtube e Tiktok, considerando as percepções acerca da materialidade e suas articulações com dinâmicas de mobilidade social. Trata-se de analisar que elementos compõem o "lifestyle baixa renda" enquanto categoria nativa, dentro do contexto de produtores de conteúdo digital oriundos de famílias de classes populares. Através de pesquisa de observação online (HINE, 2015), foram analisadas publicações, hashtags e comentários nas três plataformas, analisando de que modo práticas de consumo aparecem como mediadoras de processos de hieraquização social e de subjetivação. Aspectos geracionais chamam atenção nesse cenário, onde membros de diferentes grupos criam significados diversos em suas práticas online, envolvendo muito mais que "competências computacionais" (VENKATRAMAN, 2017; SPYER, 2017). A atuação nas mídias sociais revela questões relacionadas ao lugar da @blogueiradebaixarenda na estrutura social e, ainda, como essa autoexpressão vem atrelada a reivindicações sócio-políticas de visibilidade e ascensão. Procura-se compreender, assim, como é construída a alteridade baixa renda x alta renda, de que modo são acionadas a história de origem e a localização social nas vivências online, e de que maneira os diversos capitais configuram-se em um contexto de mobilidade social. Referências do Resumo: HINE, Christine. Ethnography for the Internet: embodied, embedded and everyday. London, UK: Bloomsbury Publishing, 2015. SPYER, Juliano. Social Media in emergente Brazil. London: UCL Press, 2017. VENKATRAMAN, Shriram. Social Media in South India. London: UCL Press, 2017.
Entre saúde, ciência e internet: notas sobre associações canábicas e comunicação científica no Instagram
Autoria: Hellen Caetano
Autoria: Neste trabalho, busco demonstrar como a internet e o surgimento de redes sociais têm contribuído ativamente para o compartilhamento de experiências de adoecimento, uso de substâncias, terapias alternativas, compartilhamento e produção de dados científicos. Para isso, analisei conteúdos de divulgação e comunicação científica produzidos por associações de pacientes em torno do uso terapêutico de Cannabis e seus componentes derivados. Essas associações vêm fazendo um trabalho importante, principalmente no Instagram, buscando compartilhar o que está sendo produzido em diferentes áreas de conhecimento com esses compostos, dando uma ênfase maior a área biomédica. Para rastrear as conexões e relações entre as associações, produtos científicos e os seguidores (pacientes, familiares, pessoas próximas a causa), analisei o conteúdo produzido por três associações (Abrace Esperança, Apepi e Cultive) entre os anos de 2020 e 2021 que foram disponibilizados no Instagram. Esses conteúdos foram analisados no programa de análise qualitativa Atlas.ti a partir de codagem de dados. Tomo esses espaços como lugares privilegiados que entrecruzam experiências on-line e off-line, demonstrando como a ciência e os produtos científicos estão presentes em nosso cotidiano e como o trabalho de comunicação científica realizado por essas associações tem sido essencial para garantir fluxos de informações, expertises e acessos à novas terapias de saúde.
Redes de solidariedade e práticas de resistência através de interações online e offline no cotidiano de familiares de mulheres encarceradas.
Autoria: Alana Barros Santos
Autoria: Diversos trabalhos e materiais têm demonstrado a relevância das redes sociais online como mediadoras e produtoras de vínculos entre pessoas que convivem nos arredores das prisões. Este trabalho é um desdobramento da minha tese de doutorado que se propõe avançar no campo dos estudos prisionais ao olhar etnograficamente para o contexto da Penitenciária Feminina alagoana buscando compreender quais as estratégias que são produzidas pelos familiares e as mulheres encarceradas na relação com a prisão. Refletindo sobre os usos das tecnologias de comunicação, a presente pesquisa propõe analisar, ainda, como as redes sociais e os celulares têm sido articuladores das possibilidades de contato, bem como das formas de organização e de resistência entre esses sujeitos. O principal objetivo é analisar como são produzidas as relações no grupo de WhatsApp de familiares das mulheres encarceradas e como, através dessa comunidade online, são tecidas redes de solidariedade e organização em prol da defesa de suas parentes em práticas offline. A pesquisa será realizada por meio de trabalho etnográfico; registros de campo escritos, em áudios, vídeos e imagens feitos no acompanhamento do grupo de WhatsApp de familiares de presas e mulheres egressas do Sistema Prisional em Alagoas.
As dinâmicas de mulheres gamers e streamers do League of Legends em João Pessoa-PB
Autoria: Raissa Taimilles Valério Paiva de Souza
Autoria: Os jogos eletrônicos são imensamente populares na contemporaneidade, levando um grupo grande de pessoas a investir mais tempo conectados nas plataformas dos jogos online do que comoutras atividades de lazer e entretenimento. Só no período da pandemia os acessos e menções aos jogos das mais diversas plataformas, assim como o assunto games nas redes sociais cresceu consideravelmente. A Microsoft divulgou que registrou um aumento de 130% no seu serviço de assinatura, o game pass. Uma pesquisa levantada pelo Sioux Group, através da unidade de negócios Go Gamers, ESPM e Blend New Research ouviu 5.830 pessoas em 26 Estados e no Distrito Federal no mês de fevereiro de 2020, e a pesquisa aponta que 73,4% dos brasileiros dizem jogar jogos eletrônicos independentemente da plataforma, sendo 33,6% destes usuários de 25 a 34 anos. Desde 2016 a mesma empresa vem apontando que as mulheres são a maioria entre a comunidade gamer brasileira, tendo uma representatividade de 53,8% deste público. Desta forma o interesse aqui é discutir em torno da presença de mulheres nos espaços dos jogos digitais, mais especificamente o League of Legends, onde tento entender como funciona o processo de participação das mulheres em partidas normais, bem como competições na cidade de João Pessoa-PB. League of Legends é um jogo gratuito exclusivo para computadores, pertencente ao gênero MOBA da desenvolvedora Riot Games, lançado no ano de 2009. A sigla MOBA significa Multiplayer Online Battle Arena (arena de batalhaonline de multijogadores) e faz referência a um estilo de jogo em que existem dois times adversários compostos de cinco jogadores, cujo objetivo é invadir e destruir o território inimigo através do trabalho em equipe. É muito comum encontrar mulheres jogando partidas de LoL, e mais comum ainda é ouvir relatos sobre questões de assédio e xingamentos contra elas. Pode-se observar que as práticas no espaço dos jogos são um subproduto das práticas desiguais de um regime machista que vivenciamos em nossa sociedade enquanto mulheres. Aqui preciso acrescentar que também existem outras demandas em relação ao preconceito no espaço dos jogos digitais, mas que para este trabalho especificamente, estou tratando especificamente de mulheres. Nesse contexto, o trabalho também vai tentar analisar em um nível social no sentido de formação, manutenção, organização e dinâmicas, dentro do e-sport no âmbito do gameplay. O gameplay trata-se de um termo que faz referência à totalidade da experiência dos jogadores durante um jogo, envolvendo desde o ambiente, seu sistema de regras, a interação competitiva com outros.