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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR08: Antropologia e Curadoria: Dilemas e Derivas da Tradução

Coordenação: Ilana Goldstein (UNIFESP)

Debatedor/a: Leonardo Bertolossi (UNIVERITAS)
Participantes: Clarissa Diniz (Escola de Artes Visuais do Parque Lage), Alex Ungprateeb Flynn (UCLA), Alexandre Araujo Bispo (Coletivo ASA)

Resumo:
Curadores de exposições e museus potencializam obras, dão a ver e entrever para além do visual, operando não apenas com o corpo das obras, mas também com sua presença e potência, seus afetos, magia e agência. Curadores selecionam, interpretam e conectam. Atuam como tradutores, produzem a translocução de saberes e contextos. Sua tradução é produtora de diferenciações e encantamentos artísticos. Podemos aproximar a curadoria do ofício do antropólogo, mas também do feiticeiro. O antropólogo é alguém simultaneamente aquém e além, situado entre mundos: sua vocação é evocar equivocações. Essa mesa se interessa pelas convergências e tensões entre as atuações do curador e do antropólogo e suas interseções. Há exposições de arte que abarcam questões, métodos e objetos caros à antropologia; exposições etnográficas que experimentam novas formas de conceber a curadoria, por exemplo o diálogo com aqueles que serão ali representados; antropólogos que atuam profissionalmente também como curadores; curadores que pautam suas escolhas por autores e debates da antropologia. Os trabalhos dessa mesa apresentam reflexões e experiências relacionadas aos cruzamentos entre os dois campos, se interessam pelas problemáticas dos espaços expositivos, das políticas de aquisição das instituições, do estatuto dos objetos e da materialidade, assim como das curadorias compartilhadas na construção do discurso antropológico e curatorial entre mundos com lógicas singulares e não raro intransponíveis.

Palavras chave: Antropologia, Curadoria, Tradução.
Resumos submetidos
Abundância e vulnerabilidade: curadoria além da exposição
Autoria: Alexandre Araujo Bispo
Autoria: O conflito no Masp envolvendo ingerência na curadoria do núcleo Retomadas dentro da exposição Histórias Brasileiras desnudou a farsa do museu diverso, interessado, aberto às diferenças étnicas e preocupado com a transformação social. O episódio revela o quanto discutir a história (das mulheres, crianças, sexualidade, afro-atlânticas e de artistas não brancos individualmente) tem servido para domesticar e acalmar lutas concretamente transformadoras. Nesta comunicação gostaria de explorar a minha experiência híbrida como antropólogo, crítico, curador artístico e curador educativo a partir das noções de abundância e vulnerabilidade termos que tem me ajudado a pensar sobre algumas mudanças que vem acontecendo a menos de uma década. Desde meados de 2016, apesar do Golpe de Estado, as "artes negras" vem sendo mais assimiladas seguindo tendência que se verifica também na publicidade, no audiovisual, na qual se verifica a presença de maior diversidade racial. Nesse cenário, a escolha de curadores antropólogos parece útil porque a antropologia "sabe" lidar com as diferenças culturais. Talvez por isso, a curadoria de feitio antropológico ajude a "fazer" uma tradução do problema da diferença. Os efeitos desse esforço pela diversificação racial das artes e histórias que não é exclusivo do Masp, embora a instituição pareça escrever sozinha essa história, ajuda a esquecer a pesada destruição de direitos básicos no Brasil desde o Golpe até o presente. Tanto para o meio artístico negro, quanto mais recentemente também para o meio artístico indígena, parece haver muito mais possibilidades de criação e exibição, fato que, porém não reduz a precariedade a que artistas e obras estão sujeitos no interessado mercado em expansão. Quero explorar como, desde 2008, venho fazendo curadorias vulneráveis, marcadas por pouquíssimo recurso, ausência de registro documental de qualidade, ingerência das instituições, ausência de catálogo, dificuldade de acessar obras de artistas galerizados e ou internacionalizados em função do valor do seguro das obras. Assim parece produtivo pensar que antropologia e curadoria é possível de ser feita quando não se tem vínculos institucionais. Se é verdade que antropólogos-curadores "selecionam, interpretam e conectam" para quem o fazemos quando os recursos são escassos? Em função das dificuldades postas, a antropologia tem me ajudado a ampliar a noção de curadoria para além da construção expositiva, ou seja, tem me mostrado que a exposição é apenas um uma forma do fazer antropológico com curadoria, também a crítica e a educação devem entrar nessa discussão.
Seria o fim do monopólio da Antropologia?: Prática curatorial e o dialogo com outro
Autoria: Alex Ungprateeb Flynn
Autoria: Sobre a aproximação do campo das artes visuais em direção a antropologia, já na década de 1990 o crítico de arte Hal Foster escrevia sobre a dita "virada etnográfica", na qual apontava para o crescente interesse de artistas e curadores por questões relacionadas a identidade e a representação. Passados 30 anos, como podemos re-pensar esta relação? Este artigo propõe uma análise especulativa sobre a característica do engajamento entre a prática antropológica e a prática curatorial, abordada através de suas diferentes formas, seja por tangenciamentos, atravessamentos, ou, por vezes, pura incompreensão mútua. Num primeiro momento serão observados pontos de conexão, tais como: desenvolvimento de relações afetivas, através da natureza presencial e processual do trabalho, na qual um artista / curador / antropólogo convida o outro a acompanhar sua prática cotidiana; um campo de trabalho com múltiplos agentes, no qual cada um tem esferas de práticas únicas e responsabilidades diversas; e, por fim, construção de um narrativa conceitual, incluindo múltiplos agentes e posicionalidades num mesmo corpo de trabalho. Na segunda parte do artigo serão abordados pontos de contraste, ou seja, diferenças nas dinâmicas processuais entre ambas as práticas. Na medida que curadores compartilham com antropólogos o compromisso de acompanhar, mediar, negociar e, finalmente, sintetizar, há, porém, na prática curatorial um compromisso distinto, o de deixar uma comunicação em aberto. Por meio de recursos da linguagem textual, visual e espacial, busca construir uma narrativa - respeitando a intenção do artista - enquanto visa estimular o visitante/leitor a participar num campo subjetivo "open-ended". Desta forma, este artigo se propõe a analisar as práticas antropológicas e curatoriais através de suas posicionalidades, motivações e éticas próprias, apontando para as diferentes formas de criação e comunicação do conhecimento.