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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT77: Técnica, emoção e poder: uma abordagem processual

Fabio Mura, Jesus Marmanillo

O presente GT busca reunir trabalhos que enfoquem os processos sociotécnicos, levando em consideração fatores emocionais e consequentes relações de poder que emergem em seu seio. O intuito é de considerar estes fatores emocionais, bem como aqueles sociais e simbólicos, como sendo constitutivos destes processos, buscando-se assim evitar a produção de análises dicotômicas, principalmente aquelas oriundas da estéril oposição Natureza/Cultura. Nestes termos, em uma ótica processual, considerando as relações e as interações entre humanos e não humanos, interessa-nos compreender como estados emocionais (confiança, medo, coragem, ira, tristeza, alegria, vergonha etc.) contribuem (e ao mesmo tempo são gerados) na definição de ritmos, gestos técnicos, cadeias operatórias, bem como na formação de habilidades e aptidões, permitindo a geração de status sociotécnicos, relações de força, manifestação de intencionalidades e produção de simetrias e assimetrias relacionais (cooperação, competição, dominação, controle, resistência). A partir destes pressupostos, busca-se apreender construções identitárias, dinâmicas territoriais, aproximação e distanciamento socioespaciais, traçando ontogêneses de objetos técnicos, configurações sociotécnicas, moralidades e tradições de conhecimento. Serão privilegiados trabalhos que apresentem resultados de pesquisa etnográfica nos mais diversos contextos das práticas sociotécnicas, tanto em espaços urbanos quanto rurais.

Palavras chave: Técnica; Emoção; Poder
Resumos submetidos
Técnicas, emoções e panemice nas relações de pesca de pirarucu em uma comunidade amazônica (Ipiranga, Prainha-PA)
Autoria: Myrian Sá Leitão Barboza, Roberta Sá Leitão Barboza, Gerlan Silva Da Gama
Autoria: A pesca de pirarucu (Arapaima gigas) representa uma importante fonte de renda para muitas comunidades amazônicas e requer complexidade de saberes e de técnicas, e habilidade corporal para o sucesso na captura do animal. Além disso, na comunidade Ipiranga do município de Prainha, oeste do Pará, há um repertório de medidas de proteção simbólicas para evitar ou curar a panemice. A categoria panema é utilizada para descrever os episódios de insucesso na pesca, quando o pescador não consegue capturar peixes em subsequentes atividades de pescaria. A panemice também provoca estado de preguiça ao pescador que costuma apresentar comportamento de fadiga, sonolência e indisposição, e assim diminui o ritmo de suas atividades. A prevenção do estado de panemice é realizada por meio de cuidados com os apetrechos de pesca que são organizados em uma canoa que passará por um processo de proteção. Já a cura do estado de panemice envolve técnicas de preparos terapêuticos com uso de plantas medicinais em banhos especiais no pescador. Também existe o ritual secreto, denominado localmente de judiaria, para o repasse da "felicidade" de um pescador exitoso ao outro sem "felicidade", mal sucedido nas pescarias. Assim, o pescador que realiza judiaria obterá sucesso nas pescarias, causando, no entanto, panemice a quem perdeu a "felicidade". A judiaria é realizada através da defumação de escamas do pirarucu sobre objetos de pesca e o corpo do pescador que pretende melhorar seu desempenho na captura pesqueira. O procedimento de judiaria é realizado de forma sigilosa, envolvendo apenas o núcleo familiar, pois a troca do estado de panemice pode provocar sentimentos de raiva e desconfiança a quem recebeu. Todavia, apesar das suspeitas existentes acerca dos causadores da judiaria, com grande difusão da informação nos bastidores da comunidade, não ocorre enfrentamento direto, o que provocaria constrangimento. Nesse grupo de trabalho, iremos abordar os sentimentos - preguiça, "felicidade" (sorte), injúria e inveja - relacionados à proteção e à cura que abarcam o repertório de técnicas contra a panemice nas pescarias de pirarucu. Inspirados em Marcel Mauss, nossa pesquisa discute os processos técnicos e seus efeitos na moralidade local e na produção de assimetrias relacionais, como a competição, entre pescadores de pirarucu da comunidade de Ipiranga.
Graças a Deus e fé no time: etnografando culturas morais-emotivas marginais e corporalidades estigmatizadas na Praça do Nova Vida, em Mossoró/RN
Autoria: Ângelo Gabriel Medeiros de Fre, Raoni Borges Barbosa
Autoria: O presente trabalho tem como proposição o estudo etnográfico do Lugar Público da Praça do Nova Vida, em Mossoró/RN, objetivando os usos cotidianos que se apropriam daquela região moral. Destaca, assim, performances de lazer e esporte de corporalidades estigmatizadas que ritualizam fé e momentos de sacralidade no contexto moral-emotivo marginalizado. O artigo enfatiza reflexões antropológicas sobre a observação das partidas de futebol amador ocorridas no Campo O Luizão durante a realização do Campeonato organizado pela Liga Mossoró, em 2019, e do Campeonato Aberto Nova Vida, em 2021. Problematiza, nesse sentido, as técnicas corporais dos jogadores e torcedores dentro e fora do campo, bem como as ritualizações pré-jogo de masculinidades viris e guerreiras; as moralidades cristãs populares e neopentecostais acionadas para a construção da pertença; e os afetos marginalizados e estigmatizados performatizados em orgulho e fé no time e domínio do lugar. As emoções construídas pelos torcedores e jogadores, - a partir de encontros e desencontros, apresentações de papéis e fachadas dentro de um encaixe interacional do cotidiano da praça, - são problematizadas desde a expressão técnico-corporal e dos idiomas morais que assumem. Desde 2019 vêm se realizando uma etnografia junto aos personagens que compõem a Praça do Nova Vida, sendo possível observar atividades que, - apesar das diferentes moralidades, afetos, tecnicidades, ritualidades e sacralidades envolvidas, - compartilham e disputam o mesmo espaço físico. Essas atividades organizam a distribuição espacial e simbólica dos usuários na praça, cuja teia social é interpretada com base na observação do cotidiano da praça, em etnografia virtual e mediante a construção de um banco de imagens do etnógrafo e de outras agências que fotografam as atividades da praça.
Técnica e tradição de conhecimento: Uma abordagem sobre a capoeira angola.
Autoria: Luís Felipe Cardoso Mont'mor
Autoria: Este trabalho objetiva abordar a capoeira angola a partir da antropologia da técnica e como uma tradição de conhecimento. Tal tradição é uma luta que surge no Brasil através do tráfico negreiro, para onde milhares de africanos foram trazidos, na condição de escravos. Com isso busco, a princípio, apresentar algumas noções da antropologia da técnica através de teóricos que a introduzem, como Marcel Mauss e seu discípulo Leroi-Gourhan, articulando posteriormente com a tradição de conhecimento e os modos de sua transação - conforme Barth propõe. Procuro, além disso, tentar especificar as características gerais que configuram tecnicamente a capoeira angola. Ela aparece com uma personalidade étnica, uma estética funcional e figurativa e sentido político específico; segundo Leroi-Gourhan, quanto aos gestos e produtos técnicos, que pretendo narrar, no caso específico, experiencialmente. Com isso as autoetnografias e etnografias dos treinamentos, pensando na formação das técnicas do corpo, são locus importantes para a observação em que se forma a estética da capoeira angola. Portanto, o trabalho relacionando a antropologia da técnica com a antropologia do conhecimento, procura oferecer elementos analíticos que permitam uma maior profundidade na compreensão da formação da manifestação da capoeira angola. Palavras-chave: Técnica; Capoeira angola; Tradição de conhecimento.
TRABALHO DE ARTESANATO INDÍGENA GUAJAJARA: repertório de resistências e transformações no contexto urbano de Imperatriz-MA
Autoria: Clayton Marinho dos Santos
Autoria: O presente texto visa analisar os modos como os indígenas Tenetehára/Guajajara, que ocupam uma área do Parque Amazonas na periferia da cidade de Imperatriz-MA, em relação a prática de produção de artesanato. De modo mais específico, explicar como as diferenças contextuais urbanas possibilitam determinados tipos de habilidades (INGOLD, 2015), ritmos e estéticas (GOURHAN, 2002) que se acomodam em um contexto sócio-ecológico-territorial (MURA, 2006). Para tanto, nos valemos de uma proposta metodológica de cunho etnográfico através de registros fotográficos e relatos de interlocutores, observando como a aquisição de objetos, o emprego das técnicas de uso e produção de artesanato por aquele grupo podem ser vistas como ações políticas, e por consequência atos transformadores que permitem uma mudança na dinâmica dos relacionamentos nesta fronteira interétnica (BARTH, 2011).
¿Cómo nos cuidamos entre todes? La construcción de conocimientos fundamentales para la incorporación y permanencia de les participantes de la Cooperativa Esquina Libertad
Autoria: Camila Pérez
Autoria: Durante el año 2021 realicé trabajo de campo en una cooperativa de trabajo integrada por familiares de detenides y personas liberadas de instituciones penitenciarias. Esta organización comenzó a pensarse en el año 2010 a partir de un taller de periodismo radial en una cárcel ubicada en la Ciudad de Buenos Aires. En el 2021 la Cooperativa contaba con cinco áreas productivas: serigrafía, encuadernación, diseño, comunicación y cultura y con cuatro asesorías: salud, género, legales y niñeces. Es sabido que las cárceles funcionan como campos de exterminio y que en el momento de salir muchas veces se profundiza el abandono del Estado. Esto se debe a la ausencia de políticas públicas y a las exigencias punitivas de determinados organismos que solo controlan que las personas no se fuguen en lugar de realizar un acompañamiento integral. En las diversas narrativas de las personas liberadas emergen múltiples emociones asociadas a las violencias del sistema carcelario además de la desesperación por conseguir un lugar dónde vivir y un trabajo que les permita mantenerse. Por los efectos extendidos del encierro, aun cuando la cooperativa parece ser una opción capaz de brindar un acompañamiento integral, para muchas de las personas liberadas es muy difícil permanecer. En esta ponencia me interesa reconstruir distintos conocimientos y estrategias que en la trayectoria de la cooperativa lograron sistematizarse para poder acompañar y cuidar a las personas que salen de la cárcel y recuperan su libertad, a les familiares de las personas detenidas y a les cooperativistas que sostienen el proyecto desde hace varios años.
Antropologia da Técnica e rituais no Candomblé
Autoria: Diego Vartuli Cavanellas
Autoria: O Candomblé possui cosmologias distintas dependente da nação (Angola, Ketu, Jeje, Nagô Ebá e outras variações) que determina o culto a seres ancestrais divinizados (Nkisis, Orixás, Voduns) portadores da técnica e do controle sobre a natureza e dos materiais que a própria natureza fornece. Porém, a relação do emprego da técnica e da transformação dos materiais é perpassada por esses ancestrais divinizados e é um fato em comum nas nações do candomblé e em seus rituais. Por meio da oralidade, é transmitida a utilização religiosa, tecnológica e ritualística desses materiais. O candomblé da nação Ketu, em pluralidade atual de culto, é o responsável pelo culto aos Orixás e disseminado no Brasil por povos étnico-linguístico Iorubá oriundos da África ocidental, principalmente da atual Nigéria. Esses povos foram escravizados e utilizados como mão de obra centrípeta da economia mercantilista escravista. Através do "itan", narrativas cosmológicas iorubás transmitidas pela oralidade, os objetivos desta pesquisa são explorar, descrever e explicar a relação entre a cosmovisão iorubá a partir da metodologia da antropologia da técnica, enfatizando o recorte do ritual de ipadê que tem como um dos propósitos invocar o Orixá Exú (Èṣù em iorubá).