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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR39: Morrer em tempos de pandemia Covid-19

Coordenação: Andreia Vicente (UNIOESTE)

Debatedor/a: Rachel Aisengart Menezes (IESC/UFRJ)
Participantes: Flavia Medeiros (UFSC), Ednalva Neves (UFPB)

Resumo:
Desde o início oficial da pandemia de Covid-19, normas sanitárias são elaboradas, com consequências sobre o contato de doentes internados e seus familiares, mudanças nos ritos funerários e nos processos de luto. As notícias divulgadas pela mídia internacional e nacional evidenciam o crescimento exponencial dos óbitos, seja por covid-19, seja por outras doenças, associadas ou não à infecção do novo coronavírus. A morte é visibilizada e exposta. Esta mesa é dedicada a debater os impactos da pandemia nas narrativas de experiências no acompanhamento do processo do morrer, por profissionais de saúde, familiares e círculo de sociabilidade do enfermo. Trata-se de refletir sobre as transformações ocorridas a partir de mudanças oficiais nos protocolos dirigidos a evitar contaminação - proibição de visitas a doentes, caixões fechados em velórios e enterros, entre outras alterações. A produção de novas (in)sensibilidades e modos de expressão são objeto de análise e debates nessa mesa, que aborda também as novas formas de adaptação de ritos de despedida e suas consequências na elaboração da perda.

Palavras chave: Covid-19, Sociabilidade, Pandemia
Resumos submetidos
Do protocolo às vivências do possível: subversão dos ritos e sepultamentos em tempos de covid-19
Autoria: Ednalva Neves
Autoria: Este ensaio problematiza como as famílias têm enfrentado o protocolo de supressão do velório e da despedida derradeira diante da morte por Covid-19. Parto da ideia de que a reflexão socioantropológica tem enfatizado o anonimato da morte, a não realização do velório e a ausência do corpo como eventos que catalisam as atitudes diante da morte na contemporaneidade, buscando entender quais são os elementos do imaginário e da invenção cultural que são acionados diante da dor da perda de um ente querido em circunstâncias de ameaça à vida. Com certeza, tais aspectos têm deixado, por um lado, um vazio social e, por outro, sentimentos de obrigação para com o/a falecido/a no imaginário coletivo, especialmente no contexto familiar. É sobre como as famílias estão acomodando seus afetos ainda no processo de sepultamento, e reagindo à ausência que pretendo abordar. Ele se inspira numa conversa com uma pessoa próxima que perdeu o pai para a covid-19, um senhor de 68 anos, ativo, proprietário de um "sítio" nos arredores de uma cidade de médio porte. Para eles, a forma de conseguir superar a impossibilidade da despedida pela realização do velório foi "convidar" o agente funerário para passar com o caixão pelo "sítio" aonde o falecido vivia, antes de se encaminhar ao cemitério para o sepultamento. Desde essa escuta, comecei a pensar quais os arranjos que as famílias estão adotando para enfrentar esse protocolo da crise sanitária? Quais objetos, símbolos ou situações estão adotando para reparar e garantir a homenagem ao/à falecido/a? Quais atitudes estão sendo reordenadas para garantir a memória social do falecido? Como as famílias estão acomodando seus afetos diante da dor da perda? E as consequências para a sobrevivência da família? Além dessa dimensão microssociológica, gostaria de chamar atenção também para as muitas iniciativas de enfrentamento da necropolítica -voltada à negação da vida - e dar visibilidade à singularidade dos/as falecido/as, a exemplo do Relíquia.rum -álbum de memórias, que disponibilizam espaços em redes sociais para homenagear e registrar as perdas e a dor, escapando do anonimato dos números, de uma métrica incontornável da pandemia. Essa inventividade subversiva da cultura transforma o ato de registro e divulgação de fotos de falecidas/os, uma instância de ação política. Não está jogo aqui o debate sobre a necessária normatividade do protocolo, mas refletir como esses microarranjos são atos políticos de composição perante a (in)sensibilidade política da gestão da pandemia no Brasil, explicitamente do governo federal. Trata-se da aplicação da "medida do possível" diante da morte e da dor.