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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR25: Etnografias das águas urbanas: tempos, escalas e desigualdades na produção das cidades

Coordenação: Camila Pierobon (CEBRAP)

Debatedor/a: Alessandro Angelini (Johns Hopkins University)
Participantes: Julia O'Donnell (UFRJ), Mariana Cavalcanti (UERJ), Ranna Correa (UFRGS)

Resumo:
O manejo e a gestão das águas urbanas têm sido cada vez mais central para compreendermos os processos de produção das cidades em suas diferentes escalas e temporalidades. A maioria das cidades brasileiras nasceu no entorno de rios e mares, e as águas doce e salgada aparecem como bem vital, como meio de transporte, fonte de alimentos e possibilidade de trabalho e lazer, ao mesmo tempo em que conectam diferentes cidades, estados e meio-ambientes. No século XX, a gestão das águas urbanas passava pela construção de barragens, canalização de rios, aterramento de manguezais e pela construção de infraestruturas de abastecimento de água e saneamento, cujos efeitos são vividos no presente. O crescimento populacional nos séculos XX e XXI fez da gestão da água um grande problema na produção da vida citadina, que se soma à contaminação dos rios pelo esgoto produzido no espaço urbano e rural. O século XXI inicia-se com as graves consequências das mudanças climáticas, e o racionamento de água vem se tornando uma condição constante nas cidades brasileiras, produzindo efeitos de classe, raça e gênero na vida cotidiana das populações urbanas. Esta mesa redonda trata as águas urbanas como importante objeto de pesquisa etnográfica. A partir da água discutiremos problemas sociais contemporâneos urgentes. Partimos das cidades do Rio de Janeiro e de Porto Alegre para pensarmos como a produção das cidades e suas desigualdades passam pela gestão, manutenção e distribuição diferencial das águas.

Palavras chave: Água; Produção das Cidades; Infraestruturas Urbanas
Resumos submetidos
Rio, cidade aterrada
Autoria: Mariana Cavalcanti
Autoria: Esta apresentação relata os primeiros achados de um projeto de pesquisa recém iniciado sobre a urbanização do Rio de Janeiro à luz dos entrelaçamentos históricos entre a produção da cidade e o manejo e governança das águas urbanas no cotidiano. O objetivo mais amplo da pesquisa é etnografar as múltiplas relações dos cariocas com as diversas águas da cidade ao longo do tempo. Nesta apresentação, sugiro que essa perspectiva pode trazer novas questões para uma antropologia urbana concernida não apenas com os modos de vida na cidade, mas com também com a sua produção no cotidiano e ao longo do tempo. Em um primeiro momento, faço um apanhado de estudos etnográficos recentes sobre o tema das infraestruturas urbanas para discutir como essa perspectiva permite a construir novos objetos de escalas de análise sobre temas clássicos dos estudos sobre cidades e da antropologia urbana. Em seguida, a comunicação se debruça sobre a centralidade do manejo e distribuição das águas urbanas a partir dos casos dos aterros resultante dos desmanches de morros das áreas centrais da cidade, em diferentes momentos da urbanização carioca (Morro do Senado entre 1880 e 1906, Morro do Castelo, em 1921 e o Morro de Santo Antonio, ao longo dos anos 50). Esses mega aterramentos, por sua vez, chamam a atenção para a centralidade dessa tecnologia da produção do espaço urbano carioca tal como o conhecemos.
Quando a "peleja" da água vira a saga da luz: articulações de cuidados no Morro da Polícia.
Autoria: Ranna Correa
Autoria: A proposta compõe parte da minha pesquisa de doutorado focada nas articulações de mães e responsáveis em busca de vaga na educação infantil. É nesse contexto de articulações de cuidado de crianças pequenas que a pauta sobre articulações - seja na vizinhança, na esfera pública, ou seja com políticos - ganha força à medida em que o cotidiano revelava outras prioridades. Ao entender a água como um dos objetos que conectam a vida íntima à vida pública e política da cidade (Anad,2017; Schnintzler,2016), discuto a importância da água nas dinâmicas de cuidado, mas também como um elemento capaz de engajar lutas sociais no processo de fazer cidade. Portanto, esta proposta pretende discutir a partir das articulações de Teca, mãe, liderança comunitária e moradora do Morro da Polícia em Porto Alegre, como a luta pela água encanada e pela energia elétrica estão conectadas para pensar as relações de cuidado no o espaço urbano periférico em que vivem. A biografia de Teca ao mesmo tempo em que lida com a precariedade do abastecimento de água e energia elétrica em sua casa, também reivindica na esfera pública o acesso à agua e à energia elétrica como um direito coletivo. Sua vida cotidiana marcada pela "peleja" é importante para refletirmos sobre a centralidade dos problemas contemporâneos relacionados à infraestrutura, bem como os emaranhados de relações sociais e políticas envolvidas (Appel, Anand e Gupta, 2015), que revelam experiências desiguais, genereficadas e racializadas na produção da vida compartilhada na cidade.
"Água morro acima: cotidianos e infraestrutura urbana na Providência (1876-1899)"
Autoria: Julia O'Donnell
Autoria: A apresentação propõe uma reflexão sobre o processo de urbanização do morro da Providência, no Rio de Janeiro, a partir de testemunhos sobre o acesso à agua por parte de seus moradores. Ao revisitar a história de ocupação daquele morro a partir dessa perspectiva o trabalho visa discutir, por um lado, o modo como a relação com a água moldava, de diferentes formas, o cotidiano dos moradores; e, por outro, o que as condições de abastecimento de água do Morro da Providência podem revelar sobre processos mais amplos de urbanização e produção de desigualdades. Partindo de registros de natruza distinta - tais como jornais, mapas e documentos oficiais -, a apresentação se estrutura sobre uma pesquisa ainda em andamento, que tem por objetivo analisar aspectos pouco conhecidos dos primeiros anos de ocupação dessa que é conhecida na literatura especializada como a primeira favela do Brasil. A água emerge, assim, como uma porta de entrada empírica, num exercício que evidencia o rendimento analítico das infraestruturas urbanas em estudos voltados a processos de produção e construção social das cidades.