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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT41: Estudos Etnográficos sobre Cidadania

Marcus Cardoso, Luís R. Cardoso de Oliveira

A terceira onda democratizante na América Latina não se mostrou capaz de suprimir desigualdades estruturais nem garantiu a efetivação dos direitos civis e sociais dos cidadãos. Isto representou um desafio às abordagens formalistas da teoria política, incapazes de explicar satisfatoriamente as especificidades que caracterizaram este processo. Nesse cenário, a antropologia, com seu foco etnográfico, tem muito a contribuir para o debate sobre "direitos", "cidadania", "igualdade" e "justiça". Ao deslocar a análise da dimensão formal da cidadania para como os direitos são vividos, concebidos e problematizados cotidianamente pelos atores sociais, abre-se espaço para perceber rearranjos e concepções distintas da formulação eurocêntrica tradicional. Ao fazer isso, os antropólogos têm desestabilizado abordagens que naturalizam o modelo liberal, demonstrando que não é possível compreender a "cidadania" como um status puramente legal que garante ao indivíduo um conjunto de direitos e deveres em sua relação com o Estado. Tendo isto em mente, o GT busca comparar e debater trabalhos etnográficos que abordem: como a "cidadania" é significada em diversos contextos etnográficos e por diferentes atores associados às agências do Estado, ONGs, movimentos sociais e outros coletivos; como se dão as relações que estes diferentes atores estabelecem entre si; quais são os desafios metodológicos dos estudos etnográficos sobre "cidadania".

Palavras chave: cidadania; direitos; etnografia
Resumos submetidos
Nas margens da cidadania urbana: as nuances da cidadania no contexto das expulsões forçadas em Recife.
Autoria: alice moura
Autoria: Os sujeitos marginalizados desempenham um papel fundamental na ampliação dos direitos e na transformação da definição de cidadania nas cidades do Sul global. Suas demandas diferem em muitos aspectos, mencionamos aqui duas: as demandas por condições materiais mínimas (moradia adequada, etc.) e a reivindicação de participação no processo deliberativo (direito de representação, etc.). Os resultados dessas demandas levam a um duplo fenômeno: a criação de novos direitos e uma mudança no significado dos direitos e da cidadania. Nas suas origens, a partir de Marshall, o conceito de cidadania restringia-se ao pertencimento nacional e ao status jurídico. Porém, com a ampliação dos direitos ao longo dos anos, a ideia de cidadania também se ampliou. Nas últimas décadas, é mais adequado entender a cidadania como uma experiência socialmente construída, influenciada por múltiplos fatores que moldam a relação das pessoas com o Estado. Esses fatores referem-se em particular a camadas de relações de poder entrelaçadas, como colonialismo, raça, classe e gênero. Um olhar antropológico sobre cidadania não visa estabelecer definições a priori de cidadania, mas compreender em profundidade o emaranhado de discursos que são contestados e a natureza constitutiva dessas lutas (Paley, 2002). Vários autores argumentam que a maioria das abordagens da cidadania são normativas. Mesmo o trabalho da sociologia política sobre "cidadãos" se limita às práticas eleitorais, entre outras coisas, sem questionar a forma como os cidadãos definem a cidadania. Ao se afastar dessa visão estatutária, Neveu e Das propõe pensar a cidadania como um processo e analisar sua dinâmica ao invés de partir de definições a priori. A cidadania é fabricada política e socialmente. Em vez de perguntar o que é cidadania, a antropóloga pergunta o que é chamado de cidadania em diferentes contextos e países. Esse olhar antropológico é fundamental para compreensão dos significados da cidadania vivenciada a partir da narrativa dos sujeitos. Essa abordagem teórica nos permite escapar de uma interpretação contratualista e institucionalista da cidadania, que historicamente a considera simplesmente como um acordo baseado em direitos e deveres. Ao ir além da ideia de cidadania como status individualizado, podemos abarcar uma infinidade de formas de vivenciar a cidadania. Esse trabalho é baseado em dez anos de pesquisa acadêmica com sujeitos em situação de remoção forçada em Recife. Especificamente, uma pesquisa etnográfica feita entre 2012 e 2015 com as famílias do Loteamento São Francisco em Pernambuco, que tiveram suas casas demolidas por causa das obras realizadas para a Copa do Mundo de 2014 (durante meu mestrado) e minha pesquisa atual para o doutorado com diversas comunidades ameaçadas de remoção em Recife.
Cadeia, substantivo negro e feminino (ato III): as familiares de presos na sobrevivência e resistência à prisão.
Autoria: Isadora de Assis Bandeira
Autoria: A presente proposta trata-se de uma pesquisa etnográfica em andamento que consiste em observar e etnografar questões que envolvem a tríade mulheres, cadeia e violência de Estado. Essa inspiração surge de um longo período de trabalho de campo em uma cadeia pública mista na região da Tríplice Fronteira, na cidade de Foz do Iguaçu, Paraná. Atualmente, os esforços voltam-se à compreensão das dinâmicas dessa mesma tríade, todavia realocando o olhar para "fora" da prisão, em especial às mulheres visitantes da malha carcerária da Ilha de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis. Tendo nas famílias visitantes, sobretudo na figura das mulheres, as principais interlocutoras da pesquisa, pretendo compreender as práticas, rotinas e dinâmicas às quais estão sujeitas enquanto familiares da população encarcerada, levando em consideração a violência estatal e seus impactos sobre essas vidas. Apropriando-me do conceito de violência enquanto insulto moral (Oliveira, 2008), o interesse central se baseia em compreender de que maneiras essas famílias experimentam e resistem à punição extensa. Portanto, o objetivo é, junto ao GT, refletir a respeito das experiências de vida das familiares da população encarcerada as quais estou observando e dialogando em trabalho de campo. À vista disso, pretendo analisar as múltiplas constituições de "cidadanias" que coexistem nesse coletivo de mulheres frente ao estigma de "mulher/familiar de preso" e os impactos e atravessamentos a partir das relações com as instituições estatais e demais segmentos da sociedade. Ademais, a pesquisa enquanto afetada pelos efeitos da pandemia de Covid-19 toma esse contexto como questão central para pensar através de suas reconfigurações e efeitos na prisão, além de seus impactos tanto na execução do projeto de pesquisa quanto em relação à realidade pesquisada, bem como na gestão estatal sobre essas instituições e pessoas seletas.
Entre liberdades e prisões: a desigualdade jurídica no tratamento dos pedidos de Habeas Corpus no período da pandemia
Autoria: Fernanda Duarte, BÁRBARA LUPETTI, RAFAEL MARIO IORIO FILHO
Autoria: Partindo da afirmação de que a sociedade brasileira se estrutura de forma hierarquizada, reproduzindo um ethos aristocrático em contraposição a uma ordem republicana, podemos reconhecer que, no plano jurídico, a desigualdade se opera em dois níveis: no aspecto normativo - por meio da elaboração das leis - e na administração dos conflitos, quando da aplicação das leis, especialmente pelo Judiciário. Neste texto, pretendemos problematizar o modo como as instituições judiciárias no Brasil internalizam e (re)produzem desigualdades jurídicas - o que se tornou mais evidente com a pandemia de Covid-19 - e suas consequências para a esfera de direitos dos brasileiros. Para tanto, pretendemos descrever uma categoria de casos (os casos de pedidos de liberdade de réus presos em razão da pandemia da Covid-19), que ajudam a revelar essa chave da desigualdade.
CIDADANIA COMO ETICIDADE ENCARNADA: Etnografia da Patrulha Maria da Penha de Natal-RN
Autoria: Andressa Morais-Lima
Autoria: O presente trabalho toma como ponto de partida as experiências sensoriais de mulheres em situação de violência doméstica assistidas pela Patrulha Maria da Penha de Natal-RN durante a pandemia de Covid-19. Busquei inicialmente apreender os sentidos e sentimentos morais que expressam experiências de sofrimento, mas também de solidariedade e reconhecimento intersubjetivo entre mulheres assistidas pela PMP. Ao longo da pesquisa etnográfica a reflexão antropológica baseada nas histórias das mulheres em situação de violência permitiu ampliar o conhecimento acerca dos impactos e do crescimento desse tipo de violência durante o isolamento social de forma tão expressiva, como destacado em outro lugar (Morais-Lima; Moraes, 2020). Considero que além daqueles danos mais diretamente ligados à saúde física da mulher, a violência doméstica deixa marcas subjetivas negativas na autocompreensão que elas têm de si mesmas impingindo um "continuum sofrimento social" (Morais-Lima, 2020). Com efeito, os maus-tratos físicos ferem a autonomia corporal da mulher, resultando em sérios danos emocionais na autoconfiança elementar de uma pessoa (Honneth, 2003). Se soma aos danos na autoconfiança pessoal, um segundo conjunto de danos causados pelas experiências de rebaixamento expressas em termos ofensivos dirigidos contra a mulher que é vítima de violência doméstica. Esses termos que podem ser agrupados nas categorias ofensa e degradação, violam a pessoa em sua dignidade e deixam sérias lesões naquela dimensão subjetiva que constitui a sua autoestima, o que resultaria na incapacidade emocional de se referir a si mesma como alguém dotada de valor junto aos outros, comprometendo a "substância moral da pessoa digna" (Cardoso de Oliveira, 2011). Agora, orientada pela "virada afetiva" (Clough, 2007; Von der Weid, 2018), submeto a categoria cidadania a uma investida etnográfica que explora a relação intersubjetiva entre mulheres assistidas pela PMP e mulheres patrulheiras procurando evidenciar o sentido prático (corpóreo) de cidadania que emerge dessa relação. E assim exploro uma análise das moralidades compartilhadas que não se encerram na dimensão de uma "eticidade corporificada", isto é, institucional, mas conforme veremos essa experiência relacional se realiza numa interação intersubjetiva que pode ser lida nos termos de uma "cidadania como eticidade encarnada". Nesses termos, a assistência pode ser compreendida por aquelas que vivenciam como um enraizamento carnal da cidadania.
CIDADANIA COMO ETICIDADE ENCARNADA: Etnografia da Patrulha Maria da Penha de Natal-RN
Autoria: Andressa Morais-Lima
Autoria: O presente trabalho toma como ponto de partida as experiências sensoriais de mulheres em situação de violência doméstica assistidas pela Patrulha Maria da Penha de Natal-RN durante a pandemia de Covid-19. Busquei inicialmente apreender os sentidos e sentimentos morais que expressam experiências de sofrimento, mas também de solidariedade e reconhecimento intersubjetivo entre mulheres assistidas pela PMP. Ao longo da pesquisa etnográfica a reflexão antropológica baseada nas histórias das mulheres em situação de violência permitiu ampliar o conhecimento acerca dos impactos e do crescimento desse tipo de violência durante o isolamento social de forma tão expressiva, como destacado em outro lugar (Morais-Lima; Moraes, 2020). Considero que além daqueles danos mais diretamente ligados à saúde física da mulher, a violência doméstica deixa marcas subjetivas negativas na autocompreensão que elas têm de si mesmas impingindo um "continuum sofrimento social" (Morais-Lima, 2020). Com efeito, os maus-tratos físicos ferem a autonomia corporal da mulher, resultando em sérios danos emocionais na autoconfiança elementar de uma pessoa (Honneth, 2003). Se soma aos danos na autoconfiança pessoal, um segundo conjunto de danos causados pelas experiências de rebaixamento expressas em termos ofensivos dirigidos contra a mulher que é vítima de violência doméstica. Esses termos que podem ser agrupados nas categorias ofensa e degradação, violam a pessoa em sua dignidade e deixam sérias lesões naquela dimensão subjetiva que constitui a sua autoestima, o que resultaria na incapacidade emocional de se referir a si mesma como alguém dotada de valor junto aos outros, comprometendo a "substância moral da pessoa digna" (Cardoso de Oliveira, 2011). Agora, orientada pela "virada afetiva" (Clough, 2007; Von der Weid, 2018), submeto a categoria cidadania a uma investida etnográfica que explora a relação intersubjetiva entre mulheres assistidas pela PMP e mulheres patrulheiras procurando evidenciar o sentido prático (corpóreo) de cidadania que emerge dessa relação. E assim exploro uma análise das moralidades compartilhadas que não se encerram na dimensão de uma "eticidade corporificada", isto é, institucional, mas conforme veremos essa experiência relacional se realiza numa interação intersubjetiva que pode ser lida nos termos de uma "cidadania como eticidade encarnada". Nesses termos, a assistência pode ser compreendida por aquelas que vivenciam como um enraizamento carnal da cidadania.
Entre liberdades e prisões: a desigualdade jurídica no tratamento dos pedidos de Habeas Corpus no período da pandemia
Autoria: Fernanda Duarte, BÁRBARA LUPETTI, RAFAEL MARIO IORIO FILHO
Autoria: Partindo da afirmação de que a sociedade brasileira se estrutura de forma hierarquizada, reproduzindo um ethos aristocrático em contraposição a uma ordem republicana, podemos reconhecer que, no plano jurídico, a desigualdade se opera em dois níveis: no aspecto normativo - por meio da elaboração das leis - e na administração dos conflitos, quando da aplicação das leis, especialmente pelo Judiciário. Neste texto, pretendemos problematizar o modo como as instituições judiciárias no Brasil internalizam e (re)produzem desigualdades jurídicas - o que se tornou mais evidente com a pandemia de Covid-19 - e suas consequências para a esfera de direitos dos brasileiros. Para tanto, pretendemos descrever uma categoria de casos (os casos de pedidos de liberdade de réus presos em razão da pandemia da Covid-19), que ajudam a revelar essa chave da desigualdade.
Cadeia, substantivo negro e feminino (ato III): as familiares de presos na sobrevivência e resistência à prisão.
Autoria: Isadora de Assis Bandeira
Autoria: A presente proposta trata-se de uma pesquisa etnográfica em andamento que consiste em observar e etnografar questões que envolvem a tríade mulheres, cadeia e violência de Estado. Essa inspiração surge de um longo período de trabalho de campo em uma cadeia pública mista na região da Tríplice Fronteira, na cidade de Foz do Iguaçu, Paraná. Atualmente, os esforços voltam-se à compreensão das dinâmicas dessa mesma tríade, todavia realocando o olhar para "fora" da prisão, em especial às mulheres visitantes da malha carcerária da Ilha de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis. Tendo nas famílias visitantes, sobretudo na figura das mulheres, as principais interlocutoras da pesquisa, pretendo compreender as práticas, rotinas e dinâmicas às quais estão sujeitas enquanto familiares da população encarcerada, levando em consideração a violência estatal e seus impactos sobre essas vidas. Apropriando-me do conceito de violência enquanto insulto moral (Oliveira, 2008), o interesse central se baseia em compreender de que maneiras essas famílias experimentam e resistem à punição extensa. Portanto, o objetivo é, junto ao GT, refletir a respeito das experiências de vida das familiares da população encarcerada as quais estou observando e dialogando em trabalho de campo. À vista disso, pretendo analisar as múltiplas constituições de "cidadanias" que coexistem nesse coletivo de mulheres frente ao estigma de "mulher/familiar de preso" e os impactos e atravessamentos a partir das relações com as instituições estatais e demais segmentos da sociedade. Ademais, a pesquisa enquanto afetada pelos efeitos da pandemia de Covid-19 toma esse contexto como questão central para pensar através de suas reconfigurações e efeitos na prisão, além de seus impactos tanto na execução do projeto de pesquisa quanto em relação à realidade pesquisada, bem como na gestão estatal sobre essas instituições e pessoas seletas.
Processos estruturais de exclusiva discursiva no cárcera
Autoria: Carolina Lemos, Marcus Cardoso
Autoria: Neste trabalho, apresentamos o material etnográfico e nossas interpretações acerca dos significados que as pessoas em situação de privação de liberdade no Distrito Federal davam a suas experiências cotidianas, com especial foco nas situações, relatos e percepções desses atores sociais relacionados àquilo que classificamos como processos estruturais de exclusão discursiva no âmbito desse contexto. A partir de nossos dados de campo, sustentamos que estes processos são uma dimensão central do puxar pena, não apenas configurando uma forma em si de violência, como também a própria condição necessária para a manutenção de um quadro estrutural de violações a direitos no cárcere. Os dados apresentados são o resultado de uma pesquisa de campo, realizada entre os anos2014 e 2018, com mulheres e homens que cumpriam pena no Distrito Federal.
"Resgatar a universidade dos comunistas" conflitos de moralidades e concepções de cidadania em um ambiente acadêmico
Autoria: Tayná Santos Conceição, Jussara Freire
Autoria: Neste trabalho, propõe-se apresentar um recorte de uma observação de inspiração etnográfica realizada em uma universidade pública brasileira de 2017 a 2020. Mais especificamente, o presente trabalho tem como objetivo analisar os recursos cognitivos e morais acionados por estudantes pertencentes a um grupo de extrema direita. Desde 2014, este movimento conhecia uma crescente expansão nacional e, logo, chegou rapidamente às universidades brasileiras. Pouco tempo depois, este grupo apresentava-se, em público, como empreendedor moral de uma "nova" concepção de "democracia": condenava publicamente diversas supostas condutas e práticas julgadas imorais na "universidade pública". Discentes deste movimento acusaram docentes de serem "autoritários", "antidemocráticos", e de desviar suas funções de funcionalismo público para implementar "um projeto comunista". Em busca de prova de flagrante, alunos membros ou próximos deste movimento participavam de aulas escondendo celulares que filmavam aulas. Alguns deambulavam pelos espaços universitários tirando fotos de cenas que poderiam, segundo eles, comprovar as verdades do próprio movimento em relação ao que seria a universidade pública: um recanto de "comunistas". Estas "provas" eram compartilhadas em redes sociais e estas últimas unificavam, por sua vez, um crescente grupo nacional em diferentes pontos do país. As redes sociais transformaram-se numa espécie de palco de tribunal no qual reforçava-se a verdade que este movimento procurava construir. A universidade em análise neste trabalho é um laboratório "bom para pensar" este processo. A partir da etnografia deste caso, apresentaremos algumas das situações que contribuem para a compreensão de construções de verdades que, nos últimos anos, tencionam a ordem universitária e, mais amplamente, a ordem social. Em outros termos, analisaremos a construção de um repertório político fundamentado em uma lógica do contraditório. Esta última orienta um plano de ação voltado para uma modalidade de dissenso que acentua a cisma entre os membros deste grupo e os "universitários", em particular em torno da categoria "comunista".
"Resgatar a universidade dos comunistas" conflitos de moralidades e concepções de cidadania em um ambiente acadêmico
Autoria: Tayná Santos Conceição, Jussara Freire
Autoria: Neste trabalho, propõe-se apresentar um recorte de uma observação de inspiração etnográfica realizada em uma universidade pública brasileira de 2017 a 2020. Mais especificamente, o presente trabalho tem como objetivo analisar os recursos cognitivos e morais acionados por estudantes pertencentes a um grupo de extrema direita. Desde 2014, este movimento conhecia uma crescente expansão nacional e, logo, chegou rapidamente às universidades brasileiras. Pouco tempo depois, este grupo apresentava-se, em público, como empreendedor moral de uma "nova" concepção de "democracia": condenava publicamente diversas supostas condutas e práticas julgadas imorais na "universidade pública". Discentes deste movimento acusaram docentes de serem "autoritários", "antidemocráticos", e de desviar suas funções de funcionalismo público para implementar "um projeto comunista". Em busca de prova de flagrante, alunos membros ou próximos deste movimento participavam de aulas escondendo celulares que filmavam aulas. Alguns deambulavam pelos espaços universitários tirando fotos de cenas que poderiam, segundo eles, comprovar as verdades do próprio movimento em relação ao que seria a universidade pública: um recanto de "comunistas". Estas "provas" eram compartilhadas em redes sociais e estas últimas unificavam, por sua vez, um crescente grupo nacional em diferentes pontos do país. As redes sociais transformaram-se numa espécie de palco de tribunal no qual reforçava-se a verdade que este movimento procurava construir. A universidade em análise neste trabalho é um laboratório "bom para pensar" este processo. A partir da etnografia deste caso, apresentaremos algumas das situações que contribuem para a compreensão de construções de verdades que, nos últimos anos, tencionam a ordem universitária e, mais amplamente, a ordem social. Em outros termos, analisaremos a construção de um repertório político fundamentado em uma lógica do contraditório. Esta última orienta um plano de ação voltado para uma modalidade de dissenso que acentua a cisma entre os membros deste grupo e os "universitários", em particular em torno da categoria "comunista".
Nas margens da cidadania urbana: as nuances da cidadania no contexto das expulsões forçadas em Recife.
Autoria: alice moura
Autoria: Os sujeitos marginalizados desempenham um papel fundamental na ampliação dos direitos e na transformação da definição de cidadania nas cidades do Sul global. Suas demandas diferem em muitos aspectos, mencionamos aqui duas: as demandas por condições materiais mínimas (moradia adequada, etc.) e a reivindicação de participação no processo deliberativo (direito de representação, etc.). Os resultados dessas demandas levam a um duplo fenômeno: a criação de novos direitos e uma mudança no significado dos direitos e da cidadania. Nas suas origens, a partir de Marshall, o conceito de cidadania restringia-se ao pertencimento nacional e ao status jurídico. Porém, com a ampliação dos direitos ao longo dos anos, a ideia de cidadania também se ampliou. Nas últimas décadas, é mais adequado entender a cidadania como uma experiência socialmente construída, influenciada por múltiplos fatores que moldam a relação das pessoas com o Estado. Esses fatores referem-se em particular a camadas de relações de poder entrelaçadas, como colonialismo, raça, classe e gênero. Um olhar antropológico sobre cidadania não visa estabelecer definições a priori de cidadania, mas compreender em profundidade o emaranhado de discursos que são contestados e a natureza constitutiva dessas lutas (Paley, 2002). Vários autores argumentam que a maioria das abordagens da cidadania são normativas. Mesmo o trabalho da sociologia política sobre "cidadãos" se limita às práticas eleitorais, entre outras coisas, sem questionar a forma como os cidadãos definem a cidadania. Ao se afastar dessa visão estatutária, Neveu e Das propõe pensar a cidadania como um processo e analisar sua dinâmica ao invés de partir de definições a priori. A cidadania é fabricada política e socialmente. Em vez de perguntar o que é cidadania, a antropóloga pergunta o que é chamado de cidadania em diferentes contextos e países. Esse olhar antropológico é fundamental para compreensão dos significados da cidadania vivenciada a partir da narrativa dos sujeitos. Essa abordagem teórica nos permite escapar de uma interpretação contratualista e institucionalista da cidadania, que historicamente a considera simplesmente como um acordo baseado em direitos e deveres. Ao ir além da ideia de cidadania como status individualizado, podemos abarcar uma infinidade de formas de vivenciar a cidadania. Esse trabalho é baseado em dez anos de pesquisa acadêmica com sujeitos em situação de remoção forçada em Recife. Especificamente, uma pesquisa etnográfica feita entre 2012 e 2015 com as famílias do Loteamento São Francisco em Pernambuco, que tiveram suas casas demolidas por causa das obras realizadas para a Copa do Mundo de 2014 (durante meu mestrado) e minha pesquisa atual para o doutorado com diversas comunidades ameaçadas de remoção em Recife.
O universo da violência doméstica como espaço de disputa de moralidades
Autoria: IRIS FÁTIMA ALVES CAMPOS, Virginia Vecchioli
Autoria: Este artigo tem um caráter etnográfico e busca compreendermos quais as moralidades que estão em jogo quando se evoca a aplicação da Lei 11.340/2006, conhecida como lei Maria da Penha. O objeto desta pesquisa, em fase de construção, é oriundo do acompanhamento, há dez anos, do trâmite das denúncias desde a Delegacia de Polícia Civil até o Juizado de Violência Doméstica de uma comarca do interior do Rs. A Lei Maria da Penha foi criada a partir das ações do movimento feminista brasileiro articulado com os movimentos feministas internacionais e o de direitos humanos, a fim de reconhecer os direitos à justiça e reparação às mulheres vítimas de violência de gênero. A introdução da lei, com uma série de dispositivos jurídicos inovadores (medidas de proteção às vítimas e punição aos agressores com pena em meio fechado), intenta produzir uma nova forma de relação de entre homens e mulheres, ou seja, se faz um espaço de ação política pela destruição da ordem patriarcal de gênero, possibilitando que as mulheres atinjam a plena cidadania. Na efetivação/aplicabilidade da lei vemos, no entanto, que mesmo o Juizado da Violência Doméstica obedece a preceitos que podem relativizar a condição de agressor a ser punido e a condição de vítima a ser reparada e protegida, uma vez que registrar a situação de violência, representar contra o agressor e solicitar medidas protetivas, na maioria das situações denunciadas, depende da livre escolha das mulheres. Por meio das notas de campo, a análise fará foco nas posições adotadas por vítimas, agressores e operadores do direito diante da penetração do discurso da igualdade entre homens e mulheres e pelo fim da violência doméstica. O que se busca é entender as diversas formas em que a lei Maria da Penha é utilizada na prática já que as mulheres, mesmo quando acionam o sistema de justiça, podem não procurar punição para o homem levando em conta dimensões como a honra familiar e as lutas de poder no interior da família. A análise evidencia que não é possível compreender a "cidadania" como um status puramente legal que garante ao indivíduo um conjunto de direitos e deveres em sua relação com o Estado. Palavras-chave: Violência doméstica. Vítima. Moralidades.
O universo da violência doméstica como espaço de disputa de moralidades
Autoria: IRIS FÁTIMA ALVES CAMPOS, Virginia Vecchioli
Autoria: Este artigo tem um caráter etnográfico e busca compreendermos quais as moralidades que estão em jogo quando se evoca a aplicação da Lei 11.340/2006, conhecida como lei Maria da Penha. O objeto desta pesquisa, em fase de construção, é oriundo do acompanhamento, há dez anos, do trâmite das denúncias desde a Delegacia de Polícia Civil até o Juizado de Violência Doméstica de uma comarca do interior do Rs. A Lei Maria da Penha foi criada a partir das ações do movimento feminista brasileiro articulado com os movimentos feministas internacionais e o de direitos humanos, a fim de reconhecer os direitos à justiça e reparação às mulheres vítimas de violência de gênero. A introdução da lei, com uma série de dispositivos jurídicos inovadores (medidas de proteção às vítimas e punição aos agressores com pena em meio fechado), intenta produzir uma nova forma de relação de entre homens e mulheres, ou seja, se faz um espaço de ação política pela destruição da ordem patriarcal de gênero, possibilitando que as mulheres atinjam a plena cidadania. Na efetivação/aplicabilidade da lei vemos, no entanto, que mesmo o Juizado da Violência Doméstica obedece a preceitos que podem relativizar a condição de agressor a ser punido e a condição de vítima a ser reparada e protegida, uma vez que registrar a situação de violência, representar contra o agressor e solicitar medidas protetivas, na maioria das situações denunciadas, depende da livre escolha das mulheres. Por meio das notas de campo, a análise fará foco nas posições adotadas por vítimas, agressores e operadores do direito diante da penetração do discurso da igualdade entre homens e mulheres e pelo fim da violência doméstica. O que se busca é entender as diversas formas em que a lei Maria da Penha é utilizada na prática já que as mulheres, mesmo quando acionam o sistema de justiça, podem não procurar punição para o homem levando em conta dimensões como a honra familiar e as lutas de poder no interior da família. A análise evidencia que não é possível compreender a "cidadania" como um status puramente legal que garante ao indivíduo um conjunto de direitos e deveres em sua relação com o Estado. Palavras-chave: Violência doméstica. Vítima. Moralidades.
Hipossuficiência para pensar cidadania no Brasil e o ato de levar a sério o interlocutor para o encontro etnográfico: uma análise da perspectiva tutelar da atuação do Ministério Público brasileiro.
Autoria: CAROLINA PENNA NOCCHI
Autoria: A categoria hipossuficiência é apontada por Mota (2005, 2009) e por Mouzinho (2007) como pressuposto fundador da atuação do Ministério Público na defesa de direitos de cidadania no Brasil. As etnografias desses autores, examinadas à luz de provocações de ordem interpretativa, isto é, referentes às condições de possibilidade de produção de conhecimento com pretensão de validade nas ciências sociais, com enfoque no ato de levar a sério a pessoa interlocutora como atitude do pesquisador necessária para tanto, indicam as limitações da categoria hipossuficiência para a efetivação de direitos de cidadania no Brasil. Cabe registrar a opção metodológica, aqui, da análise dos trabalhos de Mota e Mouzinho por provocações de ordem interpretativa, as quais devem, de fato, ocupar papel central da pesquisa, uma vez que tais condições de construção do conhecimento representam o conhecimento em si, não se afigurando como meros instrumentos para se chegar a ele. A categoria hipossuficiência, segundo Mota e Mouzinho, respalda a perspectiva tutelar do Ministério Público perante determinados grupos sociais, legitimando sua atuação para a defesa de direitos de cidadania desses grupos, tidos como vulneráveis e incapazes de responderem por si. A hipossuficiência parece se opor, assim, ao ato de levar a sério a pessoa interlocutora, pressuposto essencial para o encontro com a alteridade, seja esse encontro nas interações sociais em geral, seja na pesquisa etnográfica. No que se refere à pesquisa, a atitude interpretativa de levar a sério a pessoa interlocutora, conforme apontam Cardoso de Oliveira (1993, 1995, 2018) e Favret-Saada(1981), é indispensável para viabilizar o encontro etnográfico. O ato de levar a sério a pessoa interlocutora é que permite compreender sua realidade ou o sentido do que é por ela enunciado. A atuação estatal pautada na ideia de hipossuficiência dos sujeitos a quem suas políticas públicas se direcionam parece concretizar atitude interpretativa que não leva a sério o interlocutor, na medida em que não o considera capaz de expressar suas demandas. E pode inviabilizar, igualmente, a compreensão adequada das demandas de direito de cidadania desses sujeitos, os silenciando e negando possibilidades emancipatórias. Como indica Cardoso de Oliveira, a hipossuficiência leva a situações de exclusão discursiva no Brasil (2018). Para além da correlação entre a hipossuficiência, o ato de levar a sério o interlocutor e a exclusão discursiva no Brasil, as reflexões ora desenvolvidas sugerem caminhos de pesquisa que podem levar à formulação de novas compreensões e desdobramentos dessas categorias, cujo potencial elucidativo da realidade será tanto maior quanto mais profunda for a interseção gráfica entre os mundos socioculturais do pesquisador e do pesquisado.
Hipossuficiência para pensar cidadania no Brasil e o ato de levar a sério o interlocutor para o encontro etnográfico: uma análise da perspectiva tutelar da atuação do Ministério Público brasileiro.
Autoria: CAROLINA PENNA NOCCHI
Autoria: A categoria hipossuficiência é apontada por Mota (2005, 2009) e por Mouzinho (2007) como pressuposto fundador da atuação do Ministério Público na defesa de direitos de cidadania no Brasil. As etnografias desses autores, examinadas à luz de provocações de ordem interpretativa, isto é, referentes às condições de possibilidade de produção de conhecimento com pretensão de validade nas ciências sociais, com enfoque no ato de levar a sério a pessoa interlocutora como atitude do pesquisador necessária para tanto, indicam as limitações da categoria hipossuficiência para a efetivação de direitos de cidadania no Brasil. Cabe registrar a opção metodológica, aqui, da análise dos trabalhos de Mota e Mouzinho por provocações de ordem interpretativa, as quais devem, de fato, ocupar papel central da pesquisa, uma vez que tais condições de construção do conhecimento representam o conhecimento em si, não se afigurando como meros instrumentos para se chegar a ele. A categoria hipossuficiência, segundo Mota e Mouzinho, respalda a perspectiva tutelar do Ministério Público perante determinados grupos sociais, legitimando sua atuação para a defesa de direitos de cidadania desses grupos, tidos como vulneráveis e incapazes de responderem por si. A hipossuficiência parece se opor, assim, ao ato de levar a sério a pessoa interlocutora, pressuposto essencial para o encontro com a alteridade, seja esse encontro nas interações sociais em geral, seja na pesquisa etnográfica. No que se refere à pesquisa, a atitude interpretativa de levar a sério a pessoa interlocutora, conforme apontam Cardoso de Oliveira (1993, 1995, 2018) e Favret-Saada(1981), é indispensável para viabilizar o encontro etnográfico. O ato de levar a sério a pessoa interlocutora é que permite compreender sua realidade ou o sentido do que é por ela enunciado. A atuação estatal pautada na ideia de hipossuficiência dos sujeitos a quem suas políticas públicas se direcionam parece concretizar atitude interpretativa que não leva a sério o interlocutor, na medida em que não o considera capaz de expressar suas demandas. E pode inviabilizar, igualmente, a compreensão adequada das demandas de direito de cidadania desses sujeitos, os silenciando e negando possibilidades emancipatórias. Como indica Cardoso de Oliveira, a hipossuficiência leva a situações de exclusão discursiva no Brasil (2018). Para além da correlação entre a hipossuficiência, o ato de levar a sério o interlocutor e a exclusão discursiva no Brasil, as reflexões ora desenvolvidas sugerem caminhos de pesquisa que podem levar à formulação de novas compreensões e desdobramentos dessas categorias, cujo potencial elucidativo da realidade será tanto maior quanto mais profunda for a interseção gráfica entre os mundos socioculturais do pesquisador e do pesquisado.
Processos estruturais de exclusiva discursiva no cárcera
Autoria: Carolina Lemos, Marcus Cardoso
Autoria: Neste trabalho, apresentamos o material etnográfico e nossas interpretações acerca dos significados que as pessoas em situação de privação de liberdade no Distrito Federal davam a suas experiências cotidianas, com especial foco nas situações, relatos e percepções desses atores sociais relacionados àquilo que classificamos como processos estruturais de exclusão discursiva no âmbito desse contexto. A partir de nossos dados de campo, sustentamos que estes processos são uma dimensão central do puxar pena, não apenas configurando uma forma em si de violência, como também a própria condição necessária para a manutenção de um quadro estrutural de violações a direitos no cárcere. Os dados apresentados são o resultado de uma pesquisa de campo, realizada entre os anos2014 e 2018, com mulheres e homens que cumpriam pena no Distrito Federal.