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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT14: Antropologia dos Grandes Projetos: efeitos, conflitos e práticas de poder

Deborah Bronz, Raquel Oliveira

Desde a década de 1980, a antropologia brasileira tem se debruçado sobre os efeitos sociais de grandes projetos, examinando os processos dramáticos de mudança socioambiental desencadeados pela construção de hidrelétricas. Inicialmente com foco sobre a atuação do setor elétrico, as experiências de deslocamento compulsório e as formas de mobilização e resistência organizadas, essa literatura permitiu a problematização da noção gerencial de "impacto" e apontou a importância do exame etnográfico de tais processos eminentemente conflitivos. Mais recentemente, ampliando tais abordagens para os estudos dos conflitos ambientais e das práticas de poder, a temática ganha relevância renovada, tendo em vista a intensificação da desregulação no campo ambiental, o contexto de multiplicação dos grandes projetos - extrativos, de infraestrutura, agroindustriais - e a recorrência dos desastres a eles associados. Este grupo de trabalho pretende reunir pesquisadores dedicados à compreensão dos conflitos ambientais, dos desastres, ao exame dos processos de violação de direitos e das iniciativas e estratégias políticas de enfrentamento mobilizadas pelas populações atingidas. Convidamos, ainda, antropólogos dedicados à análise das práticas de estado, institucionais e empresariais associadas aos grandes projetos, ligadas ao planejamento, à promoção da responsabilidade social corporativa e às estratégias de prevenção, pacificação ou domesticação dos conflitos.

Palavras chave: Grandes projetos; conflitos ambientais; comunidades atingidas
Resumos submetidos
A luta das populações atingidas por uma política pública nacional: o trabalho da extensão universitária na sistematização das violações de direitos
Autoria: Tchenna Fernandes Maso, Katya Regina Isaguirre-Torres, Daiane Machado
Autoria: No ano de 2021 o núcleo de pesquisa e extensão em direito socioambiental EKOA, em parceria com o Movimento de Atingidos e Atingidas por Barragem (MAB), iniciam o subprojeto Política Nacional e Estadual de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que faz parte do projeto de extensão universitária "Direitos em Movimento" do curso de direito da UFPR. O objetivo do projeto é o de produzir conhecimento jurídico acerca dos impactos decorrentes dos conflitos socioambientais envolvendo barragens, através do diálogo com entidades e movimentos para, na articulação pesquisa-extensão, buscar a efetivação de políticas públicas que reconheçam os direitos das populações socioambientalmente vulneráveis. O núcleo EKOA tem acumulado pesquisas sobre os retrocessos ambientais. Suas pesquisadoras tem se debruçado sobre os danos decorrentes de desastres às populações atingidas, e constatado a assimetria de poderes no conflito entre direitos dos atingidos e avanço do poder corporativo. Em 2019, como resposta ao rompimento da barragem de Brumadinho, a Comissão Externa de investigação da Câmara Federal sobre o caso, apresenta como resultado de seus trabalhos o PL nº. 2788/2019, hoje em tramitação no Senado. Buscando uma assessoria jurídica popular, o MAB entra em contato com o grupo para construção de subsídios técnicos que possam apoiar o avanço de direitos no projeto de lei. Assim, se constitui uma série de oficinas e espaços de formação com a presença de representantes da academia, sociedade civil e movimentos populares para subsidiar a construção de parecer técnico, o qual foi apresentado em audiência pública realizada pelo Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) sob o projeto de lei. Deste modo, nesse artigo pretende-se compartilhar essa experiência de encontro entre a pesquisa-ação desenvolvida pela extensão universitária com o trabalho de incidência política do movimento social, demonstrando o 1 Trabalho apresentado na 33ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 28 de agosto a 03 de setembro de 2022 cenário de disputa, na tramitação do PL, entre os direitos que se pretende estabelecer com o PL e os interesses empresarias na expansão de grandes projetos. Nesse cenário, se pretende ainda, estabelecer um comparativo entre a tramitação da PNAB, e o avanço das mudanças no licenciamento ambiental no Brasil, para demostrar a captura corporativa, as violações de direitos humanos e da natureza. Dessa forma, trazer as reflexões sobre os limites e possibilidades do uso dessa frente de regulação normativa como estratégia de mobilização da resistência a grandes projetos.
Tras las huellas del río: violencias y resistencias en el contexto de la implementación de la hidroeléctrica Ituango en el Cañón del Cauca (Antioquia - Colombia)
Autoria: Ángela Jasmín Fonseca Reyes
Autoria: Hidroituango, es el proyecto público de producción de energía eléctrica más grande que actualmente se está ejecutando en Colombia y uno de los más ambiciosos de América Latina. Las obras de esta hidroeléctrica se encuentran sobre el tramo medio del río Cauca, en el noroccidente del Departamento de Antioquia, a unos 170 kilómetros de la ciudad de Medellín, en la región correspondiente con el Cañón del Cauca. Es preciso mencionar que desde la mayoría de los municipios que conforman el Cañón del Cauca han sido epicentro de violencias políticas y armadas generadas por diversos actores (guerrillas, paramilitares, agentes del estado, etc.) en el contexto del conflicto armado y social que desde la década de los 80 se ha recrudecido en esa región. Si bien, los idealizadores y ejecutores de Hidroituango calcularon y presupuestaron los efectos socioambientales que este megaproyecto generaría, desde mucho antes de que las obras comenzaran, la vida en el río Cauca no se reduce a las medidas y los mecanismos propuestos en los Planes de Manejo Ambiental, contemplando que para las comunidades ribereñas el río a través del tiempo se ha constituido como una alternativa de sustento, una opción de trabajo, un medio de transporte, un espacio de socialización, un escenario de conflictos y violencias, entre muchas otras cosas. En este sentido, a lo largo de este trabajo proponemos una discusión alrededor las confluencias de los efectos socioambientales generados por el megaproyecto y el conflicto armado a través de la cotidianidad de determinados sujetos individuales y colectivos habitan en el Cañón del Cauca. Palabras clave: conflictos socioambientales, megaproyectos, resistencias.
Impactos do extrativismo na cidade: Os bairros com fins anunciados e as ruínas a partir do afundamento do solo em Maceió
Autoria: Luiza Fonseca de Souza
Autoria: A partir da atividade de extração de salgema para a produção de resinas e insumos químicos realizada pela petroquímica Braskem ao longo de quatro décadas em Maceió, Alagoas, desencadeou-se, de modo mais evidente desde 2018, um processo de afundamento do solo em determinados bairros da capital, localizados próximos às regiões de exploração. A visualização drástica desse conflito desde a imagem de bairros abandonados e com fins anunciados, marcados por rachaduras provenientes da instabilidade do solo, proporcionou um cenário desolador na capital alagoana, implicando na remoção de mais de 55 mil moradores dos bairros de Pinheiro, Bom Parto, Mutange e Bebedouro, assim como regiões do Farol, destacando-se como “o maior desastre urbano em andamento no mundo”, como aponta o Observatório da Mineração (2021). Sem assumir responsabilidade pelo desastre, a Braskem estabeleceu em 2019 o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF), contando com controvérsias a respeito dos critérios e valores de indenização, além do fato da empresa adquirir os imóveis daqueles que são removidos e indenizados e gerir a entrada e circulação de pessoas em diversas áreas apoiada pelo mapeamento de áreas de risco. É do interesse deste trabalho analisar como os processos de desfazer e desocupar um território ocorrem diante dos conflitos entre moradores, empresa e Estado, compreendendo as ruínas enquanto vestígios de espaços de vivência e memória para a população de Maceió e que se constituem, paralelamente, como símbolo de uma crise que se inscreve no espaço e na vida material (MBEMBE e ROITMAN, 1995), promovendo outras circulações de bens e pessoas nesses territórios, além de inseguranças sanitárias e socioeconômicas. Desde a análise das produções sobre o caso e a construção de trabalho de campo a ser realizado na cidade de Maceió, intenta-se compreender como se estabelecem as questões aqui apontadas.
A centralidade da dimensão ambiental nos conflitos entre o Setor Elétrico, o Estado e movimentos de atingidos - Tucuruí, Pará
Autoria: Rodica Weitzman
Autoria:

Este trabalho ressalta de que modo a dimensão ambiental ganha centralidade enquanto elemento de argumentação e disputa entre os movimentos classificados como “atingidos”, setores empresariais e instituições estatais, tendo como marco os problemas ambientais decorrentes à obra hidreletrica em Tucurui que foram se agravando a partir dos anos 85. O recorte metodológico deste estudo é a construção de uma memória do vivido com base na análise de um acervo arquivístico que é gerado dentro de um processo de interação social. Os conjuntos documentais nos fornecem pistas para demonstrar a evolução das configurações organizacionais, desde as expressões embrionárias de resistência dos “desapropriados”, “expropriados” e “atingidos”, durante as fases iniciais de intervenção da empresa Eletronorte na região de Tucuruí, Pará, até sua adesão gradativa a um movimento abrangente e diversificado que tem como ápice a consolidação de repertórios de ação política face às alterações drásticas no quadro socioambiental. Nos meados dos anos 80, as reivindicações trazidas para o plano politico – por parte dos movimentos de atingidos - não eram direcionadas apenas para as lacunas detectadas nas abordagens adotadas, como a insuficiência das medidas compensatórias para atender as populações atingidas. Passaram a ser mais propositivas, a partir de um questionamento dos critérios que determinaram sua eficácia em termos “técnicos”. Logo, novas bandeiras foram erguidas, como a “luta por pesquisas e estudos.” A intenção deste trabalho é decifrar os significados inerentes às estratégias de argumentação que eram construídas pela explicitação de fatos empíricos – se apoiando na visão da “ciência” enquanto um mecanismo de comprovação daquilo que é vivido no cerne da vida cotidiana e que ganha legitimidade por meio de abordagens alicerçadas na pesquisa e na investigação dos fatos. Assim, no cerne de conflitos entre aqueles que coordenam as intervenções e aqueles que são sujeitados/as aos efeitos visíveis e invisíveis deste modus operandi do mundo empresarial, a opção pela explicação científica dos efeitos ambientais por meio do desenvolvimento de pesquisas e da documentação cuidadosa destes dados empíricos se torna uma ferramenta potente de contestação das posturas institucionais da Eletronorte e dos seus aliados estratégicos.

Risco como uma categoria em conflito no contexto dos Grandes Projetos em Pernambuco: reflexões a partir do Complexo Eólico Ventos de São Clemente
Autoria: Flora Clarissa, Vânia Fialho
Autoria: Este estudo tem como objetivo analisar a categoria risco a partir da retórica tecnocientífica dos defensores dos grandes projetos no contexto de transição energética. Em geral, os projetos hegemônicos incorporam o paradigma do risco, que é associado a uma noção probabilística, quantitativa, objetiva e corresponde a uma perspectiva institucionalizada, uma convenção cognitiva, legitimada socialmente (DOUGLAS, 2007). A partir do conflito decorrente do Complexo Eólico Ventos de São Clemente, instalado na região Agreste de Pernambuco, observa-se a coexistência de várias percepções de risco desenvolvidas pela população local, por agricultores familiares, poder público e a empresa empreendedora do parque eólico. O conflito denuncia o caráter contraditório do empreendimento eólico e nos aponta a necessidade de problematizar o paradigma hegemônico dos grandes projetos de transição energética. Neste sentido, o estudo se dá à luz da teoria da construção social do risco, das contribuições dos estudos sociais das ciências e das tecnologias e tem como base metodológica: 1) o levantamento dos argumentos tecnocientíficos favoráveis aos parques eólicos; 2) a leitura dos estudos antropológicos dos grandes projetos em Pernambuco, em especial os do contexto de transição energética; e 3) o levantamento das diversas produções bibliográficas ou audiovisuais que retratem as relações em torno do Complexo Ventos de São Clemente. Importa ainda registrar que durante a fase exploratória da pesquisa, algumas hipóteses mobilizam o presente estudo, a saber: a) a noção de risco presente na retórica tecnocientífica negligencia os impactos socioculturais e territoriais provocados pelos grandes projetos, tendo como centro do risco a preocupação com a ocorrência de "desastres ambientais" e "desastres tecnológicos", configurados em eventos extremos; b) observa-se que o discurso tecnocientífico embaraça a compreensão do senso comum sobre risco, escamoteando o caráter desastroso dos grandes projetos que afetam a vida das populações locais mesmo sem o evento extremo acontecer; e c) as populações locais protagonizam o papel de contestadoras dos projetos de transição energética nos moldes dos grandes projetos capitalistas e questionam a imagem das empresas como "agentes privilegiados do progresso". Pôr em relevo as diferentes perspectivas de riscos e as considerações das populações locais atingidas pelos grandes projetos energéticos nos possibilitam problematizar tais empreendimentos no contexto brasileiro e latino americano, possibilitando sendas para a construção de propostas mais democráticas, viáveis e justas.
Grandes projetos na Amazônia: elementos para compreensão da construção de um consenso desenvolvimentista ao longo do tempo
Autoria: Tayanná Santos de Jesus Sbrana
Autoria: O presente trabalho analisa a construção de um consenso desenvolvimentista na Amazônia, mediante investigação da atuação de quatro cientistas inseridos em instituições de promoção e/ou crítica ao desenvolvimento em atividade durante a Ditadura Militar, algumas delas em funcionamento até a atualidade. Os cientistas Clara Pandolfo, da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), Armando Mendes, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), Roberto Santos, do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (Idesp) e Marcelino Monteiro, do Banco de Desenvolvimento da Amazônia (BASA S.A.) contribuíram, de distintas formas, para a construção de programas e projetos de desenvolvimento na Amazônia durante os anos 1964 a 1985. Sua atuação nas referidas instituições é compreendida, por nós, como um importante aspecto de uma construção amazônica do pensamento desenvolvimentista, já que conforme Violeta Loureiro (2022), esses cientistas podem ser identificados como uma geração intelectual cujos trabalhos se direcionavam para compreender o desenvolvimento e implementá-lo na Amazônia a partir de traduções regionais dos anseios centrais da Ditadura Militar. No interior dessa elaboração teórica e prática foram construídos elementos que, ao longo do tempo, condicionaram variadas atuações perpetradas por instituições e governos, conduzindo o desenvolvimentismo na Amazônia e construindo um consenso em torno do desenvolvimento enquanto necessidade que dura até a contemporaneidade, embasando a concepção de projetos hoje, como o Matopiba. O trabalho apontará elementos para compreender essa longa duração de um consenso e como o campo científico amazônico, de distintas maneiras, empenhou-se em implementar o desenvolvimento regionalmente, fundamentando ações governamentais e institucionais, cujos frutos são vistos ainda hoje, mediante vários conflitos resultantes dos embates entre comunidades, empresas e governos na Amazônia. O referencial teórico e metodológico é interdisciplinar, construído no âmbito do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (Gedmma), a partir das ferramentas advindas da História do Tempo Presente, da Antropologia e da Sociologia do Desenvolvimento e da Teoria da História, tendo como fontes básicas documentação escrita, como obras de autoria dos quatro cientistas elencados, produção institucional dos quatro órgãos apontados, o I, II e III Planos de Desenvolvimento da Amazônia (PDAs) e entrevistas.
O apagamento dos conflitos pelo uso da água associados a grandes projetos na avaliação dos vinte anos da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH)
Autoria: Natália Morais Gaspar
Autoria: Alguns dos mais expressivos efeitos sociais de grandes projetos industriais, agroindustriais, e dos setores elétrico e da mineração no Brasil são os conflitos pelo uso da água. Ao mesmo tempo, a legislação, as instituições e as políticas governamentais brasileiras relacionadas à água são consideradas das mais avançadas, devido ao seu caráter descentralizado e inclusivo, com a implementação de 246 Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH) desde a instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), em 1997. A partir da participação no estudo de avaliação dos vinte anos da PNRH, iniciativa da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e executado pelo Banco Mundial (BM) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o presente trabalho visa contribuir para a formulação de uma análise crítica a respeito do tratamento de conflitos pelo uso água como problemas passíveis de serem equacionados mediante intervenções de ordem técnica. É parte de projeto de pós-doutorado no qual proponho investigar a influência da instituição multilateral BM na PNRH e surgiu do meu estranhamento em relação à presença e à influência dessa instituição no estudo contratado pela ANA, agência governamental executora da PNRH. À época da realização do estudo, no ano de 2017, durante a qual atuei como "facilitadora" de grupos focais formados por "atores do SINGREH [Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos]", bem como no planejamento e na análise de resultados, chamou a minha atenção a expressiva influência dos representantes do BM na definição de questões tratadas como problemáticas, na escolha das bacias hidrográficas alvo de oito estudos de caso, na definição da metodologia de pesquisa a ser utilizada e na elaboração de recomendações para aprimoramento da PNRH e do SINGREH, entre outros aspectos. No que tange aos propósitos deste trabalho, cabe investigar o modo pelo qual os estudos de caso e os problemas selecionados, bem como a metodologia empregada, não permitiram que fosse feita uma análise da aplicação da PNRH em casos de conflitos pelo uso da água ocasionados pela instalação e operação de grandes projetos, o que seria um dos aspectos chave para avaliação dessa política pública. Argumento que essa limitação pode em grande parte ser atribuída à atuação do BM, por meio de suas metodologias padronizadas, que guardam grande semelhança com aquelas utilizadas, por exemplo, nas avaliações de impacto ambiental para licenciamento de grandes projetos. O objetivo, portanto, é contribuir para dimensionar o papel de pacotes padronizados aplicados por instituições multilaterais na negação de problemas políticos e estruturais relacionados aos efeitos de grandes projetos, bem como as especificidades dessa aplicação no campo dos recursos hídricos.
A porta giratória no campo da reparação: dispositivos de governança e trajetórias profissionais na gestão de desastres minerários. Uma análise desde o caso Samarco/Vale/BHP Billiton em Minas Gerais
Autoria: Lucila Paula Melendi
Autoria: Resumo: O trabalho aqui proposto faz parte de uma pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (GESTA-UFMG), com ênfase na governança do desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. Após o rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015, o desastre se configura como um processo em curso que atinge a população de mais de quarenta municípios ao longo da bacia do rio Doce e o litoral do Espírito Santo. Mesmo sem ter recuperado o rio, nem reparado as vítimas, a Samarco obteve as licenças necessárias para voltar a operar. Pela magnitude dos danos causados e o êxito das empresas para manter os níveis de lucro, o desastre constitui um caso crítico para estudar as tecnologias sociais corporativas que governam, pacificam ou domesticam os conflitos sociais em torno de grandes projetos. Busca-se aqui, dessa forma, mapear os circuitos de capital simbólico que moldam o campo da reparação. Levando em conta o fenômeno da porta-giratória, o objetivo é analisar as trajetórias de profissionais na gestão de conflitos e desastres. Para isso, coloco foco na Fundação Renova, organização criada para executar as medidas de reparação previstas numa série de acordos entre as empresas e o poder público, pensando esta como um nó na circulação do capital técnico, social e político envolvido na gestão dos desastres. Para tal, se analisou o organograma da Fundação, se recriaram trajetórias típicas que revelam fluxos na circulação do capital simbólico e se realizaram entrevistas com informantes chave. A partir da socialização de profissionais com trajetórias diversas, através da Fundação Renova são testados dispositivos de governança que posteriormente são disseminados para outros casos. A jornada dos profissionais de e para este nó revela formas de interação entre agentes estatais, movimentos sociais, organizações do terceiro setor, universidades e empresas que estão sendo resignificadas pelo Setor Minerário sob o rótulo do “ESG” (Environmental, Social & Governance).
"Passando a boiada" na terra do queijo: os des-caminhos da obtenção da conformidade municipal para a mineração no Serro/MG em tempos de pandemia
Autoria: Roberta Brangioni Fontes, Andrea Maria Narciso
Autoria: Com a execução da política do atual governo brasileiro, observamos desde 2019, o agravamento dos conflitos socioambientais, relacionados ao avanço da mineração e do agronegócio sobre terras tradicionalmente ocupadas, ao antiambientalismo e ao desmonte da legislação ambiental. Esse quadro configura um período de "violência nua" em contraste com um período marcado pela "violência lenta" no campo dos conflitos ambientais, como analisado por Bronz, Zhouri, Castro (2020). Nesse contexto, buscamos analisar o processo de obtenção da conformidade municipal para atuação das empresas Herculano Mineração e Ônix Mineração no município do Serro/MG, nos anos de 2021 e 2022, respectivamente, em plena pandemia de Covid-19. Para este trabalho, que é parte da construção de uma tese de doutorado, nos apoiamos na análise documental e na etnografia, através da observação participante em audiências públicas, reuniões comunitárias e do CODEMA/Serro. Nosso referencial teórico baseia-se na literatura sobre conflitos ambientais (PINTO, 2019; TEIXEIRA; ZUCARELLI, 2020) e racismo estrutural (ALMEIDA, 2018). Nossa análise mostra que o modus operandi que levou as mineradoras a obterem a conformidade, deve ser compreendido também em relação com a atuação da empresa Anglo American, que já tentou, sem sucesso, se instalar no Serro anteriormente (FONTES; PAULA, 2021). Compreendemos a atuação dessas três empresas, como faces de um mesmo projeto, que tenta se impor por meio do racismo estrutural - expresso em múltiplas e reincidentes formas de invisibilização e violação de direitos da comunidade quilombola de Queimadas - e do cerceamento do exercício democrático. REFERÊNCIAS ALMEIDA, S. L. de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. BRONZ, D., ZHOURI, A., CASTRO, E. (2020). Apresentação: Passando a boiada: violação de direitos, desregulação e desmanche ambiental no Brasil. Antropolítica - Revista Contemporânea De Antropologia, (49). https://doi.org/10.22409/antropolitica2020.i49.a44533 FONTES, R. B; PAULA, A. M. N. R. de. Tensionamentos entre desenvolvimento, natureza e cultura: o caso do Serro/MG frente à expansão minerária no Vale do Jequitinhonha. In: 10º CONINTER, 2021. Anais do 10º CONINTER. Disponível em: www.even3.com.br/Anais/xc22021/437539-TENSIONAMENTOS-ENTRE-DESENVOLVIMENTO-NATUREZA-E-CULTURA--O-CASO-DO-SERROMG-FRENTE-A-EXPANSAO-MINERARIA-NO-VALE- Acesso em 9 mai. 2022. PINTO, R. G. Conflitos ambientais, corporações e as políticas do risco. Rio de Janeiro: Garamond, 2019. TEIXEIRA, R. O. S.; .ZUCARELLI, M. C. (2020). A gestão dos conflitos e seus efeitos políticos: apontamentos de pesquisa sobre a mineração no Espinhaço, Minas Gerais. Antropolítica - Revista Contemporânea De Antropologia, (49). https://doi.org/10.22409/antropolitica2020.i49.a42125
Mei e Punu: sobre a resistência dos Xikrin do Cateté aos impactos da mineração
Autoria: Marcelo da Costa Tavares, Voyner Ravena Cañete
Autoria: A exploração minerária na Amazônia vem desde a segunda metade do séc. XX desenhando e pautando agendas políticas, econômicas e ambientais, desconsiderando os diversos modos de vida de povos originários e populações tradicionais que nela habitam. Por consequência, grandes empreendimentos de mineração desenvolvem nuances perversas, alterando e degradando os recursos naturais elementares para a reprodução da vida dessas populações (RIBEIRO, 2016). Os Xikrin do Cateté figuram, nesse cenário, empreendendo uma forte resistência aos grandes projetos da mineradora Vale S/A no Pará, pois estão localizados nos entornos de seu território os principais projetos da empresa no estado. Este artigo apresenta resultados preliminares de uma pesquisa de mestrado em andamento e está baseado na experiência de trabalho de assessoria antropológica requerida pelos próprios Xikrin do Cateté desde o ano de 2018, com o objetivo de fundamentar suas ações e pedidos na justiça nos vários processos que possuem contra a empresa Vale. Assim, de uma perspectiva privilegiada, pude acompanhar suas estratégias políticas de resistência aos impactos da mineração.
A negociação entre empresas e famílias na implantação de parques eólicos: Um estudo antropológico no agreste pernambucano
Autoria: Jeíza das Chagas Saraiva, Vânia Fialho
Autoria: O setor eólico vem aumentando de forma significativa sua participação na matriz energética brasileira. Na última década houve uma explosão de atividades relacionadas a fontes renováveis com o surgimento de parques eólicos, especialmente na região Nordeste. A energia eólica é comumente relacionada a uma fonte limpa, de baixo impacto, sustentável e impulsionadora do desenvolvimento local e regional pelas ofertas de empregos e renda fixa para as pessoas que arrendam suas terras. Contudo, à medida que os empreendimentos eólicos se expandem, crescem demandas, contradições e conflitos nos diferentes lugares onde se instalam. Pesquisas desenvolvidas sobretudo na região Nordeste, em zonas costeiras ou rurais onde esses projetos se implantam, têm apontado para impactos socioambientais recorrentes e comuns a esses contextos, presentes em todas as fases dos empreendimentos, da instalação à operação. Além dos impactos ambientais, os parques eólicos modificam o uso e ocupação das terras e as relações e interações dos moradores dessas localidades com o meio que habitam, fatores que têm impactado diretamente na qualidade de vida dessas pessoas. A negociação entre empresas e famílias para arrendamento das terras, efetivada por meio dos contratos, é o principal instrumento para que esses empreendimentos sejam implantados. Desse modo, este trabalho parte da problematização da negociação entre empresas e famílias rurais para implantação de parques eólicos, para pensar como essas relações são estabelecidas e quais são seus desdobramentos. A investigação centra-se em municípios do Agreste Meridional de Pernambuco, primeira região a experienciar a instalação de dois grandes parques eólicos, Ventos de Santa Brígida e Ventos de São Clemente, que juntos, são os maiores empreendimentos eólicos em operação comercial no Estado desde junho de 2016. O complexo eólico Ventos de São Clemente e sua linha de transmissão, focos desse estudo, estão distribuídos em sete municípios do agreste pernambucano e envolvem diversos sítios de famílias rurais. Os dados e análises partem das situações observadas nesse campo, dos relatos de moradores locais sobre o processo negociação com a empresa e pela leitura dos contratos acessados. Dadas as variadas maneiras pelas quais a energia molda continuamente políticas e a vida social, identificar, por meio das respostas locais, as formas e os processos de negociação, as fontes e usos do poder, os padrões de comunicação, as estratégias e táticas desenvolvidas nas negociações para arrendamento das terras, ajuda-nos a compreender e problematizar o que está acontecendo nos lugares de desenvolvimento dessa matriz energética, as práticas adotadas pelas empresas e como as pessoas estão experimentando essas mudanças em suas propriedades e territórios.
Interrompidos: violações de direitos e o impacto do pós-rompimento da barragem B1 da mina Córrego do Feijão em Brumadinho entre os Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe localizados as margens do rio Paraopeba.
Autoria: Vinicius J. R. F. Santos
Autoria: Este trabalho parte da participação como Antropólogo da Assessoria Técnica Independente (ATI) dos Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe, atingidos em janeiro 2019 pelo rompimento da barragem da Mina B1 do Córrego do Feijão, pertencente a empresa Vale S. A. Três anos após a tragédia-crime, em janeiro deste ano, a inundação do rio Paraopeba invadiu novamente a aldeia com lama, levando a comunidade indígena ao abrigo de uma Escola Municipal. Diante da urgência, no dia 14 de janeiro as Instituições de Justiça (IJs), FUNAI e comunidade indígena oficiaram um pedido de reunião com a Vale, o que viria ocorrer no dia 21 de janeiro. Na reunião gravada, diante de todas as instituições presentes, a representante de responsabilidade social da Vale S. A. disse "não há perigo de contaminação, ninguém vai morrer", quando foi surpreendida ao arrepio pela presença e fala do prefeito de São Joaquim de Bicas. No dia 25 de janeiro a comunidade indígena ocupou por três dias a linha do trem próxima a aldeia. No dia 26 de março uma bebê nasce morta. Nessa linha é observada uma série de violações decorrentes desse acúmulo de tragédias, como a produção de uma lista de pessoas reconhecidas como atingidas, produzida sob pressão e sem a devida identificação pelo antropólogo funcionário da empresa Vale S. A.; da pressão dos funcionários da empresa pela realização dos Protocolos de Consulta Livre, Prévia e Informada; e do não cumprimento pela empresa dos acordos estabelecidos pelo TAP-E. Apresentamos três ordens de dados e de análise: primeiro, quem são os Pataxó e Pataxó Hã-hã-hãe atingidos pelo rompimento, as trajetórias familiares com origens no sul e extremo sul da Bahia até a vinda para a Região Metropolitana de Belo Horizonte; da fundação de aldeias, dos impactos e dos efeitos sociais imediatos ao rompimento (como a diáspora de parte da aldeia, da implantação de rixas entre parentes por agentes da empresa Vale S. A.) e de curto e médio prazo (identificados através de um estudo dos critérios para a identificação de danos causados). Segundo, do contexto e da rede de atores que passou a atravessar a vida das comunidades, de uma rotina imposta pelo processo jurídico, do questionamento da autonomia e autodeterminação das comunidades pelas instituições no processo de reparação integral. Terceiro, o que é a empresa Vale S. A., sua trajetória de implantação de conflitos no Brasil e no mundo, como se dá a livre circulação e atuação de funcionários no processo de reparação, com especial atenção ao setor de Responsabilidade Social e de relacionamento com Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. É a oportunidade de pensar nos desafios e obstáculos colocados à comunidade indígena pelo processo da ação civil pública e pelas IJs e FUNAI, e ao antropólogo no âmbito de atuação da ATI.
O cotidiano em risco, os riscos do cotidiano: transformações territoriais e políticas de saúde na comunidade indígena tapuias tarairiús da lagoa de Tapará.
Autoria: Roberto Carlos Nunes Queiroz de Mendonça
Autoria: A comunidade indígena Tapuias Tarairiús da Lagoa de Tapará é uma comunidade do Rio Grande do Norte, localizada na zona rural, na fronteira entre os municípios de São Gonçalo do Amarante e Macaíba. Até 2022 as e os tapuias vêm enfrentando impactos socioambientais gerados por um canavial encrustado na comunidade, visto nos efeitos decorrentes da expansão do arrendamento de terras; da produção de uma paisagem de monocultura; no uso de agrotóxicos no solo; e da queima da cana-de-açúcar como método de extração. Em consequência dos efeitos do canavial, há uma nova relação das tapuias com a territorialidade de Tapará. A partir deste quadro, digo que esta pesquisa foi realizada entre os anos de 2018 à 2021, por meio de atividades pontuais de pesquisa, sendo essas: oficinas, entrevistas e diário de campo. Compreendeu-se ao fim, que as transformações territoriais provocadas pelo canavial, tem construído formas específicas de percepção de risco à saúde pelas pessoas da comunidade, como também gerado uma reorganização das ações individuais e coletivas para atender a saúde (práticas de autoatenção) das e dos tapuias, a fim de atenuar ou resolver as situações danosas. Deste modo, ao subtender a relação direta do território com a saúde indígena, percebo que a insurgência de novos problemas de saúde vem definindo uma relação específica entre as condições sanitárias e ações políticas das pessoas da comunidade, que reflito como sendo parte do desenvolvimento de uma "política de saúde" em Tapará. Palavras-chaves: territorialização; impactos socioambientais; risco; autoatenção; saúde indígena.