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ISBN: 978-65-87289-23-6
GT76: Sujeito e religiosidade: práticas, representações e experiências

Bruno Bartel, Edilson Márcio A. Silva

No início do século XIX, Hegel inovou ao postular que toda consciência resulta de um processo de formação histórico-cultural, posição também assumida por Marx que, juntamente com Freud e Nietzsche, viria a assumir indelével influência na obra de Foucault. Uma das mais renomadas referências no debate acerca das relações entre o sujeito e o poder, o filósofo francês notabilizou-se ao elaborar uma perspectiva teórica invulgar na qual a noção de insubmissão da liberdade ocupa um lugar privilegiado. Partindo dessa perspectiva - sem, contudo, nos atermos a ela -, interessa-nos refletir sobre a relevância da religiosidade na produção de modos de ser/estar no mundo, enfocando, em especial, as práticas, representações e experiências que orientam as estratégias de luta empregadas por diferentes sujeitos para fazer frente às relações de poder que se lhes impõem nas múltiplas e variadas esferas da vida social. Em linhas gerais, o GT pretende constituir um espaço de diálogo e reflexão em torno de fenômenos como: ações rituais coletivas, controvérsias públicas, modos de engajamento disciplinar, mobilizações políticas etc., cuja análise servirá de subsídio a uma problematização mais ampla do papel desempenhado pela religiosidade na produção da consciência e, por conseguinte, na construção de sujeitos nas sociedades contemporâneas.

Palavras chave: Religiosidade; Construção de sujeitos
Resumos submetidos
Os agentes de 'literacia' no Candomblé: contra o risco de as tradições de conhecimento religioso virem a "tornar-se nada"
Autoria: Tânia de Souza Fernandes
Autoria: O trabalho apresentado pretende apontar o quanto o protagonismo de determinados personagens que tenho denominado "agentes de literacia" (VIANNA,1999), organizados num movimento político-religioso (ASAD, 1996), têm contribuído, ao longo das décadas, para a construção e sedimentação das "tradições de conhecimento" (BARTH, 2002) cultivadas pelas Casas de Candomblé, inclusive aquelas que se estabeleceram no Rio de Janeiro e que se consideram ligadas a suas ‘matrizes’ fundadas na Bahia, Pernambuco e Maranhão. Sujeitos sociais considerados como grandes sábios/sábias sempre desempenharam um papel resguardador e disseminador de conhecimentos absolutamente necessários para a continuidade religiosa do Candomblé (MATORY, 1999; CASTILLO, 2012). Isto foi assim num passado mais ou menos recente, onde a fixação desses saberes para se tornarem acessíveis aos contemporâneos e às gerações futuras tinha como mídias principais a memória dos seres humanos mais idosos e sua oralidade (BARTH, 1995) seja após o advento e proliferação dos suportes e mídias digitais, que têm sido utilizados pelos agentes de literacia da atualidade (FERNANDES, 2020). Em cada contexto e momento histórico estes agentes têm articulado modos de intervenção que carregam intencionalidades específicas junto aos iniciados do Candomblé. A partir de minhas interlocuções de pesquisa com candomblecistas do Rio de Janeiro, entre 2018/2020, argumento que os agentes de literacia com quem tenho dialogado em campo protagonizam um projeto interventor junto ao "povo de santo" que objetiva influenciar os seus "modos de ser", vislumbrando que os iniciados do Candomblé se tornem cada mais capacitados para lutar contra o racismo religioso nas arenas públicas e para conquistar maior respeitabilidade social e espaço de representação política. As transformações pretendidas configuram, segundo os pesquisados, "O Candomblé do futuro". E, desta forma, serem capazes de impedir que suas tradições de conhecimento religioso venham a "tornar-se nada" (BARTH, 1995). Palavras -chave: Candomblé. Movimento político-religioso. Agentes de literacia. Tradições de conhecimento. Mídias.
Elas afirmam: há uma mesa no reino dos céus para nós! Reflexões sobre aproximações entre as saficrentes e teologias feministas e queer.
Autoria: Louise Tavares Oliveira
Autoria: Resumo O grupo online no WhatsApp, com nome Igreja Vale das Bênçãos, é um espaço onde mulheres sáficas buscam trocar experiências e promover webcultos. As saficrentes, como se denominam, buscam defender uma fé afirmativa da diversidade, uma maneira de elaborar a religiosidade de um modo não tradicional. Ou seja, aparecem em um quadro em que as representações e o discurso se mostram por uma outra perspectiva. Por meio da observação do grupo é possível defender que os elementos da teologia feminista e queer estão em proximidade com o que grupo faz. Diante disso, este trabalho tem por intuito discutir como as categorias elaboradoras pelas saficrentes se relacionam com a teologia queer e feminista produzidas por Odja Barros Santos e Ana Ester, no sentido de notar como o campo religião, fé, sexualidade e gênero estão se manifestando no presente. Portanto, esse trabalho busca investigar essas possibilidades de religiosidade que aparece de forma marginal, que parece ser múltipla no sentido de produzir um novo sentido sobre o cristianismo, que se diz libertador e subversivo. Desse modo, é importe salientar que na tradição ocidental a sexualidade e a política seriam terrenos movediços, com zonas de exclusão, portanto um território disputado, sexo é político (Rubin, 2017). Portanto, é importante notar a oposição que a IVB e essas teologias fazem aos sistemas de exclusão e opressão. Principalmente frente à onda de conservadorismo entre cristãos e evangélicos, sobretudo em alinhamento com grupos fascistas. Existe um questionamento colocado pelas saficrentes sobre o aspecto moral da religião, onde elas se situam, por quais estratégias discursivas é possível afirmar posições, e se diferenciar dos campos conservadores. Percebe-se que esses pensamentos e a IVB se situa numa fronteira, então dizer e experienciar todos esses aspectos da fé afirmativa se constitui com uma estratégia política. Palavras-chave: Saficrente. Queer. Feminismo. Religião
Representações identitárias da homossexualidade campinense
Autoria: Francisco Jomário Pereira
Autoria: Neste artigo, apresenta-se uma análise do processo de construção das representações da homossexualidade a partir da doutrina espírita brasileira e da percepção de homens gays praticantes do espiritismo, a partir de dados coletados entre os anos de 2016 e 2019 na cidade de Campina Grande na Paraíba. Os resultados apresentados foram frutos de análises realizadas inicialmente da obra de Allan Kardec, bem como de discursos e publicações de médiuns brasileiros contemporâneos, para então se alargar o debate, valendo-se de entrevistas com homens gays praticantes do espiritismo. Levou-se em consideração também a Análise do Discurso de linha francesa enquanto vertente teórico-metodológica. Observa-se que as representações apresentadas pelos interlocutores coadunam, em parte, com aquelas pensadas pelos doutrinadores espíritas, mas existem resistências, mostrando que a subjetividade do indivíduo interfere e ajuda a ressignificar conceitos e práticas religiosas. Por meio deste trabalho, portanto, busca-se contribuir para o alargamento do debate em torno da sociologia da religião em interface com a sexualidade e, por fim, expandir o debate em torno do espiritismo brasileiro.
SUBJETIVIDADE E AGÊNCIA ENTRE MULHERES EVANGÉLICAS - Considerações breves sobre sexualidade e gênero sob a perspectiva religiosa.
Autoria: Magnólia Oliveira de Almeida Santos
Autoria: Resumo: este trabalho pretende abordar os atravessamentos entre sexualidade e religião, relações/conflito de gênero e poder na construção da subjetividade das mulheres no âmbito religioso, sua teia de afinidades e contrastes, os reflexos sociais e as condutas através da análise de dois casos - o consumo de sextoys por evangélicas num bairro da periferia fluminense e a busca pela afirmação da autoridade pastoral feminina a partir das estratégias utilizadas pela esposa de um pastor - considerando moralidade e reputação como fio condutor. Palavras-chave: sexualidade - religião - moralidade
Samba, feijoada e música gospel: Outras faces do Pentecostalismo, nas periferias fluminenses
Autoria: Frederico Felipe Souza de Assis
Autoria: O presente trabalho tem por objetivo investigar a relação entre religião, cultura, mídia e as (re) formulações do secular (Asad, 2003) a partir dos "ministérios" pentecostais e neopentecostais presentes nas periferias urbanas do Rio de Janeiro. Nas últimas décadas, com o crescimento do campo evangélico e a consequente intensificação de sua presença e agência nas periferias urbanas fluminenses, pesquisas sobre esta temática se tornaram cada vez mais relevantes para melhor compreender as especificidades deste campo religioso em expansão, bem como os efeitos deste fenômeno, nestes territórios. Para viabilizar tal proposta, pretendo analisar as interações do pentecostalismo com o samba, a partir da "Féjoiada do Waguinho". Trata-se de uma roda de samba com feijoada, produzida por pentecostais, evento com a participação musical dos pagodeiros do Ministério 100% fé e do pastor e cantor de ‘‘samba gospel’’ (categoria nativa), Waguinho. Realizado em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, este evento nos permite investigar de que modo elementos da "cultura gospel" tem disputado, ocupado e reconfigurado subjetividades, corporeidades e sociabilidades nas periferias urbanas do Rio de Janeiro, e de que maneira as práticas sociais recorrentes nestas periferias também alteram os modos de vida pentecostais. Faz-se necessário, ainda, considerar a centralidade das mídias sociais e sua relevância para a materialidade da religião neste contexto. Para o desenvolvimento da análise deste material etnográfico, dialogo com a literatura sobre religião e mídia (Meyer, 2018); identidade e mediações culturais (Hall, 2003); música gospel (Cunha, 2007; Sant’Ana, 2014; Bandeira, 2017 e Guerreiro, 2018); música e as periferias urbanas (Oosterbaan, 2008); religiões afro brasileiras (Silva, 2005); laicidade e secularismo no Brasil (Asad, 2003, Montero, 2006; 2018 e Giumbelli, 2008); samba (Cabral,1996; Moura 1995; 2004); samba e evangélicos (Oliveira Júnior e Cruz Júnior, 2020); Funk, pentecostalismo e periferias urbanas (Pereira, 2019 e Paz, 2018) e samba gospel (Machado, 2020). As conclusões iniciais desta pesquisa apontam para uma abordagem da música gospel e, sobretudo, do "Samba Gospel" não apenas como prática proselitista ou apropriação indébita de uma determinada Cultura; ainda que isto possa ocorrer, em diversos níveis. Adoto a perspectiva de que, muito além de um mero artefato de entretenimento ou parte acessória nos ritos e experiências religiosas, a música gospel é, assim como o samba e o funk, parte integrante da vida nas margens da cidade; e uma poderosa formulação cultural para (re) mediar a dor, reencantar a vida e encarar a realidade.
O Parque das Dunas do Abaeté e o "Monte Santo Deus Proverá": dimensões do conflito entre neopentecostais e afrorreligiosos em Salvador/BA
Autoria: Lidia Bradymir
Autoria: Em março de 2022, o povo de santo de Salvador foi surpreendido com a aprovação do projeto de urbanização das Dunas do Abaeté - região turística e de grande importância cultural de Salvador - pela Câmara Municipal de Salvador. A urbanização dessa região, reivindicação de grupos neopentecostais que realizam cultos no local, causou revolta pela falta de diálogo com os candomblés que também atuam tradicionalmente naquela região da cidade. Além disso, estava em debate um projeto proposto pelo vereador Isnard Araújo, que reivindicava que na duna onde ocorrem os cultos evangélicos fosse posta a placa que a nomeava como "Monte Santo Deus Proverá". Ao circular nas redes sociais o vídeo do Apóstolo Roque Soares - presidente do Restaura Verde, projeto da comunidade evangélica que promove a preservação das dunas -, já com a placa nomeando o território como "Monte Santo", lideranças afro-religiosas convocaram manifestações que contaram com apoio de ambientalistas e movimentos indígenas. Como resultado das reivindicações, a placa com nome de "Monte Santo" foi removida e o projeto do vereador foi revogado. Contudo, até o momento continuam as mobilizações contra as obras de urbanização, que não foram paralisadas. Nessa comunicação, tomo o conflito religioso envolvendo as Dunas do Abaeté como base para aprofundar as dimensões do conflito entre neopentecostais e afrorreligiosos na cidade, que vem sendo conceituado como "racismo religioso", distanciando-se do uso mais difundido do conceito de "intolerância". Essa controvérsia traduz a dimensão atual que manifesta o conflito entre afrorreligiosos e pentecostais no espaço público de Salvador - objeto de minha dissertação de mestrado - em que se entrecruzam disputas territoriais e símbolos patrimonializados. Em relação ao território, as pesquisas ressaltam a dimensão pública dos rituais das religiões afro-brasileiras na cidade e a forma pela qual os neopentecostais reivindicam presença no espaço público. Já com relação aos símbolos culturais patrimonializados, pesquisadores apontam para o processo de construção ideológica da "identidade" baiana por meio da presença dos símbolos aforrreligiosos.
Espaços LGBTI+ na Igreja Católica: o caso das "pastorais da diversidade sexual"
Autoria: Jeferson Batista da Silva
Autoria: A questão central deste trabalho é refletir sobre a criação, nos anos de 2016 e 2017, das chamadas "pastorais da diversidade sexual" na Arquidiocese de Belo Horizonte (BH) e na Diocese de Nova Iguaçu (RJ), espaços institucionalizados no interior da Igreja Católica Romana no Brasil formados por pessoas LGBTI+ católicas, aliadas e familiares. Estas iniciativas se forjam contraponto certo senso comum nos cristianismos e em outros espaços de que dissidências da norma binária cis-heterossexual são incompatíveis e inconciliáveis com uma pertença religiosa, sobretudo a cristã. Assim, lança-se um olhar para os processos que permitiram o surgimento dessas iniciativas inéditas no contexto brasileiro e mapeia-se controvérsias envolvendo tais empreendimentos pastorais por partes de grupos "conversadores" ligados ao catolicismo que utilizam diversas categorias de acusação contra sacerdotes, religiosas(os) e pessoas leigas fundadoras das já mencionadas pastorais. Para tanto, este trabalho adota uma abordagem etnográfica, que inclui participação em eventos diversos, entrevistas e análises de documentos e outros materiais, incluindo incursões de campo em Nova Iguaçu (RJ), Belo Horizonte (BH), São Paulo (SP), Campinas (SP) e Brasília (DF), entre os anos de 2016 e 2020. Com isso, é possível demostrar que os chamados "católicos LGBTI+" enfrentam a oposição de religiosos e não religiosos em diferentes frentes. Atores que exercem um ativismo contra a diversidade sexual e de gênero e contra a diversidade religiosa e, diversas vezes, são classificados genericamente pelos ativistas desta pesquisa como "conversadores". Tais "conservadores" podem ser atores tradicionalistas ou carismáticos e, em alguns casos, até mesmo outros homossexuais católicos ligados a grupos que pregam a castidade celibatária. Contudo, essa oposição parece não impedir o crescimento de grupos católicos LGBTI+ mais ou menos institucionalizados pelo Brasil. Todo este processo se faz dentro de transformações mais amplas e estruturais de sentidos e tensões em torno de direitos e sujeitos de direitos, que vão além dos muros do catolicismo.
Adorem a Allah em suas casas: Cyber Islam e pandemia
Autoria: Felipe Freitas de Souza, Isabella Macedo de Lucas
Autoria: Este trabalho é uma derivação da investigação sobre a islamofobia em espaços virtuais, levando a dois movimentos dos pesquisadores: a observação não-participante das expressões islamofóbicas online e a vivência nas redes observando grupos islâmicos distintos e suas reações a diferentes eventos. Considerando que a pandemia de Covid-19 impactou na pesquisa e nos grupos observados, levando a reconfigurações dos espaços e dos tempos virtuais e de seus usos, a comunidade muçulmana brasileira encontrou na virtualidade, por diferentes contingências decorrentes da pandemia, uma projeção de sua própria imagem e prática. Tal ocupação do espaço virtual levou ao surgimento de grupos de pesquisa e de ativismo, à exposição da identidade árabe-islâmica, à transmissão de rituais de ordens sufis, à criação de grupos de aplicativos de comunicação para compra e venda de produtos islâmicos e demais iniciativas para lidar com as restrições de aglomeração e com as intenções de agirem junto a outros muçulmanos. Frente à restrição de aglomeração de pessoas, por exemplo, circularam diferentes narrativas do Profeta Muhammad abordando desde os cuidados ao se lidar com uma peste, a higiene das pessoas muçulmanas, a modificação do "chamado para a oração" (adhan), que passaria a dizer "reze em suas casas" ao invés de "venha para a oração", bem como a utilização de plataformas de streaming para a transmissão de ritualísticas islâmicas tendo em vista a mitigação da contaminação - são exemplos que demonstram uma predisposição a adaptar-se às situações de adversidade que as fontes tradicionais da religião já relatavam no exemplo do Profeta e de seus companheiros. Buscando uma perspectiva teórico-metodológica que evidencie essas reorganizações nos espaços virtuais, frutos também da obediência à religião islâmica, este trabalho propõe descrever e analisar algumas dessas iniciativas, descrevendo movimentos da comunidade muçulmana em redes sociais. A proposta é mapear no Brasil um campo internacionalmente explorado por autores como Gary Bunt ("Hashtag Islam: How Cyber Islamic Environments are Transforming Religious Authority") e Robert Rozehnal ("Cyber-Sufis: Virtual Expressions of the American Muslim Experience") e que pode ser identificado como Cyber Islam brasileiro.