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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT09: Antropologia das Emoções

Maria Claudia Coelho, Raphael Bispo

O objetivo deste grupo de trabalho é reunir pesquisas que tenham como foco analítico a compreensão da maneira como as dimensões emocionais integram a vida social e dão sentido às experiências dos sujeitos. As pesquisas em Antropologia das Emoções se consolidaram no Brasil nas últimas duas décadas - a partir de perspectivas de campo variadas e com linhas teóricas específicas -, problematizando oposições centrais no pensamento antropológico, tais como indivíduo versus sociedade, natureza versus cultura, micro versus macro, mente versus corpo, privado versus público, interno versus interno, entre outras. Esse grupo de trabalho elege três focos principais do debate sobre emoções: a) sua capacidade micropolítica; b) a dimensão moral da vida emocional; e c) a relação entre emoções e temporalidades. As principais temáticas a serem contempladas são: a) emoções, gênero e sexualidade; b) emoções e religiosidades; c) emoções, geração e curso da vida; d) emoções e política; e) emoções e movimentos sociais; f) emoções e discursos/práticas profissionais; g) emoções, consumo e lazer; h) emoções, sofrimentos e adoecimentos;

Palavras chave: emoções; micropolítica; temporalidades
Resumos submetidos
Aplicativos e emoções: a quantificação da felicidade
Autoria: Elaine da Silveira Leite
Autoria: A presente comunicação aborda o advento dos aplicativos digitais que visam promover o bem-estar psíquico e emocional, respaldados pela psicologia positiva, que garantem melhorar as habilidades emocionais através de um dispositivo neutro (aplicativo) que alimenta-se de dados diários do "eu", isto é, estimulam práticas de automonitoramento constante, e fornecem indicadores, gráficos que possibilitam a visualização do "eu autêntico". Neste sentido, buscaremos apresentar os primeiros resultados da pesquisa, via a perspectiva da sociologia econômica e das emoções, com inspiração na pesquisa etnográfica no aplicativo Happify. O referido aplicativo projeta gráficos e indicadores do nível da felicidade via inserção diária de informações pessoais sobre a frequência de sentimentos como alegria/tristeza, solidão, irritação, autorealização, e satisfação/insatisfação seja nos âmbitos - pessoal, afetivo e profissional. Assim, a lógica dos algorítimos passa a direcionar os usuários/consumidores a atividades e programas específicos ofertados pela plataforma relacionados a afetos, relacionamentos, finanças, trabalho e carreira, sugerindo, portanto, mudanças de hábitos/rotina com o intuito de que o usuário/consumidor conquiste indicadores de alta performance da felicidade. Neste caso, tem-se que a felicidade é resultado de habilidades pessoais/psíquicas que perpassam pela materialização em números e estatísticas de fatores como saborear, agradecer, almejar, dar e empatizar - que são indicadores da felicidade. Deste modo, as primeiras evidências nos levam a discutir o consumo de dados da quantificação das emoções, a precificação da felicidade e os impactos do automonitoramento do "eu" na sociabilidade cotidiana.
Filha, mãe, avó e puta: Gabriela Leite, uma mulher de família(s)
Autoria: Débora Antonieta Silva Barcellos Teodoro
Autoria: A partir do livro de Gabriela Leite, intitulado "Filha, mãe, avó e puta: a história de uma mulher que decidiu ser prostituta", proponho uma análise reflexiva sobre o parentesco, somada a uma perspectiva da antropologia das emoções. Gabriela faleceu em 2013, acometida por um câncer de pulmão. Sua história é marcada pela militância, autonomia e cotidiano de uma mulher comum que, apesar de autodeclarada puta, permitiu que sua vida íntima se tornasse pública. Meu interesse é refletir a respeito de relações de parentesco em um contexto de marginalidade. Para isso, meu olhar se volta às relações consanguíneas e de afinidade da autora, intrinsecamente permeadas pelas emoções que deram sentido à sua experiência particular, bem como de sua família. Para além do conteúdo do livro, curiosa sobre os destinos desta família, cheguei ao nome de Tatiany Leite, neta de Gabriela, em pesquisas na internet. Decidi procurá-la em redes sociais e arriscar um contato. Tatiany respondeu prontamente às minhas perguntas e suas informações, além de preencherem as lacunas que ficaram na minha interpretação das relações de Gabriela, atualizaram como está a família hoje. Numa trajetória em que se entrecruzam liberdade, renúncias, militância, amores e dores, os processos de distanciamentos, aproximações, rupturas e alianças colaboram para se pensar em sentidos de fazer família (LOBO, 2020). Não obstante, inspirada em Lila Abu-Lughod (2018, 2020), é possível pensar no livro de Gabriela como uma narrativa do cotidiano, que conta uma história particular, que possibilita perceber "o outro" (Gabriela) como "menos outro". É importante informar que esta proposta de trabalho é um exercício reflexivo que inspira o futuro desenvolvimento da minha tese de doutorado, na qual me dedicarei ao estudo de relações de parentesco entre trabalhadoras sexuais. Referências: ABU-LUGHOD, Lila. A Escrita contra a cultura. Equatorial, Natal, v. 5, n. 8, p. 193-226, 2018. ______. A escrita dos mundos de mulheres: histórias beduínas. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens Edições, 2020. LEITE, Gabriela. Filha, mãe, avó e puta: a história de uma mulher que decidiu ser prostituta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. LOBO, Andréa. Entre a casa e o mundo. Pertencimentos e mobilidade na sociedade cabo-verdiana. Revista Lusotopie, Leiden, vol. 19, n. 2, p. 285-313, 2020.
A experiência ansiosa: tratado de relatos emocionais do retorno às aulas em uma escola pública do Ceará
Autoria: ALEF LIMA
Autoria: Contemporaneamente é difícil abordar com exatidão os efeitos da crise pandêmica (2020-2022) ainda em processo de dissolução no mundo. No campo da educação os chamados "prejuízos de aprendizagem" são apontados a partir de gráficos numéricos, tabelas de rendimentos, ranqueamento de desempenho que procuram situar quantitativamente os impactos educacionais em termos de performance acadêmica do alunado no período de Ensino Remoto e o quanto tal contexto desestabilizou, no caso do Estado do Ceará, um avanço progressivo nas áreas de língua portuguesa e matemática. Do outro lado da questão, o sujeito do desempenho, o sujeito da aprendizagem. O que fica dele, além do número? Este trabalho procura interpretar a experiência ansiosa de um conjunto de alunos e alunas da rede pública estadual cearense, tomando como protótipo de reflexão seus relatos emocionais acerca da angústia vivenciada no retorno as aulas, que ocorreu no final de 2021. O material empírico desse artigo ancora-se em duas fontes: tanto minha participação como professor da educação básica que presencia de perto a angustia dos/as adolescentes; quanto os depoimentos coletados dos/das discentes em que descrevem as sensações e a dimensão emocional de sua, assim chamada, ansiedade. Por mais que não haja nenhum laudo diagnóstico específico assegurando um quadro psicopatológico, muitos/as jovens dissecam uma constelação de sintomas comuns: boca seca, dor de cabeça, choro, falta de ar, sensação impulsiva de tristeza e inutilidade, perda momentânea da consciência em alguns casos. A proposta do texto, em um tom etnográfico é desvelar com ajuda da antropologia das emoções as imbricações entre a experiência emocional e, simultaneamente, corporal relatada pelos/as discentes e o próprio processo de escolarização no clima pós-pandemia. Parte dos resultados estabelecem duas possíveis causalidades: 1. A pandemia não acabou, há uma continuidade temporalizada nas emoções e 2. A escolarização não funciona apenas como forma de recalcamento emocional e controle institucional - ela, propicia, à revelia de sua intencionalidade, chorar um luto de alguma coisa que não se sabe que foi perdida.
Canto, toque e dança afro-brasileira: o engajamento político a partir do corpo, estética, emoções e sensações
Autoria: Lívia Rabelo
Autoria: Neste trabalho reflito sobre formas de engajamento político de mulheres negras quilombolas que articulam corpo, arte, estética, política, emoção e cultura através do canto, do toque de tambores e da dança afro-brasileira. O Grupo Afro Ganga Zumba (GAGZ) foi fundado em 1988 a partir de uma apresentação de dança em comemoração municipal dos cem anos de "abolição da escravatura". Sua sede está localizada na Comunidade Quilombola do Bairro de Fátima (reconhecida em 2007), no município de Ponte Nova Minas Gerais, tendo sido reconhecido em 2015 como Patrimônio Imaterial Municipal. As mulheres foco deste trabalho são as fundadoras (ou gerações posteriores) do GAGZ. As atividades são baseadas no cuidado e no afeto, compondo uma proposta de transformação da indignação e da raiva - diante da discriminação racial - em luta antirracista, valorização dos saberes locais, autoafirmação identitária e sentimentos característicos da comunidade como a alegria, o entusiasmo, o humor e a esperança. Assim, ao valorizar a cultura afro-brasileira, contribui para a formação de subjetividades moral e emocionalmente instruídas sobre a questão racial. É nessa dinâmica emocional que vão se tecendo ou destecendo relações de afeto, confiança e pertencimento à comunidade. Inspirada por uma perspectiva da corporeidade, mostro outra linguagem política a partir do corpo, sensações corporais, movimentos e emoções. Uma ferramenta de comunicação que não é necessariamente e apenas falada, mas dançada, cantada, tocada e sentida no cotidiano. É a resistência de existir, de ensinar estas atividades para a comunidade, de ser exemplo de admiração, beleza, reconhecimento e respeito. O corpo é resistência não apenas pela memória e oralidade, mas também pelos movimentos das cordas vocais, dos braços, mãos e pés. Movimentos que não puderam ser totalmente calados porque não eram falados. Atualmente resido na comunidade e faço aulas de percussão e dança afro-brasileira, o que contribui para minha compreensão das emoções nestas atividades e de como são narradas. Assim, analiso narrativas sobre o início do bairro e do grupo, narrativas durante os ensaios e aquelas estimuladas por fotos dos eventos e apresentações. Assim, tenho buscado compreender a capacidade micropolítica da articulação entre corpo, estética, movimentos, sensações e emoções na tessitura de novas relações, ou no fortalecimento e nas alterações de relações e hierarquias já estabelecidas. Dito de outro modo, como sentimentos e emoções nos cantos afromineiros, na percussão e na dança afro-brasileira afeta e coparticipa da conformação de ser gangazumbeiro, ser quilombola e ser negro no Grupo Afro Ganga Zumba. Palavras-chave: Corpo; Emoções; Grupo Afro Ganga Zumba.
"Desaprendendo emoções indesejáveis": O ciúme nas relações não-monogâmicas
Autoria: Rhuann Lima Fernandes Porto
Autoria: Neste trabalho, reflito como o ciúme é pensado e articulado no universo de não-monogâmicos negros em suas relações afetivo-sexuais monorraciais. Para tal, foi realizada uma pesquisa de caráter qualitativo no interior do grupo de Facebook Afrodengo - Amores Livres, o maior grupo de não-monogâmicos negros do Brasil. Foram utilizadas como técnicas a observação participante no grupo citado e entrevistas semiestruturadas com seus fundadores. Percebi que o arranjo não-monogâmico é valorizado por duas características gerais: a) por ser um modelo crítico à monogamia e de seus "valores convencionais", como a ideia de "amar apenas uma pessoa de cada vez"; b) por se tratar de uma orientação relacional aberta à possibilidade de estabelecer e manter vínculos amorosos e de intimidade com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Tal arranjo é entendido como proveitoso e benéfico, contanto que haja consentimento informado entre as partes, isto é, as pessoas envolvidas na relação, partindo dos pressupostos de "honestidade" e "sinceridade", devem saber que estão engajando-se nesse tipo de relacionamento não exclusivo do ponto de vista afetivo e sexual. Ao investigar as tensões e estratégias mobilizadas pelos meus interlocutores para desenvolverem uma ética amorosa não-monogâmica, testemunhei que eles classificam o ciúme como um dos maiores malefícios da "herança monogâmica", que traz consigo a ideia de posse sobre o outro. Assim sendo, partem do princípio de que o ciúme é construído, ou, mais precisamente, "inventado". Muitos comentam sobre a importância de "desaprender" esse sentimento para afastarem-se dos "fantasmas da monogamia", sendo tal atitude interpretada como o principal desafio na prática não-monogâmica, revelando também o quanto os sujeitos estão preparados para assumirem esse modelo de relação. Então, o diferencial da não-monogamia em relação à monogamia seria a sua disposição em rever criticamente tal sentimento e repensá-lo, na tentativa de "desfazê-lo". Nessa direção, artifícios para o controle de ciúme são desenvolvidos. Um exemplo disso, seria a noção de "compersão", categoria afetiva que pode ser entendida como uma aversão reflexiva ao ciúme, o seu verdadeiro oposto. Assim, não-monogâmicos não se deixam "dominar" pelo ciúme e procuram visualizar o parceiro com outra(s) pessoa(s), sentindo-se bem com esse posicionamento. Dessa forma, a análise sobre o ciúme neste contexto permite mostrar, especificamente, as negociações e as dinâmicas de interação estabelecidas em torno do arranjo não-monogâmico de modo mais amplo, sendo a desnaturalização e a tentativa de "superação" de tal sentimento algo que legitima o próprio arranjo afetivo-sexual em questão.
"O teatro funciona para mim de forma terapêutica. Como algo que me faz bem, onde eu posso trabalhar minhas emoções e me conhecer melhor": Notas etnográficas sobre Teatro, Emoção e Indivíduo
Autoria: João Pedro de O. Medeiros
Autoria: "Onde eu posso ser eu mesmo". "Enriquece a alma". "Onde me descubro a cada dia". Os qualificativos em questão acionam os diferentes valores introspectivos suscitados pela inserção em um curso de iniciação ao teatro. Por parte daqueles que não cultivavam interesses artístico profissionais, os usos lúdicos da prática teatral pareciam identificar nela uma instância com altas propriedades solucionadoras, ou ao menos apaziguadoras, de problemas e peripécias de suas vidas íntimas. Se não dessa forma, simplesmente, uma constante fonte de competências extensamente positivas que refletiam no bem-estar geral do indivíduo. Fruto de uma pesquisa etnográfica realizada entre fevereiro de 2021 e fevereiro de 2022 em uma escola de teatro em Niterói (RJ), este trabalho busca compreender o que os interlocutores queriam dizer por "fazer teatro" e os usos que faziam dele. Mais precisamente, me atenho a "recomposição interior" suscitada por tal envolvimento que, por sua vez, fornecia as coordenadas para o que parecia ser uma "nova vida exterior". No decorrer dessas considerações, Emoção e Indivíduo se destacam como eixos interpretativos cruciais para a empreitada antropológica alçada.
As emoções e o câncer: "Trilogia feminina do sofrimento oncológico".
Autoria: Cícero José Alves Soares Neto
Autoria: Esta análise se propõe abordar a temática da patologia do câncer, sob a ótica de três olhares femininos, desvelados por mulheres acometidas pelo problema de saúde vital para a vida das pessoas na realidade. O foco desta interpretação privilegia três registros memorialistas elaborados por pelas autoras que deixaram seus relatos pessoais das suas experiências com o problema oncológico vivenciado por elas, em momentos distintos das suas trajetórias individuais. Assim, a unidade dos registros memorialistas passa pela identidade feminina e com a experiência vivencial interativa com o problema patológico. Teoricamente, a proposta analítica se fundamenta nos paradigmas da Medicina Tradicional Chinesa que, estrategicamente, articula as emoções, de forma fisiológica, aos órgãos do corpo humano, provocando uma linguagem somática do problema emocional vivenciado e registrado de forma materialista no corpo humano. A questão central desta investigação, essencialmente documental, que tem como fonte os registros memorialistas das autoras que, existencialmente, experimentaram a comunicação do processo vivencial com o problema de saúde oncológico, busca compreender quais as mensagens emocionais emitidas pelas mulheres-autoras das obras memorialistas da experiência oncológica? Metodologicamente, esta reflexão privilegia a análise de conteúdo como método, para decifrar o universo emocional manifestado pela trilogia feminina sobre o sofrimento oncológico.
Feminicídio e o suicídio dos homens que matam mulheres: perspectivas familiares e borramento de conceitos
Autoria: Natascha Castro
Autoria: Este artigo propõe um exercício reflexivo a partir do material etnográfico desenvolvido com familiares de vítimas de feminicídio no Uruguai. Com base no universo etnográfico das conversas com mães e irmãs de mulheres assassinadas, procuro abordar a dimensão moral da vida emocional dessas famílias e sua relação com o destino dos feminicidas. Nesse sentido, apresento como o suicídio e/ou a prisão dos feminicidas aparece nas narrativas de familiares de vítimas. O mesmo Uruguai que vive sob o signo de um "mito de igualdade" em decorrência principalmente do progressismo de suas leis, também vive as dificuldades relacionadas ao alto índice de violência de gênero, especialmente de feminicídios. Compreender as diferentes chaves de leitura manejadas pelos familiares e por referentes do movimento feminista sobre os suicídios dos homens que matam mulheres pode contribuir para a reflexão sobre os borramentos provocados pelo suicídio dos feminicidas na concepção das ideias de justiça, de responsabilidade e de tragédia.
Afetações da intimidade: dimensões emocionais na caracterização do consentimento e da violência sexual entre casais.
Autoria: Iaci Jara
Autoria: O "estupro marital" é um tema cuja visibilidade social vem crescendo nos últimos anos. As tentativas de nomeação e caracterização desse ato têm mobilizado noções complexas e polissêmicas, algumas delas são: indivíduo, família, direitos, deveres, espaço público e privado, desejo e crime. Todas essas noções, emaranhadas por laços de afeto, comensalidade e conjugalidade, são tensionadas na produção de sentidos do cotidiano. Orientada pela abordagem etnográfica, analiso narrativas de mulheres, tendo como foco a forma como acionam e articulam emoções, gênero e sexualidade para qualificar consentimento e violência no interior das suas relações íntimas. As gramáticas em questão, por vezes posicionam a legitimidade da troca sexual como trabalho emocional, noutras reconhecem a violência sexual a partir da violação emocional, e um mesmo ato pode transitar entre o consentimento e o abuso. Essa dimensão vivencial da "violência", em seus deslocamentos e complexidades, nos mostra como o sentido da experiência não é autoevidente e nem pode ser tomado como acabado. Pelo contrário, a história se mantém viva nos sujeitos e faz parte do devir presente porque é socialmente afetada. A emergência da temática do estupro marital pode ser considerada como decorrência de um contexto histórico de ampliação da pauta de reivindicações sociais por direitos, lidos especialmente na chave dos direitos humanos, a partir da qual a vivência da sexualidade passa a ser compreendida como parte dos direitos e liberdades fundamentais para uma vida digna. Em outro nível da escala, esse fenômeno é lido também como consequência do percurso do movimento feminista de politizar as relações pessoais, que tem como uma de suas metodologias o esforço de reconhecer, classificar e nomear como violência atos do cotidiano. Voltar o olhar para a vivência da intimidade no cotidiano possibilita a observação de negociações de fronteiras simbólicas e morais a partir de balizas subjetivas acerca dos desejos, das expectativas e das ansiedades que envolvem a experiência sexual. Observa-se que o alargamento das noções morais que informam o sentido da violência tem como um de seus resultados o deslocamento das emoções. Esse movimento coloca em evidência conflitos que disputam os contornos simbólicos do cotidiano e que produzem, em seu bojo, novas formas de subjetivação.
Do medo ao engajamento político: emoções e subjetividades a partir da militância materna entre integrantes do coletivo Mães pela Liberdade
Autoria: Maria Alice Magalhães da Silva Batista
Autoria: O presente trabalho propõe reflexões tecidas a partir da interlocução com quatro integrantes do coletivo mineiro de mães e pais de pessoas LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e demais minorias de gênero e sexualidade), Mães pela Liberdade, realizada através de entrevistas em profundidade durante os anos de 2020 e 2021. Pretende-se refletir sobre os processos de adesão das Mães ao coletivo, bem como sobre as narrativas acerca das transformações em suas subjetividades a partir do engajamento político, abordando o modo como tais falas são permeadas por uma gramática das emoções. Destacou-se, por exemplo, como o medo quanto a possíveis violências que poderiam ser cometidas contra as/os filhas/os LGBT+ foi um impulsionador à entrada de tais mulheres na militância. Através das falas das interlocutoras, foi possível perceber como a participação em um grupo, o qual se coloca como parte de um movimento social, atuou enquanto uma espécie de "escola política" para tais mulheres, as quais passaram a vivenciar e agenciar reelaborações de suas subjetividades, que implicaram em reformulações de suas visões de mundo. A partir de intensa percepção e produção de discursos sobre suas emoções e relações familiares, a adesão à militância materna atuou na metamorfose da tessitura das subjetividades e relações dessas mulheres, em um processo "de dentro para fora", concomitante a outro "de fora para dentro". A "saída de dentro do armário" por parte das/dos filhas/os LGBT+ transformou, em diferentes níveis, as dinâmicas familiares, impulsionando essas mulheres rumo a atuação política para fora do espaço doméstico, a qual, por sua vez, operou na transformação das relações internas a tal âmbito, especialmente através do contato com a alteridade, corporificada nas vivências LGBT+ com as quais passaram a ter contato. Nesse sentido, pretendo abordar o processo de reinvenção da gramática materna, em que tais mulheres evocam em seus discursos e atuação, categorias como acolhimento, orgulho, amor, aceitação, liberdade e respeito, para assim construírem estratégias de empoderamento e de defesa de seus/suas filhos/as e de si mesmas. Por fim, pretendo abordar o modo como a evocação dessas emoções deve ser pensada levando-se em consideração as construções sociais em torno da categoria maternidade, na medida em que tais mulheres se apropriam de um discurso que coloca determinadas emoções e atributos como inerentes às mães e à maternidade, para assim subvertê-lo em favor de sua luta pelos direitos dos/das filhos/das e de toda a comunidade LGBT+.
O sofrimento na experiência do cuidado de pacientes com doença de Alzheimer
Autoria: Charles Antonio Pereira
Autoria: O objetivo deste trabalho é pensar os aspectos emocionais do cotidiano daqueles que oferecem seus cuidados a indivíduos com Alzheimer. Para isso, acompanhei os relatos realizados por cuidadores em um grupo de uma rede social. Ao longo desse acompanhamento alguns padrões foram se delineando, em especial a predominância de uma gramática emocional para relatar as experiências vividas na tarefa do cuidado. Muito se falou sobre amor, sofrimento e humor na tecitura dessas experiências entre os cuidadores marcadas pela doença de Alzheimer. Neste trabalho especificamente, será discutido o sentimento que aparece predominantemente no discurso desses cuidadores: o sofrimento. Narrativas de sofrimento têm orquestrado diversas reflexões antropológicas que buscam uma compreensão de experiências de adoecimento e de processos sociais relacionados a elas. No grupo aqui investigado, essas narrativas do sofrimento são tematizadas de diversas formas. Por vezes aparecendo de forma explícita nos discursos, outras presentes nas sutilezas do narrar cotidiano. O sofrimento em narrativas será aqui entendido como um processo, isto é, obedecendo um percurso lógico em relação a forma e os momentos em que vão aparecendo nas narrativas dos cuidadores. Os primeiros aparecimentos geralmente ocorrem nos relatos sobre a morosidade de se obter um diagnóstico preciso da doença de Alzheimer. Em seguida, falar sobre o sofrer vai se tornando mais presente a medida que são percebidos os avanços da doença e sua maior interferência nas dinâmicas do cotidiano e, por fim, culminam em narrativas que tematizam a desesperança em relação a uma melhora da doença e o efeito dela em suas vidas enquanto cuidadores.
EMOÇÕES REGISTRADAS, O QUE PODEM NOS DIZER: uma análise de dossiês institucionais a partir da Antropologia das Emoções
Autoria: HANDIARA OLIVEIRA DOS SANTOS
Autoria: O presente resumo tem como objetivo abordar o estudo em que desenvolvo uma análise de registros das emoções em dossiês institucionais ao longo do processo de acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Os registros analisados foram feitos por profissionais da equipe técnica (assistente social e psicóloga) de uma instituição específica designada como casa de passagem localizada na região metropolitana de Porto Alegre. Buscou-se contextualizar os registros das emoções na trama das relações envolvidas em todo o processo de acolhimento. A análise parte da corrente teórica contextualista da Antropologia das Emoções que utiliza o conceito de micropolítica das emoções para abordar as relações de poder existentes na sociedade, considerando os indivíduos como singulares, que expressam suas emoções a partir da cultura, da sociedade, da família e da época em que foi desenvolvido, considerando também o momento e ambiente em que está e com quem está dialogando. Para desenvolvimento deste estudo utilizo diferentes autores para complementar as discussões, inclusive da antropologia da criança, porém meu foco recai nas contribuições teóricas sobre antropologia das emoções de Maria Claudia Coelho e Claudia Barcellos Rezende, para refletir sobre estas relações de poder existentes no âmbito do acolhimento institucional. Serão apresentados os resultados da pesquisa de levantamento dos registros das emoções, assim como sua análise abordando a teoria da micropolítica, consistindo nas localizações dos mecanismos de controle e relações de poder. Também será tratado neste trabalho a metodologia usada nas análises, a saber, a etnografia documental, que busca abordar os registros documentais, dando ênfase em quem, onde e para quem foram escritos. Cabe ressaltar que esta pesquisa foi desenvolvida para a minha tese de conclusão de curso de bacharel em Ciências Sociais, durante a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) sendo necessário a reformulação da metodologia, pois a ideia inicial era efetuar observação participante na instituição de acolhimento onde já desenvolvia uma pesquisa de iniciação científica junto da professora Fernanda Bittencourt Ribeiro.