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ISBN: 978-65-87289-23-6
MR49: Racializar a África: reflexões, mudanças e contribuições a partir da Antropologia negra brasileira

Coordenação: Gilson Rodrigues Jr (IFRN)

Debatedor/a: Vinícius Venancio (UnB)
Participantes: Thais Tiriba (USP), Denise da Costa (UNILAB), Frederico Santos (UFSCar)

Resumo:
As últimas duas décadas no Brasil foram marcadas por mudanças substanciais no que diz respeito ao estudo e ensino da África. O Movimento Negro brasileiro, por meio das leis 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino das histórias e culturas africanas, e 12.711/2012, que instituiu a política de cotas no ensino superior, possibilitou uma mudança epistemológica no olhar para o continente africano. A ideologia lusotropicalista, que insiste em reinar em alguns setores da nossa disciplina, foi fortemente contestada e novas propostas de compreensão das relações raciais no continente emergiram. É a partir desse cenário que propomos a presente MR. Nela, a partir da experiência de antropólogas/os negras/os em diferentes contextos culturais africanos, pretendemos discutir as contribuições para o aprimoramento do olhar da Antropologia brasileira para o continente africano a partir de outras perspectivas raciais. Ao fim e ao cabo, este será um espaço para ir além das críticas vazias de que antropólogas/os negras/os brasileiras/os levariam os problemas daqui para lá, demarcando como a presença negra na nossa disciplina é capaz de aprimorar os debates para além das visões racialistas que ora perpetuam uma imagem de um colonialismo cordial, ora hierarquizam modelos de racismo.

Palavras chave: Contextos africanos; racialização; colonialismos
Resumos submetidos
Pertenças traficadas, identidades em trânsito: reflexões a partir do Slave Lodge, Cape Town (África do Sul)
Autoria: Thais Tiriba
Autoria: Neste paper, a partir do relato de uma visita ao Slave Lodge, Cape Town (África do Sul), proponho refletir sobre as leituras sobre racismo, escravidão e opressão operacionalizadas ali que remetem à experiência da população coloured, habitante dessa região do país. Ao lado do relato, trago as falas e hesitações de amigos e novos conhecidos, recentemente entrevistados, que se identificam como coloured e discorrem sobre racismo, família e pertencimento. O Slave Lodge foi alojamento insalubre para pessoas escravizadas de propriedade da Companhia Holandesa das Índias Orientais até 1811, que hoje abriga um dos 11 museus da província de Western Cape operados pelo Ministério das Artes e Cultura. Essa região portuária do país recebeu por dois séculos sujeitos traficados da Índia, Indonésia, Leste do continente africano, Ilhas Maurício e Madagascar. O museu conta a história dessa rota menos conhecida do tráfico de pessoas escravizadas e se debruça sobre o legado da escravidão na região e no país, bem como dá espaço, em suas exposições, para as vozes, rostos e famílias da população coloured, cujas identidades, ambíguas no contexto sul-africano por denotarem opressão, mas também privilégio relativo, encontram raízes na escravidão. As reflexões que apresento nesse paper se dão a partir de meu trânsito entre São Paulo e Cape Town para a realização de minha pesquisa de doutorado, ainda em andamento. Desde o início desse processo, uma vez em solo sul-africano, sou convidada a traduzir para amigos e novos conhecidos as operações das relações raciais no Brasil e do racismo brasileiro. Meu corpo racializado é também, por vezes, objeto de escrutínio. Lida como coloured no contexto de Cape Town, explico meu pertencimento racial também a partir das articulações entre os apagamentos da escravidão, família, classe e gênero. As reflexões presentes nesse paper são, dessa forma, elaboradas tanto nesses diálogos onde aproximamos os incomparáveis para encontrar semelhanças e marcar diferenças, quanto a partir de minhas leituras e impressões enquanto corpo racializado em uma cidade fundamentalmente marcada por um histórico de segregação.